terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A Sedução das Novas Teologias

É com preocupação que constatamos que a pós-modernidade está afetando negativamente a reflexão teológica do meio evangélico no exterior e, agora, também no Brasil. Tendências pós-modernas como a frustração-aversão a todo tipo de instituição, a relativização e a fluidificação de valores já estão, há alguns anos, influenciando a teologia que vemos nos púlpitos, livros e seminários em nosso país. Este é um assunto, sem dúvida, premente em nossos dias.
No Brasil, já começam a ser publicados por editoras evangélicas livros de pensadores cristãos liberais que são apresentados como sendo o que há de melhor na reflexão teológica hodierna, mas que nada mais são do que o velho liberalismo teológico alemão ressuscitado e apresentado em uma roupagem nova e mais atraente, e por isso cada vez mais popular. Sua expansão é fomentada pelo crescente número de cristãos frustrados com o cristianismo organizado (devido a recentes escândalos e aos terríveis e crescentes modismos neopentecostais) e pela capa de piedade e “nova espiritualidade” que a nova versão do liberalismo tem adotado, enredando facilmente muitos desavisados. Por tudo isso, essa nova teologia é vista como uma alternativa saudável, quando, na verdade, é um pulo de um extremo para o outro.
O velho liberalismo teológico alemão tem hoje como seus maiores porta-vozes pensadores e teólogos evangélicos norte-americanos da chamada “esquerda evangélica dos EUA”. Estes ganharam espaço e voz no meio evangélico brasileiro recentemente durante a onda de antipatia que a opinião pública mundial manifestou em relação à denominada “direita evangélica dos EUA” devido ao apoio que esta deu ao presidente Bush em sua eleição e reeleição. Constrangidos por esse apoio, alguns cristãos no Brasil resolveram aproximar-se do conteúdo doutrinário da esquerda evangélica dos EUA e acabaram absorvendo seus posicionamentos heterodoxos, que ferem frontalmente a integridade da Doutrina Bíblica.
Iludidos pelo discurso com apelo emocional que a “versão 2001” do liberalismo se utiliza, muitos desses evangélicos passaram a adotar posicionamentos teológicos claramente liberais sem perceberem. Sim, porque poucos se dão conta de que os posicionamentos que adotaram são o velho liberalismo teológico respondendo agora pelos nomes mais atraentes de Ortodoxia Generosa, Teologia Narrativa, Teísmo Aberto (ou Teologia Relacional), Teoria de Kenosis (criada no século 19, na Inglaterra, e que interpreta equivocadamente como se deu a kenosis de Jesus) e Teologia Quântica. Outro conceito popular é o da “Igreja Emergente” como sendo a face verdadeiramente sadia do cristianismo em nossos dias e apresentada como uma proposta cristã muito mais coerente diante da atual conjuntura social, filosófica e cultural na qual vivemos.
Outro tema preocupante é a onda fundamentalista liberal que tem se levantado contra os valores cristãos no Ocidente, propondo mudanças que objetivam amordaçar o que ainda resta do genuíno cristianismo. Ou seja, como se não bastassem os problemas de dentro (os modismos neopentecostais, a nova face do liberalismo, etc), temos ainda os problemas de fora.
Enfim, estamos em um momento crítico, o que significa que precisamos mais do que nunca tomar posição e buscarmos de Deus um avivamento, mas um avivamento genuíno, à luz das Sagradas Escrituras.
Tal reflexão impulsionou-me a ir além da pregação e escrever mais um livro. Pela graça de Deus, abordo todos esses importantes assuntos em meu mais recente livro – A Sedução das Novas Teologias: o que está por trás de modismos como Igreja Emergente, Ortodoxia Generosa, Teísmo Aberto, Teologia Narrativa e Teologia Quântica (CPAD). Alguns desses temas já foram abordados neste blog (no caso, Teísmo Aberto e Teoria de Kenosis), porém timidamente, enquanto no livro dedico dezenas de páginas a cada assunto. Ao todo, são cerca de 300 páginas onde os equívocos do neoliberalismo teológico e do fundamentalismo liberal são desnudados e confrontados. Creio que este livro será uma bênção para a sua vida como foi para mim ao escrevê-lo.
E pela relevância dos temas abordados, aproveito para incentivar os queridos leitores deste blog a divulgarem esta obra para que o maior número possível de pessoas sejam alcançadas, despertadas e alertadas no Brasil sobre os perigos da atual onda de modismos neoliberais teológicos que chegam à nossa nação.
O livro estará à disposição em meados de janeiro. Quem estiver interessado em adquiri-lo poderá fazê-lo não apenas nas lojas evangélicas pelo Brasil, mas também pelo 0800-21-7373. Você poderá adquiri-lo também, e com desconto, no site da CPAD (http://www.cpad.com.br/).
Aproveito esta postagem para desejar a todos os leitores do Verba volant, scripta manent um 2008 recheado das bênçãos de Deus. Um abraço a todos!
(P.S.: Estes votos de um feliz 2008 não significam uma sinalização de recesso por aqui. A todos os interessados, continuarei a postos respondendo aos comentários que me forem enviados. Se demorar um pouco a responder, é devido à conjuntura natural de final de ano, que diminui nossa frequência na blogosfera. Mas podem estar certos de que todos que postarem comentários aqui serão, espaçada ou brevemente, atendidos)

domingo, 25 de novembro de 2007

Uma palavra sobre os erros dos reformadores

(Na ilustração acima, aparecem, da esquerda para a direita, Teodoro Beza, Calvino, John Wycliffe, Zwinglius, Bucer, Lutero, Melanchton e John Huss)
Encerrando finalmente nossa série de três artigos sobre a Reforma, segue, como prometido, nosso artigo sobre os erros dos reformadores. A demora se deveu ao fato de que estava extremamente ocupado nas revisões do meu próximo livro a ser lançado (e que breve estarei divulgando neste blog).
Bem, à guisa de introdução, é importante dizer, em primeiro lugar, que algumas das colocações aqui apresentadas não se constituem novidade para os leitores deste blog, uma vez que, durante os debates nos comentários sobre as duas primeiras postagens sobre os 490 anos da Reforma, acabamos naturalmente adiantando um pouco do assunto.
Um outro detalhe é que preferi, em vez de falar sobre todos os erros dos reformadores, apresentar um explicação geral para todos os casos. É que percebi que falar de todos eles exigiria, na verdade, mais de um artigo – creio que pelo menos umas dez postagens seriam necessárias. Além disso, qualquer caso específico pode ser sugerido e explorado pelos leitores nos comentários e, na medida do possível, iremos atender a todos. É mais prático assim.

Equívocos quanto à Reforma

Há dois tipos de equívocos muito recorrentes em pessoas que entram em contato com a história da Reforma Protestante.
O primeiro equívoco é o de querer ver apenas os acertos dos reformadores, olvidando seus erros. Quem age assim cria uma visão romântica da Reforma, e não uma visão realista. E isso é ruim por duas razões.
Inicialmente, porque olhar para o passado da Igreja é bom não apenas porque aprendemos com os acertos, mas também porque aprendemos com os erros de grandes homens de Deus. E em segundo lugar, porque a visão realista não diminui a importância da Reforma, mas, muito pelo contrário, mostra-nos quão terrível seria se a Reforma não tivesse acontecido. Sim, pois, ao analisarmos os erros dos reformadores, logo percebemos que eram frutos da influência do contexto cultural de sua época sobre eles, e a Reforma, como sabemos, propunha exatamente a transcendência dos princípios bíblicos sobre a tradição e a cultura de qualquer época. Ou seja, seus erros realçam ainda mais a importância dos primeiros passos que deram sob a graça de Deus, pois mostram que, apesar de seus esforços, como seres humanos falhos que eram (assim como nós hoje somos), os próprios reformadores não conseguiram vencer e transcender totalmente os vícios de sua cultura. Porém, abriram a porta e estabeleceram as bases precisas para o início da mudança.
Ou seja, os erros dos reformadores, que não devem ser olvidados, só valorizam mais ainda suas conquistas. À luz dos seus erros, percebemos que os passos que deram foram hercúleos. Devido ao seu contexto, foram conquistas tremendas.
A Reforma partiu da redescoberta da Bíblia. Ela pregou a volta às Escrituras, o que fez com que fossem defendidos princípios que se opunham à realidade cultural da época dos reformadores. Como conseqüência, em sua volta à Palavra, os reformadores acabaram chocando a sociedade quando encarnaram princípios bíblicos que estavam frontalmente em contraposição ao contexto político, religioso e social de seus dias. Por exemplo: a luta contra a supersticiosidade religiosa; a visão do sexo como uma bênção de Deus e a condenação apenas do sexo ilícito à luz da Bíblia (A Igreja Católica tinha uma visão de quanto mais sexo, menos santidade; e quanto menos sexo, mais santidade. A Reforma condenou e combateu essa visão); a preocupação com a educação do povo, a música e a literatura; e o resgate de mulheres da prostituição para a vida familiar (A Igreja Católica medieval “tolerava a prostituição, porque seus valores de gênero denegriam o sexo e também porque supunha que o desejo masculino fosse uma força anárquica e incontrolável que, sem um meio de descarga, macularia as mulheres respeitáveis da cidade. (...) Foi a Reforma que impeliu o fechamento dos bordéis” – As Reformas na Europa, Carter Lindberg, Sinodal, 2001).
Inúmeros outros exemplos de posicionamentos além de seu tempo, baseados na redescoberta da Bíblia, poderiam ser citados. Esses posicionamentos só foram possíveis por causa da visão de Sola Scriptura dos reformadores. Porém, como a Reforma foi apenas o começo dessa redescoberta, não poderíamos ser tão ingênuos de pensar que todos os vícios culturais da época dos reformadores foram rejeitados. Os reformadores nasceram e cresceram dentro daquela cultura medieval e tiveram seu pensamento impregnado desde cedo com a mentalidade de sua época. Por isso, em sua trajetória de vida, por terem nascido e crescido dentro daquela cultura, não conseguiram transcender todos os aspectos culturais de seu tempo, cometendo erros.
Muitos que criticam os reformadores se esquecem que se tivessem nascido e crescido no mesmo contexto cultural deles, teriam 90% de chances de fazer o mesmo ou até pior.
Os reformadores deram apenas os primeiros (e grandes) passos rumo à mudança. Por isso, seus erros, resultantes da influência do seu contexto cultural, só reforçam o quanto a Reforma foi importante. Os poucos avanços que eles deram, dentro do e apesar do seu contexto histórico, só nos devem levar a valorizar mais ainda o que fizeram pela graça de Deus. O que seria das gerações seguintes sem a Reforma?
O segundo grande equívoco recorrente é o de estereotipar os reformadores a partir de seus erros, às vezes até diminuindo a importância de seu trabalho e ministério por causa de seus erros.
Ora, a História não deve ser apenas contada, mas também interpretada, e sempre à luz do contexto a partir do qual cada história da História ocorreu. Os que a contam sem analisá-la ou sem mencionar o contexto de cada fato (citando-o apenas isoladamente) o fazem, não poucas vezes, imbuídos de determinados interesses. E isso é extremamente desonesto. É assim que se distorcem histórias. É assim que se distorce a História.
Nessa época de Pós-modernidade, a moda, como já falamos, é destruir, desconstruir, fluidificar, relativizar. Quando alguns citam os erros dos reformadores e os enfatizam sem atentar para o contexto histórico, sem analisar todas as nuances dos fatos, é porque querem que relativizemos a Reforma e, assim, deixemos de ver os postulados da Reforma como importantes.
O argumento usado geralmente é o que se segue: “Você é tão apegado aos princípios da Reforma? Você admira os reformadores? Então deixa eu te mostrar isso... Você sabia que Lutero disse isso? Você sabia que Calvino disse aquilo? Viu? Será que, depois disso, você vai admirar tantos os reformadores e a Reforma como antes? Será que gente que chegou a fazer isso e a dizer aquilo também não pode ter errado ao propor alguns princípios?”
Não é à toa que alguns cristãos, influenciados pela pós-modernidade, desprezam todos os princípios solas da Reforma, e com destaque para o Sola Scriptura (“Somente as Escrituras”), o que chamam de “bibliolatria”. Muitos deles nem consideram a Bíblia autoritativa.

