A próxima edição do jornal Mensageiro da Paz traz matérias e artigos especiais sobre o sucesso da Conferência Pentecostal na Região Centro-Oeste, os primeiros e muitos frutos do Projeto Minha Esperança Brasil, o que há de positivo e negativo na eleição de Obama à presidência dos EUA, uma reflexão sobre a crise econômica à luz da cosmovisão cristã, descobertas arqueológicas que mais uma vez corroboram aos céticos a veracidade da narrativa bíblica, além de matérias sobre os principais eventos denominacionais no país.
A revista Obreiro, por sua vez, a partir de sua edição do primeiro trimestre de 2009, que começa a circular já agora, no início de dezembro, passa a ser toda temática, e o tema de estréia desse novo formato da revista é A Bíblia é a Palavra de Deus. Abordando o assunto, temos artigos do saudoso Carl Henry, James Iann Packer, Antonio Gilberto, Esequias Soares, José Gonçalves, Claudionor de Andrade etc. Imperdível.
Lembrando ainda que semana que vem estaremos postando novo artigo, abordando um tema proposto por um dos leitores deste blog: "A questão da vingança à luz da Bíblia".
Abraços a todos!
16 comentários:
Pr. Silas,
Recorro à sua capacidade crítica para analisar o texto abaixo: A Bíblia é Babel.
Gostaria de expressar meu contentamento o tema do Mensageiro da Paz - A Bíblia é a Palavra de Deus. Porque parece que até muitos "ortodoxos" estão surfando nas ondas do liberalismo e dos modismos do nosso tempo.
SEGUE O TEXTO MENCIONADO:
Terça-feira, Novembro 18, 2008
A Bíblia é Babel
Fonte: www.tei-c.org
A Bíblia não pode estar acima da vida. A maior autoridade na vida é a vivência mesma e não o texto sagrado da religião. O que contraria um pilar da tradição evangélica. Proponho inverter a afirmação tradicional. A vida é a maior autoridade sobre a Bíblia.
A hermenêutica evangélica da Bíblia hierarquiza o texto sagrado dividindo-o em patamares de estilo e valor: o texto normativo e o narrativo. Por ser uma escrita escorregadia, marcada pelas singularidades e obscuridades das experiências humanas, o texto narrativo precisa ser iluminado pelo texto normativo, aquele que discorre sobre Deus e doutrina a vida do crente. Sendo assim, grande parte dos evangelhos e do Livro dos Atos dos Apóstolos careceria ser interpretada com o auxílio preciso das Cartas Apostólicas. Também se sujeitariam a estes os poéticos e apocalípticos. Afinal de contas, o que fazer com o sorteio que define a vontade de Deus para a substituição no colégio apostólico, ou com a quantidade exorbitante de vinho providenciada pelo festeiro Nazareno transformando água em vinho? Os narrativos escandalizam, os normativos devolvem a ordem.
Esta compreensão hierarquizada da Bíblia já é uma “ginástica” conceitual para administrar a violência imposta à vida humana ao submetê-la a uma autoridade carente de dinamismo, à força fria do que está escrito. Os textos narrativos, maioria sugestiva da Bíblia, são repletos de ambigüidades, contradições, tensões, becos sem saída e imprecisões, porque são o retrato da vida de homens e mulheres que experimentaram Deus em épocas e culturas próprias. Da mesma forma que o discurso religioso quer sujeitar a vida ao texto bíblico, sua hermenêutica obriga-se a calar a polifonia irresistível dos textos narrativos com a mordaça dos chamados textos normativos.
Como se já não bastasse a hercúlea tarefa de arranjar a “Bíblia” de forma a maquiar suas imprecisões textuais e sua distância cultural em relação ao leitor, impõe-se ao crente arranjar sua vida de forma a encaixá-la na moldura das Escrituras, ou pelo menos dar esta impressão. Entenda o enquadramento da vida pelas Escrituras pelo que delas se compreende e se institui como fiel interpretação. Assunto com que já nos ocupamos em textos anteriores a este.
Acredito que precisamos ampliar o alcance da doutrina cristã da encarnação. O Deus que se fez gente deveria ser a mais importante chave de compreensão da Bíblia. Sendo assim, podemos entender o gesto de se esvaziar da condição acima da vida para assumir a condição humana de viver como a rendição de Deus à única realidade em que o que diz à humanidade pode fazer sentido, na vivência.
