domingo, 8 de junho de 2008

Sobre ortodoxia, meios e fins

Um dos sintomas da influência da mentalidade pós-moderna no meio cristão é a aversão que alguns cristãos manifestam hoje em relação à ortodoxia bíblica, isto é, à Verdade. Infelizmente, o cristão pós-moderno tem a tendência de ignorar, e até mesmo criticar, a importância da doutrina correta. O termo "verdade absoluta" causa em muitos arrepios. E a razão é simples: cansados das disputas teológicas intermináveis (a maioria em relação a doutrinas bíblicas secundárias) que marcaram os últimos séculos, muitos cristãos de hoje resolveram tomar uma atitude radical e tola: abraçar a idéia de que o que importa realmente são relacionamentos corretos e não doutrinas corretas. Porém, a idéia de que uma coisa é mais importante do que a outra é uma premissa absolutamente falsa. Ambas – relacionamentos corretos e doutrinas corretas – são importantes. E isso não é uma inferência particular. A própria Bíblia as trata como igualmente importantes, e a experiência da vida corrobora.
Alguém pode ser um primor de ortodoxia, mas um péssimo cristão em termos práticos, em termos de comportamento. Isso porque o fato de saber a verdade não impede a pessoa de errar. Vide o caso do rei Salomão. O homem mais sábio do mundo cometeu uma tolice, pecou absurdamente, mesmo sabendo, mais do que todos, que a sua atitude era reprovável diante de Deus.
Por outro lado, aquele que valoriza o comportamento correto em detrimento da ortodoxia esquece que é impossível termos um comportamento completamente correto se nos falta a compreensão da Verdade. É justamente por isso que, invariavelmente, aqueles que colocam relacionamentos acima de doutrina aceitam e reproduzem, às vezes inconscientemente, posicionamentos e comportamentos absolutamente equivocados.
Ou seja, ortodoxia e ortopraxia se completam. Para que haja real ortopraxia, é preciso ortodoxia; e para que a ortodoxia gere frutos, é necessário que ela seja encarnada na vida, se manifeste nas ações; é necessário que seja algo mais do que mero conhecimento; é necessário que se materialize em ortopraxia. Ortodoxia sem ortopraxia é verdade sem vida; já ortopraxia nem existe em sua plenitude sem ortodoxia, pois não há Vida se ignoramos a Verdade.

A importância de como lidamos com os meios e fins

Foi o escritor liberal e dramaturgo alemão Gotthold Lessing que, no século 18, afirmou a seguinte sandice: “Se Deus me oferecesse, com sua mão direita, toda a verdade e, com a esquerda, a procura interminável da verdade, ficaria com a mão esquerda”. O motivo para tal escolha? Explica Lessing: “A jornada para encontrar a verdade é mais importante que o destino”.
Lessing, que não acreditava que a Bíblia era a Verdade, se esquecia do que bem frisou Erwin Lutzer, que se ele não possuísse absolutamente nenhuma verdade, "não poderia discernir nem mesmo graus de veracidade; não saberia sequer se sua procura estaria levando-o à direção correta, já que nem saberia o que estaria procurando". Não saberia se os meios utilizados eram corretos ou errados para se chegar ao fim desejado.
Aliás, muitos dos erros que as pessoas cometem na vida estão relacionados justamente à forma como lidam com a relação “fins” e “meios”. Se há os que erram por raciocinarem e agirem maquiavelicamente, isto é, pensando e praticando que os fins justificam os meios, há os que também erram por raciocinarem e agirem guiados pelo mote de Lessing: os meios valem mais do que os fins. Não! Tanto os fins quanto os meios são importantes.
No fundo, no fundo, quem faz a escolha de Lessing não quer mesmo a Verdade, posto que mesmo um pouco da Verdade é melhor do que uma busca contínua; não quer o verdadeiro crescimento espiritual, pois este só pode acontecer a partir do conhecimento e aplicação da verdade bíblica, que, às vezes, incomoda. As doutrinas bíblicas fundamentais são claras e apresentadas objetivamente nas Sagradas Escrituras, mas suas implicações em nossas vidas chocam-se com a natureza pecaminosa, por isso muitos reagem preferindo a subjetividade. Aliás, as deusas da heterodoxia pós-moderna chamam-se "subjetividade" e "relativismo".
Crescimento na Verdade

O crescimento espiritual de que fala a Bíblia é mais do que a busca pela Verdade (que é só uma parte do processo), é também um crescimento na Verdade, exarada na Palavra de Deus. Como assim?
Digamos que você, hoje, já conhece e estudou bem tudo aquilo que Deus nos deixou revelado em Sua Palavra para o nosso crescimento espiritual ou pelo menos já sabe bem o essencial da Verdade, apresentada objetivamente nas Escrituras. Ora, isso não significa nem que você deve agora procurar verdades além da Bíblia para continuar “crescendo” nem que você deve achar que já cresceu em Deus porque já estudou tudo. Muito pelo contrário. Você deve crescer espiritualmente a partir da Verdade que aprendeu, aplicando-a todos os dias em sua vida e, assim, sendo aperfeiçoado. Disse Jesus: “Santifica-os na Verdade, a Tua Palavra é a Verdade” (Jo 17.17).
Porém, como Lessing, muitos cristãos hoje não querem a verdade objetiva, mas, sim, subjetividade, relatividade, o caminhar cheio de reformulações constantes. Por quê? Porque é muito mais atraente. É muito mais cômodo viver a partir de princípios flexíveis do que a partir de princípios inamovíveis. É muito mais cômodo uma ética situacionista do que uma ética cimentada. A verdade objetiva nos impõe aplicá-la, vivê-la, apesar de nossas vontades, circunstâncias e gostos pessoais. A verdade relativa, ao contrário, que é construída, adaptada e readaptada conforme as conveniências, conforme o feeling pessoal, não nos exige tanto compromisso, mas apenas o ser politicamente corretos.
Nós, porém, procuremos permanecer na Verdade, aprender mais da Verdade, nos conduzir conforme a Verdade, viver a Verdade. Em nome de Jesus.