Análise honesta

Falta honestidade nas análises que alguns fazem dos erros dos reformadores. Duas nuances, por exemplo, são completamente ignoradas.
Em primeiro lugar, lembremos que os reformadores não eram super-homens espirituais, assim como Abraão, Isaque, Jacó, Elias, Davi, Salomão e outros servos de Deus no passado não eram. Todos estes que citei tiveram falhas, umas maiores, outras menores, mas todos tiveram. E sabe qual é uma das coisas mais lindas na Bíblia? É que ela não esconde as falhas dos heróis da fé. Já imaginou se escondesse? Se ela o fizesse, ao lermos a história dos homens de Deus na Bíblia, diríamos: “Meu Deus, eles eram tão perfeitos! Não há como eu poder ser usado por Ti como eles foram, pois sou tão falho...”
Graças a Deus por não esconder as falhas dos heróis bíblicos! Graças a Deus por ela mostrá-los como eles realmente são! Diferentemente do que faziam os historiadores das nações da Antiguidade. Estes eram funcionários do reino e, por isso, tão tendenciosos que a maioria deles escondia todas as falhas dos reis, exaltava só as virtudes e ainda escondia relatos de derrotas em guerras contra outras nações. Esses funcionários relatavam só as vitórias. Por isso, para saber a verdade sobre determinados povos da Antiguidade, os historiadores modernos tiveram, em muitos casos, de comparar o que historiadores coetâneos de nações inimigas diziam sobre aqueles reis.
A Bíblia, porém, não mente, não camufla. Deus não dá “jeitinho” para ninguém. A Bíblia não esconde os erros dos heróis da fé. Ela mostra o ser humano como ele é, falho e extremamente necessitado e dependente da graça, da misericórdia e do perdão de Deus para ser restaurado, abençoado e se tornar uma bênção.
Enfim, ao mostrar os heróis da fé com suas falhas, a Bíblia nos ensina que Deus não faz a obra simplesmente através de nós. Ele faz Sua obra através de nós e apesar de nós, ou seja, apesar de nossas falhas. Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós e pôde ser usado por Deus como foi (Tg 5.17). Davi foi tremendamente falho, mas se arrependeu e pôde ser usado por Deus como foi. Nós somos falhos, mas podemos ser usados por Deus apesar de nossas fraquezas.
Então, não precisamos olhar para a Reforma para aprender que homens de Deus podem falhar. Basta lermos a Bíblia. Quem lê a Bíblia não se impressiona com a fraqueza humana, mesmo nos filhos de Deus.
Agora, em segundo lugar, devemos aprender a fazer distinção entre os que erram por fraqueza (como os reformadores) e os que erram por falta de conversão mesmo, porque são ímpios travestidos de cristãos (aqueles que demonstravam viver divorciados dos princípios do Evangelho e ainda fizeram atrocidades em cima de atrocidades em nome de Deus). No primeiro caso, não devemos ignorar os erros, mas também não devemos comprometer toda a obra de uma vida dedicada ao Senhor por causa desses erros isolados. Lutero, Calvino e outros foram grandes homens, apesar de suas terríveis falhas. Já no segundo caso, devemos rechaçar esses falsos irmãos, que dizem que estão no Evangelho, mas o Evangelho não está realmente neles. Estes podem não se envergonhar do Evangelho, mas ele se envergonha deles.
Enfim, aprendamos com os erros e acertos dos reformadores. Seus erros pontuais não devem ser esquecidos por terem sido apenas pontuais, mas também não devem ser usados desonestamente para diminuir a importância do que fizeram sob a graça e a inspiração divinas.
E uma última reflexão: assim como os erros cometidos no passado por célebres homens de Deus foram quase sempre frutos da influência do contexto histórico de suas épocas sobre eles, muitos cristãos repetem esse erro hoje quando se deixam influenciar pelo atual contexto histórico, pelos princípios da Pós-modernidade, na formação de sua mentalidade. Aprender com os erros dos reformadores e com o Sola Scriptura nos leva a não cometermos os erros desses cristãos de hoje.

sábado, 20 de outubro de 2007

Reforma Protestante: 490 anos de conquistas

Ao relermos a história do cristianismo, fica notório que a Reforma foi o instrumento de Deus para desfazer as trevas espirituais em que o mundo cristão estava imerso. Mas a influência protestante foi também marcante e decisiva na educação, formação da gramática de alguns povos e alfabetização de adultos; no fim do domínio da supersticiosidade no exercício da fé; na compreensão equilibrada da relação homem e mulher; na formação das leis e na política e economia de alguns povos.
O protestantismo sempre esteve ligado à educação. John Wycliffe, pré-reformador, fez a primeira tradução da Bíblia para o inglês, influenciando a sistematização da língua inglesa. Desde seus primeiros passos na Alemanha, a Reforma teve uma singular preocupação com o ensino. Em 1521, Martin Lutero publicou a Bíblia em alemão, o que os historiadores confirmam ter sido fundamental para a sistematização da gramática germânica. O próprio Lutero se encarregou de começar a sistematização da língua alemã. Em poucos anos, novas publicações da Bíblia em vários idiomas europeus foram realizadas, rompendo com o monopólio católico da Vulgata (versão latina do 4o século, feita por Jerônimo, e única até aquele período).
Como a maioria dos fiéis eram analfabetos, a Bíblia, de início, era lida apenas pelos pregadores. Mas isso não interessava aos protestantes, que sempre quiseram ver a Bíblia acessível a todos. Logo, o segundo investimento dos países de influência protestante foi a alfabetização em massa dos crentes, o que possibilitou a livre interpretação dos textos sagrados.
O missionário batista William Carey traduziu porções das Escrituras para dezenas de línguas e dialetos, sistematizando muitos deles. Tanto John Wesley como Carey e David Linvingstone deixaram para o mundo várias obras seculares importantes de cunho científico.
Em 1780, em Gloucester, no Centro-Oeste da Inglaterra, o jornalista evangélico Robert Raikes criou a Escola Dominical, uma das maiores iniciativas de que se tem notícia na área de ensino. Aquela região era um polo industrial com grandes fábricas têxteis. As crianças trabalhavam nas fábricas ao lado de seus pais, de sol a sol, seis dias por semana. Enquanto seus pais descansavam do trabalho árduo no domingo, as crianças ficavam abandonadas nas ruas e praças esmolando, brigando e, nas palavras de Raikes, "perturbando o silêncio dos vizinhos". Elas eram criadas sem qualquer estudo que pudesse lhes dar um futuro diferente de seus pais. Muitos enveredavam pelo caminho do vício, violência e crimes.
No tempo de Raikes, não havia escolas públicas na Inglaterra, apenas escolas particulares, privilégio das classes mais abastadas. Assim, as crianças pobres ficavam sem estudar, trabalhavam a semana toda e viviam nas ruas aos domingos. Raikes, então, começou a reuni-las nas praças e depois em salões alugados, onde elas aprendiam a ler e escrever, as somas aritméticas e lições de moral, ética e educação religiosa. Em 1785, fundou a primeira Associação da Escola Dominical. No mesmo ano, fundou nos Estados Unidos a União das Escolas Dominicais.
Raikes pagava do seu próprio bolso um pequeno salário para as professoras. Com o crescimento da obra, pessoas altruístas começaram a contribuir. É sabido que várias crianças alcançadas por esse trabalho, antes sem perspectivas, se tornaram homens ilustres na Inglaterra e Estados Unidos.
O sociólogo Max Weber, em sua célebre obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, afirma que o progresso econômico e social de algumas nações destacadas de sua época se devia justamente à formação marcantemente protestante dessas nações, formação esta que traz em seu cerne princípios morais e éticos que favoreciam a expansão da economia. Na abertura de seu primeiro capítulo, ele afirma: “Uma simples olhada nas estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição religiosa mista mostrará, com notável freqüência, uma situação que muitas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas e nos congressos católicos, principalmente na Alemanha: o fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas, é predominantemente protestante”.

Superstição e sexo

O protestantismo também foi um dos grandes catalisadores do fim da superstição da Idade Média, implementado por um catolicismo cada vez mais decadente. O mundo medieval era cheio de fantasmas, duendes, gnomos, demônios, anjos, santos, um mundo mentalmente carregado. Nesse mundo, Cristo era fraco, os demônios eram fortes e os anjos e santos importantes. Veio, então, a Reforma e centralizou tudo na cruz de Cristo, que representa a vitória para todo o que crê em Deus e sinceramente o serve. Infelizmente, há muitas igrejas que parecem querer reeditar esse hostil mundo cósmico através de uma má interpretação do tema batalha espiritual.
Quanto ao sexo, os protestantes, com o passar dos séculos, foram formando uma visão equilibrada. No catolicismo, o sexo era maldito. A teologia patrística ensinava a seguinte relação entre o sexo e a vida cristã: quanto menos atividade sexual, mais santidade; quanto mais sexo, menos santidade. Por isso aos padres foi proibido o casamento. Orígenes chegou a se castrar para “poder melhor servir a Deus”. Os primeiros pensadores da Reforma condenaram tal pensamento, acabaram com a visão do corpo como algo maldito e colocaram o sexo no seu devido lugar, como algo criado por Deus para o ser humano e que só se torna pecado quando realizado fora dos parâmetros estabelecidos pela Palavra de Deus.