A Palavra de Deus se enche de sentido no Verbo Encarnado. O Verbo Vivo não mata a vida para se impor como doutrina. “O ladrão vem para roubar, matar e destruir”. Doutrina que não se vivencia assalta a vida. Mas a Palavra encarnada é a que vivencia radicalmente a existência humana e nela promove a vida intensamente. (Jo 10.10) O movimento divino de encarnação é um ato libertador. É negação de qualquer fala que se desconectou da vida para a sua afirmação redentora. Antes de dizer, desdizer.
Talvez por isso Jesus tenha usado com freqüência as locuções “Ouvistes o que foi dito aos antigos (…) eu, porém, vos digo que (…)” (Mt 5.22-44) Um Deus encarnado precisa dizer de novo. Reinterpretar o que sempre disse, pois fala de dentro da dinâmica existencial dos viventes. Fala com cheiro, com timbre, com cara, com batimentos cardíacos, com cultura e história, é a Raiz de Jessé, o Filho de Davi. Judeu nazareno oprimido pelos romanos. É provavelmente carpinteiro, certamente pobre. É filho de Maria, primo de João Batista. É “comilão e beberrão”. É rabi. É o filho do homem. É gente. Tem que desdizer e dizer de novo.
Acredito que foi por isso que Jesus suspendeu a prática do jejum em determinado momento, rito previsto e normatizado na Lei, negando qualquer sentido ao jejum na “presença do noivo” Como também colocou o Sábado a serviço da vida humana e a libertou de seu senhorio desastroso: o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. A vida é sagrada e não o mandamento do sábado. A Bíblia foi feita a partir da vida humana e não a vida humana a partir da Bíblia. A Bíblia sagra-se na vida.
Jesus re-significou a lei diante da mulher flagrada em adultério. A célebre pergunta “quem não tiver pecado atire a primeira pedra” seguida do perdão nada mais foi que a vida legislando sobre a Lei. Silenciou a opressão da palavra que acusa e condena e deu voz ao perdão e à esperança. Jesus é a vida se impondo sobre a letra. Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém te condenou? Tão pouco eu te condeno. Vá e abandone a vida de pecado.”
A grande pressão sofrida por Jesus, sua maior tentação, foi a de inverter a relação. Violentar a vida impondo sobre ela as regras vindas do alto. Ao que respondeu com uma metáfora. “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”. (Jo 12.24) Mesmo diante da morte previsível, Jesus se nega a jogar com outras regras que não as da vida. As únicas que poderiam produzir muito fruto. Regras acima da vida fariam a palavra de Jesus uma palavra solitária, sem sentido. A palavra encarnada na vida, inclusive na possibilidade previsível da morte, é solidária, é comunhão, são muitos frutos, tem muito sentido. O mundo é reconciliado com Deus apenas na palavra que frutifica no solo da existência humana.
É por isso que o pregador que vocifera promessas de milagre precisa deixar o púlpito e freqüentar os quartos de hospitais onde esperam pelo último suspiro centenas de enfermos. Gente que nunca experimentará a tal “fé” que produz milagres. Pela mesma razão lamento a dor, mas celebro a oportunidade de ter a companhia de pastores que experimentaram o fim do casamento. Eles sim têm o que dizer sobre a interpretação de textos bíblicos a respeito do divórcio e novo casamento. Festejo a globalização e o acesso em tempo real aos fatos do mundo, pois enquanto reclamamos de Deus um jeitinho para os nossos mínimos problemas somos também constrangidos pelos campos de refugiados em Darfur.
Não tenho dúvida de que essa necessidade de alçar o texto bíblico acima do mundo vivido é uma manobra de perpetuação de poder, ou seja, da religião instituída. Apenas a instituição teme a leveza da vida humana, sua imprevisibilidade a ameaça, seu descontrole a esvazia, sua circunstancialidade a relativiza. Por isso o texto precisa emoldurar a vida humana e confirmar a relevância da religião organizada. Não consigo parar de repetir que a Bíblia que se posiciona acima da vida é sempre a imposição de uma interpretação dela e nunca ela mesma.
A Bíblia em si mesma é a sabotagem divina à sistematização dos amantes do poder. A Bíblia é Babel. A confusão de línguas e histórias impedindo a divinização dos edifícios. Babel é a vida liberta por Deus das amarras hegemônicas dos poderosos. A Bíblia é Deus confundindo os esforços cartesianos de aprisionamento da verdade. A Bíblia é Deus libertando a vida das razões absolutizantes. A Bíblia é Deus babelizando os poderosos e espalhando a verdade por tantos viventes quantos haja. A Bíblia é tão narrativa quanto à vida. E tão desorganizada, imprevisível, imprecisa, surpreendente e contraditória quanto a vida de qualquer um de nós.
E é justamente porque a Bíblia se parece muito com a vida humana que tem muito e sempre o que dizer à humanidade. Sendo um livro essencialmente narrativo é Deus falando enquanto vivemos.
Gadamer fala da compreensão como um jogo. Um jogo dialógico e dinâmico. Como em um jogo, só se compreende bem algo, suas regras e funcionamento, a medida que é vivenciado. Aprendemos um jogo não quando lemos suas regras, mas quando o jogamos. Aí sua dinâmica é apreendida. Ninguém aprende a jogar a partir de uma manual de regras, mas a partir do jogo mesmo. Porque um jogo é muito mais que as regras de seu funcionamento. É intuição. Discernimento. Interpretação. Improviso. Imaginação. Só então as regras do jogo fazem algum sentido.
A Palavra de Deus também. Enquanto vivemos, a Bíblia pode ser compreendida na dinâmica do que experimentamos. O que diz só faz sentido a partir do que vivenciamos. O que acreditamos dizer a Bíblia como Palavra de Deus é apenas o que faz sentido na vida que experimentamos aqui e agora. O que cai no solo da existência humana e frutifica. O que promove e afirma a vida humana. “A letra mata, mas o Espírito vivifica”. Para a vida humana, com tantas vozes e imprevisível, uma Bíblia tão falante e tão surpreendente.
Elienai Cabral Junior
Pastor Silas Daniel,
A paz do SENHOR.
O Senhor publicou há um tempo um artigos acerca da eleição de nomes católicos como exemplos de espiritualidade sadia por parte de evangélicos. Dentre alguns nomes o senhor falou de Francisco de Assis de forma muito esclarecedora e imparcial. Não sei se vais publicar alguma coisa do tipo novamente, porém se for, eu solicitaria uma analise sobre Tomás de Aquino. Já vi alguns Evangélicos citando este Teólogo e queria saber um pouco mais sobre ele.
Um abraço,
Joabe.
A paz do Senhor! Sou um seguidor assíduo do seu blog, mas pela primeira vez estou fazendo um comentário. Parabéns pelo blog! Que Deus continue lhe abençoando. Sobre as revistas "Obreiro" e "Mensageiros da Paz", infelizmente, não é possível que eu adquira-as. Então, gostaria de saber se é possível eu ter acesso a alguma síntese desses tão maravilhosos periódicos.
Em Cristo,
André Gomes Quirino.
Caro "Anônimo",
O tema “A Bíblia é a Palavra de Deus” é realmente muito importante, só ressalto que ele está sendo abordado na revista “Obreiro”, edição de janeiro a março de 2009, e não no jornal “Mensageiro da Paz”. Essa edição de “Obreiro” a qual nos referimos, totalmente temática, traz oito artigos que abordam a história, a autoridade, a inerrância e a infalibilidade das Escrituras, nossa única regra de fé e prática.
Quanto ao texto “A Bíblia é Babel”, trata-se de um dentre muitos exemplos do neoliberalismo teológico em que alguns pensadores cristãos brasileiros, infelizmente, já embarcaram em nossos dias, embalados pela cultura da pós-modernidade que satura cada vez mais o ambiente à nossa volta, inclusive o teológico. Escrevi sobre o assunto em “A Sedução das Novas Teologias” (CPAD).
Note o ponto de partida da reflexão do artigo: a pressuposição de que sujeitar a vida à Bíblia é colocar a Bíblia em oposição à vida (só o inverso, segundo o articulista, seria certo); a crença de que é uma “violência imposta à vida humana” o ato de “submetê-la a uma autoridade carente de dinamismo, à força fria do que está escrito”, que seria o texto bíblico.
O princípio claro nesse raciocínio é justamente uma das afirmações da pós-modernidade: regrar a vida não é tão bom, mas, ao contrário, é, no máximo, uma espécie de mal suportável.