Economia, política e formação de leis

Durante a História, os reformadores se manifestaram politicamente em três vertentes: a aristocrata, a liberal e a progressista. Os luteranos e anglicanos eram muito ligados à aristocracia e à sociedade estatal. O calvinismo, por sua vez, abriu espaço para a burguesia e criou o caminho para uma democracia de linha liberal, vide, mais uma vez, o sociólogo Max Weber em sua obra supracitada. Os anabatistas formavam uma ala contestadora, com uma reforma mais radical e que chegou a provocar a guerra dos camponeses.
Com o passar dos anos, a linha aristocrática se dissolveu, ultrapassada pela mudança dos tempos. A liberal, capitalista, consolidou-se pela própria História. A progressista também continuou existindo. No século 17, havia o Movimento dos Niveladores e dos Cavadores, que era socialista, e depois o Movimento Socialista Cristão nos séculos 18 a 20. Os progressistas sempre estiveram presentes na história do cristianismo, mas, por motivos históricos, sempre foram minoria.
No Brasil, os evangélicos sempre tiveram uma presença política progressista, contestadora, desde os tempos do Império. Foi só durante a ditadura que a igreja evangélica perdeu sua voz de contestação política, permanecendo apenas a luta contra a imoralidade e os vícios (interessante que hoje a sociedade encontra-se combatendo as drogas legalizadas – álcool e fumo –, o que é uma bandeira antiga dos evangélicos). No Nordeste, na primeira metade do século 20, vemos alguns sindicatos de trabalhadores sendo formados por agricultores pentecostais.
Os protestantes brasileiros concorreram muito para a abolição da escravatura. O primeiro missionário presbiteriano, Ashbel Green Simonton, escreveu em seu diário, no Rio de Janeiro, em 19 de julho de 1867: “Se ao menos puder ser removida a mancha da escravidão, esse incubo extirpado do corpo da nação, ainda que em algum dia distante, já será grande vitória”. Também contribuímos muito para a educação do nosso país, o que não era prioridade dos governantes de tempos passados. Uma das gramáticas brasileiras mais bem-sucedidas nos séculos 19 e 20 foi a do pastor Eduardo Carlos Pereira, que teve 150 edições. Os evangélicos construíram muitas escolas, hoje centenárias, em todas as regiões do país.
O jornal Imprensa evangélica, que circulou durante o Império, era contra a escravidão, contra uma religião do Estado e a favor de um sistema republicano. Naquela época, os evangélicos eram muito perseguidos. Se não, vejamos:
a) A Constituição de 1824 vedava aos evangélicos o direito de suas casas de culto parecerem templos.
b) Os protestantes não podiam propagar sua fé. Robert Kalley, missionário congregacional que inaugurou a Escola Bíblica Dominical no Brasil, sofreu muitas perseguições em Petrópolis (RJ) por causa disso, sendo até ameaçado de ser expulso da cidade.
c) Também não tínhamos garantia de emprego e, como se não bastasse, todos os colonos, fossem católicos ou não, deveriam contribuir com uma soma anual para a construção de uma igreja católica em uma determinada cidade que, muitas vezes, estava a mais de 200 quilômetros deles.
d) Só os católicos poderiam ser sepultados em cemitérios. Por isso os evangélicos construíram seus próprios cemitérios, quando não eram enterrados em qualquer lugar.
e) A Constituição do Império impedia o protestante de se candidatar, pois quem assumisse algum poder político deveria jurar "manter a religião Católica Apostólica Romana". Os não-católicos não podiam participar dos comícios.
f) O casamento protestante era considerado ilegítimo. O casamento era uma instituição religiosa regulada pelo Concílio de Trento e pelas Constituições do Arcebispado da Bahia. Assim, ele só seria válido, tendo todos os benefícios que a lei concedia, se fosse realizado por um padre católico. E mais: o padre só faria o casamento se o cônjuge protestante assinasse o compromisso de educar os filhos segundo os preceitos católicos. Chegou a se instaurar um processo contra duas pessoas que saíram da Igreja Católica para se casarem perante um ministro evangélico.
Muitas das belas conquistas sociais na nossa nação, hoje muito comuns, têm sua origem ou inspiração na luta protestante. As grandes contribuições sociais e políticas dos protestantes no Brasil foram o aumento da alfabetização tanto infantil como adulta, a liberdade de consciência através das escolas, a construção de novas instituições de ensino, a implementação de um regime democrata, o casamento civil, a liberdade de expressão, o fim da escravatura, a separação entre igreja e Estado, e diversas atividades humanitárias inspiradoras.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Reforma Protestante: 490 anos depois, retrocesso

Em 31 de outubro, comemoram-se os 490 anos da Reforma Protestante, um dos maiores acontecimentos da história da Igreja, pois recolocou boa parte dos cristãos no caminho de retorno à Palavra de Deus, ao cristianismo bíblico. Contudo, infelizmente, apesar de todos esses séculos, pouco se compreende e valoriza o significado desse evento. Claro que não devemos nos prender ao passado, mas entender as implicações desse acontecimento é salutar por, pelo menos, três razões.
Em primeiro lugar, para discernirmos alguns posicionamentos do evangelicalismo hodierno. Afinal, o que é ser protestante? Se somos protestantes, o que significa isso? Em que têm reverberado até hoje os princípios reformistas? Será que estamos vivenciando atualmente, no meio evangélico brasileiro e mundial, algum retrocesso em relação à Reforma?
Em segundo lugar, conhecer o protestantismo é importante porque nos estimula a grandes empreendimentos no Reino de Deus. A história da Reforma é marcada por uma fé engajada e poderosa. A fé dos antigos protestantes e seus exemplos nos servem de inspiração para a vida cristã.
Por fim, em último lugar, saber nossa história, como se deu a trajetória da Igreja até os nosso dias, auxilia-nos a evitar equívocos futuros.
Tendo em mente isso, a partir de hoje quero dar início a uma série de três artigos sobre a importância da Reforma Protestante, artigos que serão postados ainda este mês. Este é o primeiro da série e, para começar, falaremos do atual retrocesso que boa parte dos evangélicos tem vivenciado em relação aos princípios do protestantismo.

O que é ser protestante?

O que é ser protestante?
Ser protestante é pregar e viver todos os princípios da Reforma. Quais são eles? Os principais são Sola gratia (só a graça), sola fide (só a fé), sola Scriptura (somente as Escrituras) e sola Deo gloriae (somente a Deus a glória). Esses quatro lemas básicos sintetizam as verdades de que a salvação é apenas pela graça de Deus, mediante a fé; Jesus é o único mediador entre Deus e os homens; as Sagradas Escrituras devem ser a nossa única regra de fé e prática; e só Deus deve receber adoração.
Nós, protestantes, não aceitamos o confessionário, o jejum nos moldes clericais e o celibato compulsório. Com base no que nos ensina a Palavra de Deus, não reconhecemos o primado e a autoridade papal (reconhecemos o papa apenas como um líder religioso, mas não como o representante máximo do cristianismo nem muito menos reconhecemos seus ensinos como infalíveis, seja quando fala "ex cátedra" ou não, ou mesmo em seu ofício de "repetir o magistério ordinário"). Não reconhecemos também o culto à Maria, mãe de Jesus, ou aos santos. Repugnamos a venda de indulgência (perdão) ou bênçãos, quaisquer que sejam; a supersticiosidade e o uso de iconografia na adoração (imagens); a canonização de cristãos e a salvação pelas obras; o mercantilismo da fé; a idéia do purgatório e orações ou cultos pelos mortos. Dos sacramentos ministrados pela Igreja Romana, só administramos, pela Bíblia, o batismo e a Santa Ceia, que não tem o mesmo significado e liturgia da eucaristia católica. Quanto ao batismo, há igrejas protestantes que se assemelham a Roma neste ponto, no que concerne à execução, mas não são maioria.
Sociologicamente, o protestantismo é dividido em três ramos: histórico, pentecostal e pára-protestante.
O protestantismo histórico é formado pelas igrejas constituídas a partir da Reforma. São elas a luterana, as reformadas, a presbiteriana, a anglicana, a batista, a congregacional e a metodista.
Pára-protestantes são as seitas que se originaram no meio protestante. A característica principal delas é asseverar que a doutrina que pregam, que vai além das Escrituras, trata-se de uma revelação divina especial que receberam. São exclusivistas. Nesse ramo, temos os mórmons, os adventistas e as testemunhas de jeová. De forma geral, só essas seitas protestantes são reconhecidas pela Sociologia. As demais são vistas como apêndices do pára-protestantismo.
O protestantismo pentecostal, terceiro e último ramo, é dividido pelos sociólogos em duas classes: pentecostalismo tradicional e neopentecostalismo. O pentecostalismo tradicional, do qual faz parte a Assembléia de Deus, nasceu com o mover do Espírito Santo no fim do século 19 e começo do 20. Vários protestantes de todas as denominações históricas redescobriram e receberam a experiência do batismo no Espírito Santo como bênção subseqüente à Salvação, com evidência física de se falar em outras línguas. Tal experiência significava um revestimento de poder do Alto, que possibilita ao cristão o uso de dons espirituais que há séculos haviam sido relegados pela Igreja. O título "pentecostal" é uma referência ao episódio de Atos 2, ocorrido no período da festa judaica chamada Pentecostes.
No início desse movimento, a idéia não era abrir novas igrejas, mas reavivar o fulgor protestante, fazendo com que os cristãos se voltassem a algumas doutrinas esquecidas. Como as igrejas não aceitavam tais manifestações, os cristãos "pentecostalizados", expulsos de suas congregações de origem, se agruparam e formaram outras igrejas, fazendo nascer o ramo pentecostal, consolidado durante os anos. Foi assim que nasceram as igrejas Assembléia de Deus, O Evangelho Quadrangular, Igreja de Deus, Igreja de Cristo, Assembléia de Cristo (essas três últimas são dos EUA; as brasileiras que detêm esses nomes, e não são fruto do trabalho de missionários dessas denominações norte-americanas, são neopentecostais), Igreja Pentecostal (há várias igrejas pentecostais tradicionais no mundo com esse título), etc.
Dentro do pentecostalismo tradicional, há algumas denominações mais novas que são incluídas, tais como O Brasil para Cristo (fundada em 1955) e as igrejas renovadas: Batista Renovada, Presbiteriana Renovada, Metodista Wesleyana, etc. Algumas destas últimas são um tanto recentes no Brasil, sendo mais antigas em outros países. Há outros sociólogos que classificam algumas delas como neopentecostais.
O neopentecostalismo surge na década de 70. Ele compreende denominações como a Universal do Reino de Deus, as comunidades evangélicas, os centros de evangelismo e adoração (muito comuns nos EUA), a Igreja da Graça e tantas outras. É incalculável o número de igrejas neopentecostais no Brasil. A cada semana nascem mais no nosso país. No mundo, então, é uma loucura. As igrejas neopentecostais são caracterizadas por modismos teológicos, inconsistências doutrinárias, o uso de elementos de toque na liturgia, a ênfase no exorcismo e curas, teologia da prosperidade e sincretismo religioso.
Apesar do grande número de igrejas neopentecostais no Brasil, há mais pentecostais históricos do que neopentecostais no Brasil. O problema é que a influência neopentecostal, principalmente pela mídia, é grande em nosso país, inclusive entre membros de igrejas pentecostais tradicionais.

Retrocesso

É evidente que apesar de os sociólogos terem colocado no bolo protestante seitas como os mórmons, os adventistas e as testemunhas de jeová, classificando-as como pára-protestantes, esses grupos não têm nada a ver com o genuíno protestantismo. Por quê? A partir do momento que temos como ponto fundamental da teologia protestante as Escrituras como única regra de fé e prática, e esses movimentos não observam isso, não podemos considerá-los protestantes. Há vários pontos esposados por esses grupos que se chocam frontalmente com a genuína doutrina bíblica.
Outra constatação é que o bojo neopentecostal também não pode julgar-se herdeiro da Reforma se seus princípios batem de frente com pontos básicos e inegociáveis do protestantismo. Não queremos generalizar, mas muitos desses grupos pregam e praticam coisas que envergonham o protestantismo. Em alguns casos, toda a doutrina protestante chega a ser destruída. Se não, vejamos: Não seria a promessa de felicidade, bênçãos e vitória através de uma contribuição financeira mais que generosa a volta do princípio da venda de indulgências e bênçãos? Não seria o uso de elementos como galhinho de arruda, sal grosso e copo d'água na liturgia uma volta ao misticismo medieval, tão condenado pelos reformadores? A teologia da maldição hereditária e da prosperidade não seriam um vilipêndio à doutrina da graça?

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Os argumentos frágeis e aparentemente bíblicos do evangelho antropocêntrico

Estamos vendo hoje a proliferação de um evangelho que se apresenta como sendo bíblico, mas que não tem nada a ver com a Bíblia. Trata-se do evangelho antropocêntrico, que prega, entre outras coisas, que Deus é obrigado a nos dar tudo aquilo que pedirmos a Ele.
Assista nos vídeos abaixo uma breve explanação sobre dois textos que são costumeiramente pinçados das Sagradas Escrituras para tentar dar sustentabilidade aos ensinos da fé antropocentrista. Tratam-se de textos considerados fundamentais para os adeptos deste evangelho.
Ao contrário do que muitos pensam, esses textos não dizem o que os expositores do evangelho antropocêntrico querem que eles digam. Muito pelo contrário: são exatamente contra aquilo que esse enganoso evangelho propõe. Uma análise atenta sobre essas passagens bíblicas é o suficiente para provar isso.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Uma análise crítica sobre o mais novo fenômeno evangélico nos Estados Unidos: Joel Osteen

Não há sombra de dúvidas de que o pastor batista Rick Warren, 53 anos, é o mais influente líder evangélico dos Estados Unidos em nossos dias. Em 2005, uma matéria de capa da revista americana semanal Times (edição de 7 de fevereiro de 2005) apontou os 25 evangélicos mais influentes nos EUA e Warren estava no topo da lista. A matéria chegou ao ponto de asseverar que Warren “será o sucessor do idoso pastor Billy Graham para o papel de ministro da América”. A Newsweek, publicação americana de igual respeito, o considerou recentemente uma das 15 pessoas mais influentes nos Estados Unidos. A igreja liderada por Warren é um fenômeno de crescimento (cerca de 30 mil membros em pouco mais de 20 anos de existência) e seu livro “Uma vida com propósito”, um fenômeno de vendas. Foram 25 milhões de exemplares vendidos desse único livro em apenas cinco anos, e isso só nos EUA. Nenhum outro livro evangélico da História vendeu mais em tão pouco tempo do que esse livro.
Porém, fato é também que a mais nova “coqueluche” evangélica nos Estados Unidos não é mais Warren e sua “Igreja com Propósito”, mas um jovem pregador sorridente, esguio e com expressão frágil, que prega uma mensagem recheada de auto-ajuda. Estou falando do pastor Joel Osteen, 44 anos, líder da Lakewood Church, em Houston, Texas. Ele foi eleito “O mais influente cristão da América” em dezembro de 2006 e uma das dez pessoas "mais fascinantes, queridas, amadas e simpáticas dos EUA” em nossos dias. Warren, sem dúvida, continua a ser extremamente influente, mas agora Osteen aparece com destaque ao seu lado na mídia secular e evangélica da América.
Bem, se Joel Osteen está tão em alta por lá, quem é ele exatamente? Aqui no Brasil já ouvimos falar muito de Warren. Mas quem é Joel Osteen? Qual a sua história? Qual a sua mensagem? Qual seu perfil?

Ascensão meteórica

A história de Joel Osteen é marcada por uma ascensão tão meteórica quanto a de Warren. Se não, vejamos.
A Igreja de Lakewood foi fundada por seu pai, John Osteen, um pastor da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos que recebeu o batismo no Espírito Santo nos anos 50 e, por isso, foi forçado a sair de sua denominação, fundando com sua esposa Dodie, no segundo domingo de maio de 1959, no Dia das Mães norte-americano, a referida igreja.
Uma das grandes marcas e virtudes da Igreja de Lakewood desde a sua fundação é a ênfase na diversidade. A membresia da igreja mistura negros, brancos, hispânicos, etc, sendo um exemplo para outras igrejas. Outro destaque é a dedicação, desde o início, com a divulgação do Evangelho por todos os tipos de mídia: rádio, tevê, internet. Basta lembrar que, pouco tempo depois de inaugurar a igreja, o casal John e Dodie também fundou o programa de televisão semanal da Igreja de Lakewood, numa época em que programas evangelísticos na tevê não eram ainda tão comuns nos EUA. Em poucos anos, o programa chegou a alcançar 100 milhões de casas por semana nos Estados Unidos.
A Igreja de Lakewood sempre promoveu cruzadas, conferências e distribuição semanal de alimentos aos mais carentes, além de sempre apoiar obras missionárias pelo mundo. Porém, foi só a partir de 1999 que a igreja sofreu um “boom”, exatamente com a chegada de Joel à liderança. Naquele ano, o pastor John Osteen faleceu, deixando a esposa, seus seis filhos e a igreja com 6 mil membros. Para dirigir o trabalho, a igreja escolheu o filho mais jovem dos Osteen, Joel, que, apesar de ainda incipiente, era querido por toda a igreja. Assim, aos 36 anos de idade, mesmo só tendo pregado até aquele momento um sermão em toda a sua vida e concluído apenas o primeiro semestre do Curso de Teologia da Universidade Oral Roberts, Joel foi ordenado pastor e empossado como novo líder da Igreja de Lakewood.
Quando Joel assumiu a liderança, sua única experiência era na área de mídia e nos bastidores da administração eclesiástica de sua igreja. Ele ajudara seu pai durante 17 anos na produção do programa de televisão semanal e na administração da igreja. Agora, porém, teria que fazer mais do que isso. E conseguiu.
Joel Osteen começou a pregar, mesmo com seu jeito tímido, e sua mensagem e estilo foram bem recepcionados pelo povo. O seu estilo sóbrio logo cativou. Aliás, ao ouvi-lo, logo sobressaem nele quatro características: ele não alteia a voz em nenhum momento da mensagem, fala sempre calma e amorosamente, sorri o tempo todo e tem um raciocínio rápido. Com esse estilo e uma mensagem sempre “de esperança e inspiracional”, como ele mesmo costuma definir, Joel Osteen foi conquistando as pessoas.
Com a ajuda da família, que permanece até hoje plenamente integrada ao ministério da igreja, com cada um liderando algum departamento (sua mãe, por exemplo, lidera o departamento de intercessão e sua esposa, o departamento feminino), Joel viu a membresia de sua igreja saltar incrivelmente de 6 mil pessoas em 1999 para 42 mil (sic) em 2007, tornando-se hoje a maior igreja evangélica não-denominacional dos EUA em quantidade de membros. Devido ao crescimento, ele teve que inaugurar em 2005 o novo templo-sede do ministério, com capacidade para 16 mil pessoas sentadas.
Só para se ter uma idéia do crescimento da Igreja de Lakewood: a segunda maior igreja nos EUA é a Saddleback Church, na Carolina do Sul, fundada em 1980 pelo pastor batista Rick Warren, e que tem cerca de 30 mil membros; a terceira é a Potter’s House, em Dallas, Texas, fundada e liderada pelo polêmico pastor negro neopentecostal T. D. Jakes, com cerca de 30 mil membros também; em quarto, a World Changers International Church, liderada pelo famoso pastor neopentecostal Creflo Dollar, com 25 mil membros; em quinto está a Igreja Comunidade de Willow Creek, de Chicago, com 20 mil membros, fundada e liderada pelo pastor Bill Hybels desde 1975; e em sexto, a New Life Church, no Colorado, com 15 mil membros, antes liderada por Ted Haggard e hoje pelo pastor Brad Boyd (a igreja tinha cerca de 23 mil membros, mas depois do escândalo sexual de Haggard diminuiu para 15 mil).
Em oito anos, a Igreja de Lakewood (imagem abaixo) conseguiu aumentar em sete vezes a sua membresia, saltando de 6 mil membros direto para o topo, ultrapassando em membresia todas essas mega-igrejas e chegando à marca impressionante de 42 mil membros, o que a torna a maior igreja da América hoje. Realmente impressionante. Mas não pára por aí.

Joel Osteen resolveu investir 30 milhões de dólares no programa semanal de televisão de sua igreja e, agora, este é transmitido não só para os EUA, mas também para mais de 100 países e está praticamente onipresente nas manhãs de sábado e domingo nos canais de tevê norte-americanos. O programa passa em duas das maiores redes evangélicas de televisão da América e em três grandes canais seculares de tevê naquele país: ABC, USA Network e Black Entertainment Television. Você termina de assistir o programa de Osteen em um canal e, ao passar para outro, o programa está começando a ser reapresentado lá. Segundo estimativas, o programa, que antes era assistido por 100 milhões de casas, agora é assistido por quase 200 milhões de residências nos EUA toda semana.
Joel Osteen também é um fenômeno de vendas nos EUA. Em outubro de 2004, ele lançou seu primeiro livro: Your Best Life Now: 7 Steps to Living at Your Full Potential (O melhor de sua vida agora: sete passos para viver plenamente seu potencial). Simplesmente, o livro encabeçou a lista dos mais vendidos do jornal The New York Times durante meses. Foi o número um de vendas até pouco tempo. O livro já vendeu mais de 4 milhões de exemplares em menos de três anos e ainda está onipresente nas livrarias. Recentemente, vi seu livro em destaque em livrarias seculares em Atlanta, New Jersey e Nova York. Vi também pessoas lendo seus livros no metrô de Nova York. Para onde virava, lá estava Joel Osteen, com seu rosto sorridente estampado na capa dos livros. O sucesso é tamanho que seu próximo livro, que será lançado mês que vem, já tem sua primeira tiragem confirmada: nada menos que três milhões de exemplares.
Depois que Joel Osteen assumiu a liderança da Igreja de Lakewood, esta também passou a ser muito conhecida pelos louvores. Seu coral e grupos de louvor gravaram vários CDs de sucesso nos últimos cinco anos, vendendo mais de um milhão de cópias. Vale ressaltar ainda que o maior nome na área de louvor e adoração no mundo evangélico hispânico pertence ao ministério de Lakewood: o pastor Marcos Witt.
Sentindo o crescimento de seu ministério, Osteen resolveu investir em cruzadas pelo mundo. Ele realizou recentemente suas quatro primeiras cruzadas: no Canadá, Irlanda, Inglaterra e Israel. Na Inglaterra, pregou a uma audiência de 6 mil pessoas. O nome de suas cruzadas é “Uma noite de esperança e inspiração”.
Bem, mas já está na hora de fazermos uma avaliação crítica sobre o ministério de Osteen. Vamos a ela.

Os desvios de Joel Osteen

As críticas ao seu ministério estão relacionadas, em primeiro lugar, ao fato de que Joel Osteen, curiosamente, não prega sobre arrependimento. E o detalhe é que, ao ser confrontado recentemente sobre esse assunto, Osteen se defendeu afirmando que não gostava de “pregar sobre o pecado”. Ora, a mensagem do Evangelho não se resume a falar sobre o pecado. Esse é só um dos pontos, e um ponto necessário, já que sem arrependimento não há transformação real de vidas. O problema é que Osteen, deliberadamente, evita pregar “todo o conselho de Deus”, como diz a Bíblia, o que não é saudável para o crescimento espiritual de quem o ouve.
Além disso, suas mensagens são repletas de auto-ajuda e, de vez em quando, ele ainda flerta com algumas idéias do movimento da Confissão Positiva e da Teologia da Prosperidade. Aliás, comumente Osteen tem sido chamado de “O evangelista da auto-ajuda”. Não sei se foi por isso, mas, há pouco tempo, a revista Veja publicou uma matéria de capa sobre os “pregadores evangélicos de auto-ajuda no Brasil" justamente na época em que Osteen estava sendo badalado na mídia norte-americana como “pregador da auto-ajuda”. Teria a revista Veja notado essa tendência nos EUA e procurado descobrir o mesmo aqui no Brasil? Bem, não sabemos, mas fato é que Osteen inaugurou uma tendência nos EUA que, consciente ou inconscientemente, pode estar influenciando alguns pregadores por aqui. É verdade que Osteen ainda não é conhecido no Brasil, mas provavelmente é conhecido por alguns pregadores brasileiros que viajam à América.