Na pós-modernidade, os termos “regras”, “normas” e “verdade absoluta” causam asco. O que está em alta é o “feeling”, o sentimento; ou seja, o coração é maior do que a razão e a experiência maior do que a verdade. Assim, na teologia pós-moderna, a experiência pessoal, o “feeling”, a vivência, “o que diz o coração”, “o que faz sentido para meu coração”, sempre são vistos como mais importantes e determinantes do que as normas, a verdade, as regras. E aqueles são tão importantes que não só podem como devem mudar estas quando necessário. Ou seja, as normas são estorvos, só existindo como males suportáveis ou males necessários.
Veja como o articulista compreende os textos normativos da Bíblia: eles são chamados por ele de “mordaças” que querem calar os textos narrativos. As experiências pessoais, mais uma vez, são vistas como maiores que as normas. É a experiência que determina o que é certo, e não o “texto frio do que está escrito”. Por isso o articulista afirma, por exemplo, que “quem tem o que dizer sobre a interpretação de textos bíblicos a respeito do divórcio e novo casamento”, quem pode interpretar corretamente esses textos, são só os pastores que passaram pelo divórcio e novo casamento. A experiência deles, seu “feeling”, é que vai determinar como devemos interpretar a norma bíblica, se ela deve ou não ser re-significada, se seu sentido deve ser alterado ou não. A minha experiência é, segundo ele, maior do que a norma bíblica.
Não é à toa que o articulista cita o filósofo da hermenêutica Hans-Georg Gadamer, aquele discípulo de Heiddeger que dizia que não devemos “procurar descobrir leis gerais, mas compreender cada fenômeno na sua concreção única e histórica”. Para ele, o que importa é a vivência, não as regras. O que vale é “intuição, discernimento, interpretação, improviso, imaginação. Só então as regras do jogo fazem algum sentido”. Nada mais pós-moderno e menos bíblico!
Na teologia da pós-modernidade e como afirma o articulista, “a maior autoridade na vida é a vivência mesma” e não a Verdade (ou, como ele diz, “o texto sagrado da religião”, isto é, a Bíblia). Ou seja, o “feeling” pessoal, a compreensão particular, a experiência pessoal, o discernimento individual, é que é a maior autoridade da vida e não o texto bíblico, que pode ser reinterpretado segundo a conveniência. Isto é, na teologia pós-moderna, ocorre o império do coração sobre a Verdade, que é reinterpretada conforme as “demandas do coração”. Nessa teologia, não é a Bíblia que determina como devemos viver, mas é o viver que determina nossa relação com a Bíblia; não é tão importante a intenção do autor bíblico, mas, sim, a minha necessidade. A Verdade não é inamovível; ela é construída, reinterpretada e adaptada conforme a conjuntura e a conveniência dos tempos. Dizendo de outra forma, é o politicamente correto de hoje que está determinando o que é a “Verdade” hoje.
Aliás, o articulista, como bom discípulo da pós-modernidade, no final do texto, ainda enfatiza sua ojeriza a todo tipo de sistematizações, a instituições organizadas (vistas todas como opressoras), a verdades absolutas e, bem ao estilo Foucalt, vê em todo discurso que fala de absolutos uma manipulação do outro, uma arma para exercer poder sobre o outro. Qualquer discurso que traga a idéia de verdade absoluta, para ele, é a imposição “das amarras hegemônicas dos poderosos”. A verdade, para ele, está no relativo. A verdade, para ser verdade, tem de ser relativa, fluida. O bom é Babel, confusão, nada claro, tudo cinzento, relativo, circunstancial, fluidificado. Viva Foucalt! Viva à pós-modernidade! Abaixo os grupos cristãos organizados que pregam verdades absolutas à luz da Bíblia, pois são todos opressores!
Em suma: Absolutos são opressões; Liberdade é sinônimo de relativização.
Mas, pior do que ver uma espécie de “luta de classes” (oprimidos versus opressores, enganados e enganadores) em todos os grupos organizados dentro do cristianismo que pregam verdades absolutas à luz da Bíblia, o articulista vai adiante e apresenta o resultado final de sua “luta de classes dentro das categorias de textos bíblicos” (os opressores textos normativos versus os oprimidos textos narrativos): a Bíblia, espoliada de suas “amarras” (os textos normativos), se tornará agora, finalmente, “algo que faz sentido”, que é... uma mera narrativa “desorganizada, imprevisível, imprecisa, surpreendente e contraditória”.