Sobre a Teologia da Prosperidade

Em setembro de 2006, a revista Times publicou uma matéria de capa sobre a Teologia da Prosperidade, apresentando um debate no meio evangélico norte-americano sobre se essa doutrina é um mal ou um bem para o cristianismo. A matéria cita que há “três mega-igrejas pentecostais nos EUA” que são hoje as maiores representantes da Teologia da Prosperidade: as igrejas dos pastores negros neopentecostais T. D. Jakes e Creflo Dollar, e a Igreja de Lakewood, de Joel Osteen. Na matéria, os dois pastores destacados para falar sobre o assunto foram... Rick Warren e Joel Osteen. Warren bateu firme na Teologia da Prosperidade. Osteen, por sua vez, disse que sua visão sobre a prosperidade na vida do cristão não era tão radical como seus críticos afirmavam. A revista Christianity Today reverberou a matéria da Times, escrevendo uma nota intitulada Joel Osteen versus Rick Warren on Prosperity Gospel.
A matéria da Times começava apresentando uma pesquisa que informa que 17% dos cristãos nos EUA se dizem adeptos da Teologia da Prosperidade, 61% dos cristãos dizem que crêem que Deus quer que todas as pessoas sejam prósperas e 31% acreditam que quem é fiel nos dízimos e constantemente oferta para a obra de Deus receberá acréscimos financeiros de Deus. Em seguida, Warren é perguntado sobre se Deus quer que todos sejam ricos. Como forte opositor da Teologia da Prosperidade que é (ainda bem!), ele foi contundente: “Você está falando dessa idéia de que Deus quer que todos sejam bem-sucedidos financeiramente? Há uma palavra para descrevê-la: ‘balela’. Isso é criar um falso ídolo. Você não pode medir seus valores sobre si mesmo pelo conjunto de valores materiais que você tem. Posso mostrar a você milhões de seguidores fiéis de Cristo que vivem em pobreza. Por que nem todos nas igrejas são milionários?”
Osteen, por sua vez, apontado como adepto da Teologia da Prosperidade, ao ser perguntado, procurou fugir do rótulo, dizendo que a prosperidade que prega não é exatamente a mesma que se propala: “Se Deus quer que sejamos ricos? Quando escuto a palavra ‘rico’ para se referir criticamente ao que prego, acho que as pessoas querem dizer: ‘Ele está ensinando que todos vão ser milionários’. Mas não é isso que estou dizendo. Eu prego que as pessoas podem melhorar suas vidas. Penso que Deus quer que sejamos prósperos. Acredito que Deus quer que sejamos felizes. Para mim, as pessoas precisam ter dinheiro para pagar suas contas. Creio que Deus quer que enviemos nossos filhos para a escola. Creio também que Ele quer que sejamos bênção para outras pessoas. Eu não estou dizendo que Deus quer que sejamos todos ricos. Aliás, esse negócio de riqueza é relativo”. Apesar de certa lógica em sua afirmação, fato é que Osteen realmente flerta, algumas vezes, com a Teologia da Prosperidade. Basta ouvir duas ou três mensagens dele para perceber isso.

Retratação

Outra crítica a Osteen (mas que já foi superada, porque houve retratação) ocorreu em 2005. Naquele ano, em entrevista ao programa Larry King Live, perguntado se só havia salvação em Jesus, Joel Osteen evitou afirmar isso (Jo 14.6), preferindo dizer que “Deus conhece o coração das pessoas”. Porém, em 2006, de volta ao Larry King Live, Osteen aproveitou para retratar-se devido às críticas que sofreu no meio evangélico por essa declaração. Na ocasião, disse: “Creio que o relacionamento pessoal com Cristo é o único caminho para o Céu”.

Fenômeno sadio ou não?

Depois de tudo isso, vem a pergunta: Joel Osteen é um fenômeno sadio ou não no meio evangélico? Bem, é cedo para sermos tão categóricos. Ele ainda está no início de uma carreira ministerial que começou de forma meteórica. O tempo vai dizer que rumo seu ministério tomará. É esperar para ver.
Por agora, podemos dizer apenas duas coisas: primeiro, é fato que suas mensagens sofrem tendências perigosas e se Osteen não reverter essa tendência, passará a ser uma influência definitivamente negativa; segundo, ele aparenta ser aberto a críticas sadias e isso é muito bom.
Tomara que Joel Osteen deixe de ser "O pregador de auto-ajuda" e se torne de fato um pregador da mensagem integral do Evangelho de Cristo. Assim, com certeza sua mensagem será absolutamente uma bênção para o mundo.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Vença as tentações da auto-afirmação

Um dos tipos de tentação mais recorrentes hoje em dia é o da auto-afirmação. Refiro-me àquela vontade de deixar de lado o “confiar e descansar em Deus” e a prudência para se precipitar desesperadamente, a todo custo, em busca da concretização de seus próprios sonhos. Em síntese e em termos cristãos: em vez de a pessoa trabalhar pacientemente, esperando o momento de Deus exaltá-la, ela trabalha tresloucada e impacientemente para conseguir sua própria exaltação, e mesmo que seja pelos meios menos indicados. O que Homero chamava de areté (excelência por seus próprios méritos) e o reconhecimento são, para esse tipo de pessoa, o maior objetivo de sua vida.
Ora, desejar a excelência não é errado. Buscar fazer o melhor é corretíssimo. O problema está em procurar doentiamente o reconhecimento e até mesmo recorrendo à precipitação e a atalhos perniciosos.
Para sabermos lidar com essa tentação, bem como com qualquer outra, devemos sobretudo olhar para Jesus. O maior exemplo sempre é Cristo. Ele é o nosso modelo, o nosso manequim, o padrão a ser perseguido. Vejamos, portanto, como Jesus lidou com esse tipo de tentação.
Com cerca de 30 anos, Jesus foi batizado por João Batista no Rio Jordão. Em seguida, antes de dar início ao seu ministério, partiu para o deserto da Judéia, onde foi tentado pelo Diabo (Mt 4.1-11). Jesus estava no auge de sua juventude quando isso ocorreu. E o mais interessante é que as três tentações que Ele enfrentou ilustram perfeitamente três tentações fundamentais a respeito da auto-afirmação que são bem próprias da juventude. Aliás, a ansiedade é uma marca da juventude, embora ela se manifeste também em todos os outros momentos de nossa vida. Não é à toa que o apóstolo Pedro, ao escrever que devemos lançar sobre Deus toda a nossa ansiedade, estava dirigindo-se precipuamente a jovens (1Pe 5.5-7).
Na primeira proposta do maligno, Jesus foi sugestionado a transformar pedras em pães, sob o pretexto de comprovar sua divindade e matar sua fome, já que estava em jejum há 40 dias. Jesus não aceitou tal proposta porque, em primeiro lugar, sabia muito bem quem era e, portanto, não precisava provar nada para si mesmo ou alguém. E, em segundo lugar, por mais que já estivesse bem perto do fim de seu jejum, este ainda não havia terminado. Ele deveria esperar um pouco mais para, então, finalmente, suprir uma necessidade absolutamente justa: alimentar-se.
Assim como aconteceu com o Mestre, vez por outra acontece conosco. Às vezes temos uma necessidade a ser suprida, algo absolutamente justo, coerente, mas tal suprimento só poderá acontecer depois de concluído o tempo estabelecido por Deus para a espera.
Comer pão é pecado? Não. Não há nada de errado em comer pão. É um desejo coerente e justo. Porém, não era hora de Jesus fazer milagre para comer pão. Mais à frente, quando foi preciso, Ele multiplicou pães e peixes. Note: quando foi preciso!
Em outras palavras, através de sua atitude diante da primeira tentação, Jesus estava nos ensinando o seguinte: Não atropele os limites. Não arrombe portas. Não cruze o sinal vermelho. Seu desejo é justo? Ok. Mas e o momento? Ele é próprio ou impróprio para seu desejo ser atendido?
Só atravesse as estradas da vida no sinal verde de Deus.

Não force as circunstâncias. Espere a porta se abrir. Aguarde a hora certa! Não transforme “pedras em pães” para provar que você é realmente isso ou aquilo. Não se prenda ao que os outros dizem que você é, e nem se conforme ao que você acha que você é. Escute o que Deus diz que você é e aja consoante a orientação dEle para sua vida!
A segunda proposta do Maligno a Jesus foi a de pular do pináculo do Templo de Jerusalém, sob o pretexto de que anjos o socorreriam, amortecendo a sua queda. Ora, a idéia era tentadora demais. Havia uma multidão de circunstantes em volta do Templo, e se ela visse Jesus levitando, descendo suavemente, quebrando a Lei da Gravidade, se prostraria aos Seus pés e se convenceria de que Ele era o que afirmasse ser. Jesus iria começar ainda o Seu ministério, e tal chegada “hollywoodiana” seria impactante o suficiente para que todos reconhecessem rapidamente a importância que nEle habitava.
Porém, o Mestre não aceitou tal sugestão, afirmando: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Mt 4.7). Ou seja, Ele estava dizendo, em primeiro lugar, que o Senhor promete proteger os Seus, mas isso não significa que por isso vamos ficar brincando com o perigo. E, em segundo lugar, na perspectiva do que falamos no parágrafo anterior, Jesus queria dizer também que Deus haveria de honrá-lo, mas não daquela maneira. Pular do pináculo do Templo seria forçar Deus a honrá-lo logo. É a tentação de querer forçar uma situação para que as pessoas nos observem como gostaríamos que fôssemos observados.
Quantas vezes não sofremos essa tentação! Ela pode ser vista quando alguém quer ser, a todo custo, o alvo de todas as atenções de seus amigos, de algum grupo específico ou da sociedade como um todo. E quando não é percebido, em vez de confiar no Senhor e esperar o momento certo de Deus honrá-lo, resolve “pular do pináculo do Templo”, por assim dizer; decide precipitar-se. Ele faz tudo o que for possível, até mesmo uma loucura, para ter finalmente os holofotes sobre si. E quanto mais louco for o ato, melhor para chamar a atenção. É como uma criança ou adolescente que pratica algum ato contumaz de rebeldia ou passa a ter um comportamento irritante apenas para chamar a atenção de seus pais ou de seus amigos.
Se você sente-se tentado dessa maneira, lembre-se que isso é tolice. Não vai ser dessa maneira teimosa que você vai conseguir a atenção corretamente. Você não deve ser visto como um problema. É assim que o Inimigo de nossas almas quer que você seja visto pelos outros. Deus, ao contrário, quer que você seja uma bênção! “E tu serás uma bênção” (Gn 12.2).
Por fim, o Diabo ainda propôs a Jesus um caminho mais curto e “seguro” para conquistar o mundo para o Seu Reino: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4.9). Ele estava propondo um atalho sem cruz, e exigia algo absolutamente inaceitável para isso: prostrar-se ante ele. Jesus respondeu: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a Ele servirás” (Mt 4.10).
Essa é a tentação do “jeitinho”. Os fins não justificam os meios. Não negocie princípios e valores para chegar mais facilmente a um objetivo. Fique à vontade na vontade de Deus, por mais que isso signifique às vezes suportar uma cruz pesada. Lembre-se que depois da cruz vem a ressurreição, a ascensão e a glória. O melhor está no fim! A vitória está na fidelidade (Hc 2.4).
Por fim, se queremos vencer esse tipo de tentação, temos que observar mais duas coisas marcantes em Jesus nesse episódio: Ele só venceu o Maligno porque estava em oração e guardara a Palavra de Deus em seu coração. Palavra e oração: a vitória está aí.
Seja orientado pela Palavra e se fortaleça tanto na oração quanto na Palavra, e você vencerá todas as ciladas do Inimigo, em nome de Jesus!

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Cinco critérios básicos para identificar um teólogo liberal nos dias de hoje (e que cabem, alguns deles, também na identificação de outros desvios)

(A bela charge que abre este artigo é uma obra do meu amigo Flamir Ambrósio. Ela foi publicada originalmente em edição recente do jornal Mensageiro da Paz)
Há muitas formas de identificar teólogos liberais nos dias de hoje, mas gostaria de frisar apenas cinco critérios que acho essenciais para essa identificação (acrescentando que alguns deles também cabem em outros tipos de desvios doutrinários além do liberalismo teológico).
1) Um teólogo liberal vez por outra confunde doutrinas bíblicas com opiniões pessoais e trata doutrinas fundamentais da mesma forma que são tratadas as doutrinas secundárias. Ele ou não enxerga ou despreza essa diferença entre as doutrinas bíblicas. Por quê? Devido à sua obsessão que o cega. Mas que obsessão? Veja o ponto seguinte.
2) Um teólogo liberal sempre está em busca de uma “revolução teológica”, do ineditismo, chegando ao ponto de ultrapassar limites bíblicos claros em busca desse "ineditismo revolucionário", quando o que as igrejas precisam mesmo é de um resgate da verdadeira Teologia.
Não é preciso abrir novos poços, os que já temos são suficientes. E únicos. Basta desentulhá-los para voltarem a jorrar e saciar a sede. A Bíblia diz que quando Isaque estava sem água, não abriu novos poços, mas apenas desentulhou os poços que seu pai Abraão abrira no passado. Se tentarmos abrir novos poços, teremos que fazê-lo longe daqui, isto é, longe do terreno bíblico, e essa é uma atitude tresloucada, porque é apoiado sobre as Sagradas Escrituras que deve viver o cristão. E além disso, os poços abertos fora do terreno bíblico, quando dão água (quando dão!), são águas turvas, águas que contaminam e matam.
Para ser um teólogo relevante não é preciso "inventar a roda", procurar obsessivamente a originalidade, produzir uma nova teologia mesmo que esta choque-se frontalmente com a Palavra de Deus. É preciso, sim, voltar-se para as cisternas da Palavra, desentulhá-las (quando os inimigos se levantarem para estorvá-las), beber de suas águas cristalinas e dá-las ao povo.
3) Um teólogo liberal, ao tentar podar as pontas de um galho (ou sob o falso pretexto de fazê-lo) acaba cortando todo o galho. Às vezes, o galho está precisando ser podado mesmo. Em alguns momentos, há pontos que necessitam realmente ser aparados doutrinariamente. Porém, sob o falso pretexto de fazer isso ou em um arroubo cego, o teólogo liberal corta tudo fora, vai além da conta, joga fora o essencial junto com o pernicioso. Joga fora a água suja da bacia juntamente com o bebê.
4) Um teólogo liberal coloca a filosofia acima da Palavra de Deus. Entenda que não estamos dizendo aqui que a razão é um obstáculo à crença ou que a razão e a fé se opõem uma à outra. A fé, de acordo com a Bíblia, é um ato de pensar e, como já disse alguém, todo problema de quem tem uma fé pequena consiste exatamente em não pensar.
Quem opta por uma espiritualidade que despreza a razão termina por ou esmorecer na fé ou desaguar em sandices, bizarrias, loucuras.
De maneira alguma devemos pensar que a fé é algo meramente místico, divorciado da razão. A Bíblia está repleta de lógica. O culto a Deus, por exemplo, diz a Bíblia, deve ser “racional” (Rm 12.1,2). E como bem definiu C. S. Lewis, “a fé é a arte de admitir as coisas que a razão já aprovou, apesar da mudança de ânimo”.
Em Isaías 1.18, Deus assevera claramente que a razão é importante para Ele e para a fé, pois conclama Seu povo a “arrazoar” com Ele, isto é, pensar e argumentar com Ele. Conversar com Deus exige o ato de pensar. Enquanto a meditação oriental prega o esvaziamento da mente, a meditação bíblica, muito pelo contrário, consiste numa reflexão séria sobre o que o texto bíblico está falando conosco.
Portanto, fé e razão não são opostas.
Porém, à luz da Bíblia, aprendemos também que a fé muitas vezes ultrapassa a razão. Ela não a deprime, mas ultrapassa-a. Isso porque, como criaturas que somos, nunca podemos compreender perfeitamente as coisas espirituais, a não ser por fé. Por isso, quando a razão resolve sair de seu lugar e entrar numa esfera que não é sua, quando ela tenta suplantar a fé, acaba virando loucura. A razão só pode alçar altos vôos com segurança se atrelada à carruagem da fé.
A verdadeira fé nunca despreza, oprime ou esmaga a razão; ela eleva a razão a vôos muito maiores. Se a razão se rebela diante da verdadeira fé, ela se auto-destrói afogando-se na multidão de argumentos de seu narcisismo. A razão humana, por si mesma, nunca sondará o insondável. Ela só poderá tanger um pouco do insondável pelo auxílio do Espírito Santo, que só opera onde há a fé verdadeira.
Aliás, é importante frisar aqui que, quando refiro-me à fé ou à verdadeira fé em todo esse texto, obviamente não estou falando de fé no sentido genérico, mas de fé bíblica, fé que tem por base as Sagradas Escrituras. Essa é a fé verdadeira.
A Bíblia alerta-nos para o perigo de colocarmos a filosofia acima das Escrituras, isto é, de pensarmos que a razão por si mesma é o suficiente para tudo, que a razão não precisa da fé. Repito: a razão, sem a verdadeira fé, torna-se loucura e, por isso, embriagada em sua sandice, interpreta a fé como loucura, acha que ela é que é loucura. Está escrito: “Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio” (1Co 3.18). A expressão “louco” aqui significa não confiar totalmente e acima de tudo na filosofia, e não desprezar a verdadeira fé. Um teólogo liberal sempre é alguém que faz exatamente o contrário.
5) Finalmente, um teólogo liberal sempre invoca um discurso piedoso como justificativa para seu erro. Ele consegue achar normal justificar um erro doutrinário crasso usando o manto de uma falsa piedade e de um falso amor. Ele tenta desonestamente colocar o amor em oposição à doutrina bíblica, fazendo com que seus seguidores não percebam a loucura que estão fazendo, já que não existe verdadeiro e pleno amor onde há desprezo à Palavra de Deus.
Isso é uma estratégia antiga. Paulo já dizia que alguns em sua época ensinavam heresias, mas, mesmo assim, eram considerados corretos por alguns incautos, tudo porque portavam uma aparência de piedade. “Ninguém vos domine a seu bel-prazer, com pretexto de humildade (...) estando debalde inchado na sua carnal compreensão” (Cl 2.18).
A única diferença daqueles falsos mestres da época paulina para os teólogos liberais de hoje é apenas o tipo de bizarria doutrinária. A estratégia, contudo, é a mesma.
Como vemos, não há mesmo nada novo debaixo do sol. Já dizia Salomão.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A Parábola da Grande Montanha

Era uma vez um grupo de alpinistas cujo objetivo era escalar a Grande Montanha. Esses alpinistas, porém, queriam fazê-lo de forma diferente dos demais. Ora, até aquele dia, todos os que tinham conseguido escalar com segurança a Montanha, chegando ao seu cume, tinham seguido um manual escrito por várias antigos alpinistas que, depois de suas longas experiências com a Montanha, foram orientados por Ela (sim, a Montanha) a descreverem-na para a posteridade por meio desse Manual. Essas orientações colocadas no Manual foram ditadas pela própria Montanha àqueles primeiros alpinistas, porque Ela queria ser escalada por todos os alpinistas e então explicou com prazer como fazê-lo com segurança. Mas não revelou tudo sobre si mesma. Só o essencial para a escalada segura.
Assim, os primeiros alpinistas registraram apenas os detalhes suficientes para qualquer outro alpinista que viesse depois deles pudesse conhecer bem a Grande Montanha o suficiente para escalá-la sem problemas. Todos que seguiam o Manual se maravilhavam como ele era preciso e, ao segui-lo à risca, no meio da trajetória, tinham suas próprias experiências com a Grande Montanha, decorrentes da obediência às orientações do Manual. Alguns destes resolveram depois até escrever sobre o Manual, dizendo o quanto ele era perfeito e indicando os pontos favoritos deles no Manual, bem como aqueles pontos que consideravam de grande importância. Escreveram seus guias do Manual. Porém, esses alpinistas faziam questão de frisar que seus livros eram só um auxílio para as pessoas que queriam estudar o Manual, e que o mais importante mesmo era as pessoas estudarem o Manual e seguirem-no ao pé da letra em sua escalada.
Além disso, apesar de para uns alguns pontos favoritos não serem os mesmos para outros, e alguns pontos considerados importantes não o serem para todos, todos que seguiam o Manual eram de comum acordo de que (1) o Manual era perfeito e que (2) havia alguns pontos bem específicos do Manual que eram, sem dúvida, fundamentais, indispensáveis, os mais importantes de todos os pontos do Manual. Com esses pontos específicos, todos concordavam, todos eram de comum acordo. Ao ponto de dizerem que, se esses pontos não fossem observados pelos alpinistas, poderiam levá-los a um desastre. Aliás, isso era até muito fácil de entender, já que no próprio Manual havia essa orientação sobre a importância e a indispensabilidade desses pontos específicos.
Porém, os alpinistas novos não levaram a sério essa recomendação e começaram a escalada desprezando muitos pontos fundamentais do Manual, valorizando só aqueles que lhes pareciam importantes. E alguns deles nem se importavam mesmo com o Manual. Diziam que o mais importante era curtir a escalada sem se importar com as regras do Manual de escalada, mesmo que o próprio Manual dissesse que havia pontos dele que não poderiam ser desprezados, pois eram orientações fundamentais deixadas pela própria Montanha. Alguns desses novos alpinistas chegaram até a propor uma revisão na interpretação sobre quais pontos seriam mesmo os mais fundamentais. E se alguém lhes alertava do perigo de fazerem isso, diziam que essas pessoas estavam influenciadas pelo que diziam os livros sobre o Manual que haviam sido escritos.
Entretanto, no final das contas, aqueles novos alpinistas se perderam na escalada. Mesmo assim, orgulhosos, alguns deles propuseram a seguinte explicação: "Na verdade, quem disse que esse não é o caminho certo para o cume da Grande Montanha?" Ao que alguém replicou: "Mas pelo Manual não parece ser?" Ao que responderam: "E quem disse que os alpinistas que escreveram esse Manual entenderam direito quando a Grande Montanha disse como era o Seu cume e como chegar a ele? Eles podem ter se confundido. Deve haver contradições no Manual, já que quem o escreveu foram alpinistas diferentes em épocas diferentes que puderam ter entendido as palavras da Grande Montanha de forma diferente. As únicas coisas que o Manual diz do qual podemos estar seguros é que isto é mesmo a Grande Montanha e ela tem um cume. Só isso. No mais, é curtir a escalada sem ficar muito preso a interpretações literalistas acerca do que diz o Manual sobre o caminho para o cume. E mesmo que isso aqui não seja o caminho certo para o cume, tenho certeza de que ainda estamos em direção a ele e já já chegaremos ao cume".
E todos ficaram à vontade naquele lugar pensando que estavam no caminho certo para o cume ou, pelo menos, a meio caminho para achá-lo. Alguns alpinistas que passavam por perto dali até alertaram aqueles alpinistas "muito inteligentes" que desprezavam os que eram literalistas no entendimento do Manual. Porém, aqueles alpinistas "muito inteligentes" não deram bola para eles.
"O quê? Isso aqui não é o caminho para o cume nem a direção certa para ele? Que nada! Quem disse que estamos errados? O Manual? Vocês é que ficam muito presos a uma interpretação literalista do Manual. Estão influenciados por esses livros sobre o Manual que escreveram tempos atrás. Lembrem-se que esses guias discordam entre si em alguns pontos! Nada garante que vocês estão certos. Além do mais, estamos bem aqui!"
Alguém até explicou: "Mas todos que conhecem o Manual concordam que vocês estão no caminho errado. Isso porque trata-se de um erro fundamental, não de pontos secundários do Manual. Aliás, leiam o Manual! Ele é claro quanto a isso. Por exemplo, no capítulo..."
"Não! Não me venha com essa! Nós conhecemos bem o Manual! Continuem seus caminhos e deixem a gente curtir a escalada do jeito que a gente bem entende."
E por ali ficaram. Até quando, ainda não se sabe.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Conheça as frágeis justificativas de Greg Boyd (um dos maiores defensores do Teísmo Aberto) para tentar sustentar seus erros doutrinários nos EUA