Ora, em primeiro lugar, os mandamentos bíblicos não são um estorvo à vida, mas uma bênção para a própria vida, um guia seguro para se desfrutar a vida plena e corretamente. Não procede essa oposição entre as normas bíblicas e a vida em abundância, como se fossem quase que mutuamente excludentes. Esta depende daquelas, que só podem ser encarnadas quando entregamos nossa vida a Jesus e permitimos que o Santo Espírito nos ajude a vivermos a Verdade. A Bíblia está repleta de passagens que realçam esse fato.
Além do mais, “ginástica” mesmo não é interpretar os textos narrativos comparando-os com os normativos, mas é tentar desvencilhar os textos narrativos dos normativos, como se esses não dependessem destes, como se precisássemos ler os narrativos divorciados dos normativos. Isso, sim, é “forçar a barra”, é criar mais do que uma suposta “hierarquia” ou “patamares” dentro da interpretação bíblica; é colocar esses supostos “patamares” um contra o outro. Ignora-se completamente que não há patamares ou hierarquias entre esses textos, mas os textos narrativos dependem dos normativos e estes daqueles; ignora-se que os dois se completam, que um não é a “mordaça” do outro.
Sobre as supostas contradições da Bíblia, dezenas de livros já foram escritos a respeito, revelando que o que existem mesmo são aparentes discrepâncias. Por exemplo: inúmeros são os casos de discrepâncias que, após descobertas arqueológicas, se mostraram, na verdade, serem textos exatos e fidedignos. Porém, algumas pessoas continuam lendo apenas livros seculares que vendem muito por atacarem a Bíblia, olvidando que nenhum dos argumentos apresentados nessas obras é novo, mas todos caducos, já rebatidos tantas e tantas vezes em outras obras que, por não serem contrárias a Bíblia, não ganham a mesma repercussão no meio secular. Aliás, como já disse alguém, uma das formas de vender bem no meio secular de hoje e sempre é escrever contra Jesus, a Bíblia, Deus, o Cristianismo etc. Isso dá ibope, mesmo que seus argumentos sejam velhos, reciclados. Revistas seculares (como “Superinteressante”) e livros recentes de críticos do cristianismo costumam apresentar determinados argumentos como se fossem “a descoberta da roda ou do fogo”, confiando na ignorância de seus leitores, quando, na verdade, tais argumentos tratam-se de argumentos do século 19 já rebatidos há quase cem anos ou, na melhor das hipóteses, de argumentos de 30, 40 anos, que já foram respondidos há décadas.
Outra coisa: Encarnar a Palavra não tem nada a ver com “não impor a doutrina à nossa vida”. Não! Encarnar a Palavra é justamente viver a Doutrina, é viver a Palavra, é encarnar os ensinos da Palavra de Deus. Viver a Palavra de Deus é encarná-la, e isso é vida com abundância!
E mais: Não é qualquer fala que se conecta à vida que torna-se uma afirmação redentora. Há falas que, conectadas à vida, encarnadas, matam; e há outras que, encarnadas, proporcionam vida em abundância. Não é o simples conectar-se à vida, mas o que está sendo conectado à vida que é o mais importante.
Outro tremendo erro: Jesus não veio para desdizer o Antigo Testamento. Jesus veio para cumpri-lo e, assim, dilatar a compreensão das verdades espirituais, fazendo com que o que era sombra fosse visto em sua inteireza agora. Ao dizer “...eu, porém, vos digo...”, Jesus não estava desdizendo o Antigo Testamento ou mudando a lei moral. Ele mesmo fez questão de deixar claro que não estava fazendo isso: “Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um desses mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus” (Mt 5.17-19).
Jesus veio para cumprir a lei e ampliar o seu entendimento. Jesus não mudou a lei moral de Deus; Ele a tornou mais clara, trouxe seus ouvintes para um nível maior de entendimento dela, para que a justiça deles excedesse a dos escribas e fariseus (Mt 5.20). Ele não destruiu uma escada para construir outra. Ele acrescentou mais degraus à escada que já existia, encetada pelo próprio Deus.