O texto que analisamos a seguir foi preparado anos atrás pelo pastor e teólogo Gregory Boyd, defensor do Teísmo Aberto, por ocasião de uma Conferência Geral Batista nos EUA, quando foi questionado sobre seus ensinos. Naquela oportunidade, apesar da pressão dos batistas para que fosse excluído de sua denominação (exatamente por causa do TA), ele conseguiu permanecer nela. Mas viu a membresia da igreja a qual dirigia diminuir quase 25% depois de denunciadas suas heresias. Veja as respostas dele às objeções que lhe foram feitas naquela conferência e nossa análise sobre cada uma das respostas de Boyd (sua defesa foi traduzida por Paulo César Antunes e pode ser encontrada também no site www.arminianismo.com).
Objeção 1: A visão aberta mina a onisciência de Deus
Eu afirmo (porque a Escritura ensina) que Deus absolutamente conhece todas as coisas. Não há nenhuma diferença em meu entendimento da onisciência de Deus e do de qualquer outro teólogo ortodoxo, mas eu defendo que parte da realidade que Deus perfeitamente conhece consiste de possibilidades assim como de realidades. A diferença está em nosso entendimento da natureza do futuro, não em nosso entendimento da onisciência de Deus.
Análise: Boyd afirma que Deus conhece absolutamente todas as coisas. Porém, o que diz a seguir contradiz absolutamente sua primeira afirmação. A partir do momento que ele afirma que o futuro que Deus conhece consiste não só de realidades, mas também de possibilidades, ele está dizendo que Deus não sabe de tudo.
Diz Boyd que há coisas no futuro que para Deus são apenas possibilidades, o que significa que Deus não saberia exatamente onde essas determinadas coisas vão dar. Ele as descobriria aos poucos (o que o TA chama, numa tentativa tresloucada de tentar mostrar que ainda crêem na onisciência divina, de “onisciência em movimento”; tal “onisciência” está em contraposição à verdadeira onisciência, que o TA chama de “estática”). Para Boyd, Deus teria que esperar para ver o que realmente vai acontecer em alguns casos específicos. Porém, não é isso que a Bíblia ensina (e mais à frente vamos citar textos que mostram claramente isso). Antes, porém, detenhamo-nos um pouco mais na fragilidade dessa afirmação de Boyd.
Ao dizer que o problema não é a definição de onisciência, mas a definição de futuro, Boyd tenta camuflar sua descrença na onisciência de Deus. O problema mesmo dele é com a onisciência, mas, infelizmente, ele não é honesto para afirmar isso. Desonestamente, joga com as palavras para confundir os desatentos.
É simples: quando digo que para Deus o futuro está cheio de possibilidades (como acontece com o homem), já estou partindo do princípio de que Deus não é onisciente. Não posso mexer numa coisa sem deixar de afetar a outra. Na verdade, o que Boyd está dizendo é o seguinte absurdo: “Não estou dizendo que Deus não sabe de tudo; estou dizendo que nem todo o futuro é conhecido por Ele”. Ora, Boyd, se você está dizendo que todo o futuro não é conhecido por Deus, logo está dizendo que Deus não é onisciente!
Em alguns momentos, em seus livros e artigos, Boyd repete que acredita que Deus é onisciente e, ao mesmo tempo, diz que não acredita que “essa onisciência seja plena ou exaustiva”. Ora, o termo onisciente significa “aquele que sabe de tudo”. O prefixo “oni” determina plenitude e exaustão nesse conhecimento. Logo, dizer que alguém “não é plenamente onisciente” ou “não é exaustivamente onisciente” é dizer que esse alguém não é onisciente, porque se não é pleno, se não é exaustivo, não é “oni”. Então, é ilógico dizer “creio na onisciência divina” e ao mesmo tempo “não creio que essa onisciência seja exaustiva”. O pior de tudo é saber que há pessoas inteligentes que conseguem ler uma declaração absurda dessas sem notar o erro de lógica crasso que reside nela.
Bem, mas vamos aos textos bíblicos. Isaías 46.10 e Salmos 139.1-18 (especialmente os versículos 2 a 4) são os textos mais conhecidos dentre os que afirmam claramente a onisciência de Deus (o conhecimento exaustivo de Deus em relação a todas as coisas passadas, presentes e futuras), mas gostaria de destacar ainda Hebreus 4.13 e Salmos 31.15 e 147.5. O primeiro texto diz: “E não há criatura alguma encoberta diante dEle; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar”. Detalhe: o vocábulo usado no original grego nesta passagem e traduzido por “patentes” é o mesmo utilizado para descrever um lutador imobilizado pelo seu oponente. Ou seja, o termo traz a idéia também de submissão total. Logo, o que o escritor da Epístola aos Hebreus quis dizer mais profundamente é que todas as coisas e acontecimentos (futuros, passados e presentes) não são apenas totalmente conhecidos por Deus, mas também totalmente submissos a Ele. E isso é confirmado no segundo texto: “Os meus tempos [passado, presente e futuro] estão nas Tuas mãos” (Sl 31.15).
Portanto, os acontecimentos passados, presentes e futuros estão todos sob o controle divino; Ele os conhece e é Ele quem permitiu que os acontecimentos passados se tornassem realidade e permite que os acontecimentos presentes e futuros se tornem realidade. Logo, não há acontecimentos futuros que sejam hoje só possibilidades para Deus, mas todos os acontecimentos futuros são realidades já conhecidas por Ele, pois é Ele que os permite (dentro de Sua vontade absoluta ou permissiva).
Finalmente, o terceiro texto diz: “Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu conhecimento é INFINITO” (Sl 147.5). Ora, o futuro para nós é apenas um conjunto de possibilidades com só algumas certezas que temos por fé em Deus e na Sua Palavra. Mas para Deus, não. O Seu conhecimento é infinito!
O Senhor não manipula nossas decisões, mas Ele já sabe o que nós, pelo nosso livre arbítrio, decidiremos a seguir e administra nossas decisões livres conforme Sua vontade absoluta e Sua vontade permissiva. Ou seja, à luz da Bíblia, para Deus, o futuro já é todo realidade, não meio-realidade e meio-possibilidade.
Objeção 2: A visão aberta mina a onipotência de Deus
Eu afirmo (porque a Escritura ensina) que Deus é onipotente. Ele é o Criador de todas as coisas e por isso todo poder deriva dele. Como todos os arminianos, eu também defendo que Deus limita o exercício de seu próprio poder para conceder livre-arbítrio àqueles que ele criou à sua própria imagem.
Análise: Em primeiro lugar, Deus não é todo-poderoso simplesmente porque todo poder deriva dEle. Pela lógica que Boyd sugere, Deus não seria na verdade todo-poderoso ao pé da letra; Ele seria apenas a fonte dos poderes que existem. Dizer que Deus é “todo-poderoso” para Boyd significaria apenas isso. Porém, a Bíblia diz que Deus é todo-poderoso porque (1) tudo está sob o controle divino e (2) ninguém pode impedir Deus quando Ele deseja operar. Ninguém! É só ler Gênesis 17.1; Jó 42.2; Lucas 1.37; Isaías 43.13; 2Crônicas 20.6 e Daniel 4.35.
Em segundo lugar: Quem disse que o arminianismo afirma que o fato de Deus criar os seres humanos com livre arbítrio significa necessariamente que Deus limitou a Sua onipotência? É o velho hábito dos teístas abertos de tentarem camuflar seus erros colocando-os desonestamente na conta do arminianismo.
Para os arminianos, Deus é mesmo onipotente, Ele tem mesmo todo o poder. Deus não limita o Seu poder por causa do livre arbítrio humano. Se fosse o livre arbítrio que salvasse, alguém poderia dizer que Boyd está certo, mas quem salva é Deus. O homem não é salvo pelo seu livre arbítrio. Este apenas possibilita-o escolher ou não a salvação que só Deus poderá efetuar em sua vida (Mt 19.25,26). E se o homem não escolhe a salvação do Onipotente, ele se perde eternamente. A vontade de Deus, em nenhum momento, se submete ao livre arbítrio humano. Nem na oração isso acontece (1Jo 5.14). O ser humano, em seu livre arbítrio, é que deve escolher a vontade divina, se não, ao final, sofrerá as conseqüências de sua decisão e nada que o homem venha a fazer posteriormente poderá reverter isso. Será sofrimento eterno. Portanto, é errado ver o livre arbítrio como uma limitação da onipotência divina, posto que o homem, dentro do seu livre arbítrio, não pode mudar Deus e, se for contra Deus, sofrerá por isso.
Objeção 3: A visão aberta mina nossa confiança na capacidade de Deus para cumprir seus propósitos
Eu afirmo (porque a Escritura ensina) que Deus pode e garantiu tudo que quis sobre o futuro, visto ser ele onipotente. Eu também afirmo (porque a Escritura também ensina) que Deus nos criou com a capacidade para amar, e por isso nos capacitou a tomar decisões de algumas questões por nós mesmos. Dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Criador, parâmetros que garantem tudo que Deus quer garantir sobre o futuro, os humanos têm algum grau de auto-determinação. Isso significa que em relação ao destino dos indivíduos particulares as coisas podem não se mostrar como Deus deseja. Se negarmos isto, devemos aceitar que Deus na verdade deseja que algumas pessoas vão para o inferno. A Escritura nega isso (1Tm 2.4; 2Pe 3.9).
Análise: Aqui há uma meia verdade. Há a vontade absoluta de Deus e a vontade permissiva de Deus, e dentro desta última o ser humano pode tomar decisões particulares. Aí tudo bem. Os problemas estão apenas em dois pontos.
Primeiro, no fato de que a concepção de Deus do Teísmo Aberto – que apresenta Deus como não sendo onipotente (não tem todo o poder) nem onisciente (não sabe de tudo) – afeta mesmo a garantia de que Deus cumprirá tudo que diz. E o argumento que Boyd usa para dizer que isso não é verdade simplesmente não tem nada a ver com o assunto. A capacidade que Deus dá aos homens de tomarem decisões particulares não significa limitação no poder de Deus. Isso porque essas decisões particulares, fruto do livre arbítrio, não são realizadas fora da vontade de Deus, mesmo aquelas decisões que ofendem a santidade divina. Elas são realizadas dentro da vontade permissiva de Deus. Logo, Deus está no controle, Ele administra essas ações. Ele não as provocou (no caso das decisões pecaminosas), não as incentivou, não se agrada delas, mas Ele soberanamente as administra. Essas ações livres do homem não limitaram Seu poder porque estão todas elas sujeitas ao Seu poder e cada uma delas terá sua recompensa segundo o Seu poder.
Por sua vez, o segundo problema está na confusão que Boyd faz entre o desejo de Deus que todos se salvem e a onipotência divina.
O fato de o ser humano ter o livre arbítrio para rejeitar a salvação oferecida por Deus não significa que Deus, portanto, não teve o poder para salvar o ser humano (logo, Ele não seria onipotente ou, como dizem os teístas abertos, cometendo um erro de lógica, “não seria plenamente onipotente” [ora, se não é pleno já não é “oni”]). Deus pôde e pode salvar, o ser humano é que muitas vezes não quer a salvação divina e sofrerá por isso. A onipotência divina não é afetada (ou “limitada”, como dizem os teístas abertos) pelo livre arbítrio quando o ser humano recusa Deus. Ao pensar o contrário, os adeptos do Teísmo Aberto, que se dizem tão arminianos, estão usando, na verdade, uma lógica calvinista.
Muitos calvinistas argumentam exatamente assim: “Se o ser humano pode resistir, logo você está dizendo que Deus não tem o poder de salvar”. Porém, na verdade, porque o livre arbítrio permite ao homem recusar a salvação, isso não significa que o livre arbítrio implica na limitação do poder de Deus. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas o que os teístas abertos dizem é o mesmo que muitos calvinistas afirmam: que tem a ver sim. Sendo que, no caso dos calvinistas, ao criarem esse problema claramente desnecessário, eles o eliminam dizendo que o livre arbítrio simplesmente não existe, que o livre arbítrio é um “escravo”, e que o que existe mesmo é apenas uma “livre agência” que Deus deu ao homem. Já os teístas abertos resolvem o “problema” criando um verdadeiro PROBLEMA, diminuindo os atributos de Deus, diminuindo Deus, chocando-se frontalmente com a doutrina bíblica; enfim, fazendo com que Deus deixe de ser Deus.
Objeção 4: A visão aberta mina a perfeição de Deus
Eu afirmo (porque a Escritura ensina) a absoluta perfeição de Deus. Eu não vejo, entretanto, que a Escritura ensina que o futuro deve ser predeterminado, ou na mente de Deus ou em sua vontade, para Deus ser perfeito. Antes, creio que a perfeição de Deus é mais exaltada quando o entendemos ser tão transcendente em seu poder a ponto de genuinamente conceder livre-arbítrio aos agentes moralmente responsáveis.
Análise: Ora, esse é outro dos tremendos assaltos à lógica que o Teísmo Aberto pratica. O que faz Deus ser Deus, perfeito, são justamente seus atributos, que são únicos e O distinguem de todos os outros seres. Se Deus não é mais onipotente e onisciente, logo Ele não é mais perfeito. Além disso, outra vez Boyd, desonestamente, tenta vincular o Teísmo Aberto ao genuíno arminianismo, ao dizer que Deus, ao conceder o livre arbítrio, estava automaticamente limitando Seu poder e limitando Seu conhecimento. Como já vimos, o livre arbítrio do homem não implica nem em uma coisa nem em outra.
Objeção 5: A visão aberta mina a força da oração
Eu afirmo (porque a Escritura ensina) que a oração petitória é nossa mais poderosa ferramenta para realizar a vontade do Pai “na terra como no céu.” Realmente, pelo fato de minha concepção permitir que o futuro seja um tanto aberto, creio que faz mais sentido por causa da urgência e eficácia que a Escritura atribui à oração.
Análise: O nosso relacionamento com Deus não muda Deus, não altera-o conforme nossa vontade. Para o Teísmo Aberto, as ações e orações do homem afetam Deus no sentido de fazer com que a vontade dEle seja alterada. Mas não é isso que a Bíblia diz. A oração, em nenhum momento, altera a vontade de Deus. Ela é que nos leva à vontade de Deus, quando oramos com nosso coração aberto, humilde e sinceros diante do Senhor. A Bíblia diz que Deus só atende à oração que é feita segundo a Sua vontade (1Jo 5.14). A oração não muda a vontade de Deus.
O texto que Boyd usa em seu favor vai exatamente contra seu ensinamento. Jesus, na Oração do Pai Nosso, ensinou que devemos orar para que seja feita a vontade de Deus na Terra “assim como no Céu” (Mt 6.10). Ou seja, Ele estava ensinando que a oração não é para que seja feita no Céu a nossa vontade na Terra, mas para que seja feita na Terra a vontade do Céu, a vontade de Deus. Um exemplo: 2Crônicas 7.14. Nessa passagem, está claro que quando nós mudamos, aceitando a vontade de Deus para nossas vidas, Deus nos abençoa. Não é Deus que muda Seu comportamento em nosso favor, nós é que mudamos nosso comportamento em relação a Ele, nos convertemos a Ele, buscamos a Sua presença, e então Ele, que sempre quer nos abençoar, nos abençoa. Por isso costumo dizer que Deus está mais interessado em nos abençoar do que nós em sermos abençoados por Ele. A questão é nosso comportamento, não Deus.
Objeção 6: A visão aberta não pode explicar a profecia bíblica
Eu afirmo (porque a Escritura ensina) que Deus pode e determina e prevê o futuro sempre que for adequado aos seus soberanos propósitos agir assim. Mas eu nego que isto logicamente requer, ou que a Escritura ensina, que o futuro seja exaustivamente determinado. Deus é sábio o suficiente para ser capaz de cumprir seus propósitos enquanto concede às suas criaturas um grau significativo de liberdade.
Análise: Sobre a primeira parte dessa afirmação, a verdade é que o futuro pode não ser exaustivamente determinado, mas é exaustivamente conhecido por Deus, e todas as livres ações dos seres humanos que Deus permite pela Sua vontade são administradas por Ele para que não firam seus propósitos eternos.
Quanto à segunda parte da afirmação de Boyd, já falamos mais acima sobre a falácia do argumento que encontramos aqui. A liberdade de escolha do homem não tem nada a ver com limitação de poder ou de conhecimento de Deus.
Objeção 7: A visão aberta é incoerente
Alguns argumentam que é logicamente impossível para Deus garantir aspectos do futuro sem controlar tudo sobre o futuro. Esta objeção tem sido levantada pelos calvinistas contra os arminianos por séculos e não é mais poderosa contra a visão aberta do que contra os arminianos clássicos. Tudo na vida, da nossa experiência pessoal às partículas quânticas, aponta para a verdade de que o eqüilíbrio previsível não exclui um elemento de imprevisibilidade.
Análise: Já falamos sobre a falácia desse argumento também. Pelo menos aqui Boyd, de passagem, assume que o Teísmo Aberto não tem nada a ver com o verdadeiro arminianismo, cuja única coisa que tem a ver com essa história toda é ter o desgosto de ver que o TA surgiu em seu meio. O TA não é arminianismo. É distorção do verdadeiro arminianismo.
Só um detalhe: Deus controla tudo sobre o futuro? Sim. Tanto os calvinistas quanto os arminianos concordam com essa afirmação, sendo que a interpretam de forma diferente; já o Teísmo Aberto não concorda com essa afirmação. Mas, à luz da Bíblia, Deus administra as ações livres dos seres humanos.
Quanto a essa história de relacionar física quântica com a Bíblia, brevemente estarei escrevendo sobre esse assunto. Aguardem.
Objeção 8: A Escritura usada para apoiar a visão aberta pode ser interpretada como antropomorfismos fenomenológicos
Esta declara que estas passagens são uma maneira humana de falar sobre coisas que parecem ser não como elas verdadeiramente são. Entretanto, nada no contexto destas Escrituras, cobrindo uma variedade de públicos, autores e contextos, sugere que sejam. Não há nenhuma razão para ler nestas descrições das ações de Deus qualquer coisa diferente da que sua mais natural explicação. Como podem relatos sobre o que Deus estava imaginando ser fenomenológicos (Jr 3.6,7; Jr 19-20; Êx 33.17)? E do que eles seriam considerados como antropomórficos?
Análise: O “arrependimento” de Deus trata-se, sim, de uma linguagem antropomórfica para explicar a relação de Deus com o homem. Não significa dizer que Deus é como o homem. A própria Bíblia nega isso contundentemente (Nm 23.19). O antropomorfismo é um recurso lingüístico milenar que foi usado não só na Bíblia. Inclusive, nas Sagradas Escrituras encontramos muitos outros recursos lingüísticos antiqüíssimos. Desprezar esse fato é forçar uma contradição na Bíblia (compare 1Samuel 15.10,11 com 15.39, por exemplo). É claro o uso desse recurso nas Sagradas Escrituras. Não se trata de um critério usado ao bel prazer, só em algumas passagens, para atender ao gosto do intérprete da Bíblia (como dizem Boyd e outros). Não perceber esse recurso claro no texto bíblico não só é desonesto como força uma interpretação de Deus que choca-se frontalmente com todo o resto do que a Bíblia diz sobre Ele.
Arrependimento significa “mudança de atitude”. Ora, quando a Bíblia diz, em linguagem antropomórfica, que “Deus se arrependeu”, está afirmando, portanto, que Ele, por causa de nossa mudança de atitude diante dEle, mudou Sua ação sobre nós, não Sua vontade.
Deus não muda. Ele continua sendo o que sempre disse que era. Nós é que muitas vezes deixamos de ser ou fazer e, à medida que mudamos, Sua ação sobre nós também muda. Não Sua vontade. Deus está sempre no mesmo lugar, nós é que nem sempre estamos no mesmo lugar onde Ele está (Sua vontade). Ele não muda, nós é que mudamos e sofremos as conseqüências naturais disso. Suas ações mudam na medida em que nós saímos do lugar em que Deus sempre esteve e nunca vai sair (Ml 3.6). E os textos que Boyd cita não contradizem isso. No último texto bíblico citado, lembremos que todas as orações de Moisés que Deus atendeu foram dentro da Sua vontade, não contra a Sua vontade.
Objeção 9: A visão aberta diminui a soberania de Deus
Pelo contrário, ela exalta a soberania de Deus. Após descrever um iminente julgamento, o profeta Joel afirma, “Ainda assim, agora mesmo diz o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, e com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal. Quem sabe se não se voltará e se arrependerá, e deixará após si uma bênção...” (Jl 2.12-14).
Análise: Bem, já vimos que não exalta. Pelo contrário, diminui Deus. E o texto que Boyd cita não o ajuda. A interpretação desse texto é clara e pode ser feita facilmente à luz do que já explicamos principalmente nas análises às respostas dele às objeções 5 e 8.
Como vemos, os argumentos de Boyd são um exemplo clássico de como um discurso envernizado e com tom piedoso pode esconder terríveis erros doutrinários e de lógica que só enganam os mais desatentos. Sejamos como os bereanos (At 17.11).