Paulo, inclusive, assevera que o texto do Antigo Testamento é normativo para nós hoje em Romanos 15.4, quando diz que “tudo que dantes foi escrito [isto é, no Antigo Testamento] para nosso ensino foi escrito”. O que foi escrito ali, no que concerne à lei moral, não foi desdito. Vale para hoje. O aspecto cerimonial, claro, não mais, pois era apenas tipo e símbolo de algo maior; mas o aspecto moral da lei permanece plenamente e foi encarnado por Jesus.
Também não procede que Jesus “suspendeu a prática do jejum em determinado momento, rito previsto e normatizado na Lei, negando qualquer sentido ao jejum na ‘presença do noivo’”. Não! O próprio Jesus jejuava e chamou a atenção dos seus discípulos por não jejuarem (Mc 9.29). Quando Jesus cita a parábola do noivo, está criticando o jejum ritualístico ou por formalidade religiosa, e não negando qualquer jejum enquanto Ele estivesse com eles naqueles cerca de três anos e meio de ministério. É só reler o contexto imediato dessas palavras de Jesus (Mt 9.14-17; Mc 2.18-22 e Lc 5.33-39).
Como já escrevi neste blog, pela lei, o jejum só era um dever no Dia da Expiação (Yom Kippur) e nos dias em que era proclamado publicamente. Porém, os fariseus iam além, jejuando duas vezes na semana, especificamente nas segundas e quintas-feiras, e alguns jejuavam até quatro vezes por semana. E ainda gostavam de demonstrar que estavam jejuando, só para aparecer, o que foi contundentemente criticado por Jesus (Mt 6.16-18). Os discípulos de João também jejuavam muitas vezes, aliando-se, nesse aspecto, aos fariseus. E por serem ascetas como eles, criticaram Jesus sobre Seus discípulos não jejuarem. Então, para responder aos discípulos de João, Jesus cita três parábolas. A primeira, a dos convidados para um casamento; a segunda, a do pano novo em vestido velho; e a terceira, a do vinho novo em odres velhos. Na primeira parábola, Ele afirma que não havia motivo para Seus discípulos estarem jejuando “muitas vezes” (Lc 5.33) naqueles dias, como os discípulos de João e os fariseus, porque, afinal, estavam com o Noivo. Poderiam eventual e voluntariamente jejuar (Mc 9.29), como até o próprio Jesus fazia, mas nada de jejum ritualístico ou por formalidade religiosa. Nada de ascetismo.
Jesus não condenava o jejum. Além de obedecer aos dias de jejum proclamados publicamente e ao do Yom Kippur, Ele também jejuava alguns dias voluntariamente, por decisão própria, como em Mateus 4.2. Agora, Jesus sempre foi contra o jejuar meramente religioso, ritualístico e por ascetismo.
Aliás, na segunda e na terceira parábolas, Jesus demonstra claramente isso, quando diz que, além de Seus discípulos estarem com o Noivo (o que justificava o não jejuarem sistematicamente), o Evangelho é incompatível com os vestidos velhos das tradições humanas, incompatível com os odres velhos do ritualismo do Judaísmo (e de qualquer outro tipo de ritualismo).
E o episódio de Jesus e a mulher adúltera de João 8 não é o Mestre re-significando a lei moral. Seria uma re-significação se o adultério ganhasse outro significado ali. Independente dos erros em todo o processo daquela mulher (lembremo-nos de João 18.31 e Deuteronômio 22.22-24, por exemplo), Jesus não minimizou o erro dela. Além de Jesus ter dito “Vai e não peques mais” àquela mulher, Ele também, ao dizer “Quem não tem pecado, atire a primeira pedra”, não estava dizendo que aquela mulher não era digna de morte, mas deixando claro que todos aqueles que a trouxeram à Sua presença são (e todos nós igualmente somos) dignos de morte pelos nossos pecados. Jesus não mudou o aspecto moral da lei. Diante do sincero arrependimento que via no coração daquela mulher, Ele a perdoou tomando os pecados dela em Si mesmo, como fez em relação ao paralítico de Cafarnaum (Mc 2.5-12). Em suma, sabemos que os aspectos cerimoniais, litúrgicos, jurídicos, protocolares e burocráticos da lei foram deixados de lado, mas a essência da lei, que é o aspecto moral, os princípios, estão de pé, porque Deus não muda (Ml 3.6)
Também não procede que Jesus “colocou o sábado a serviço da vida humana e a libertou de seu senhorio desastroso”, como se inicialmente o sábado não tivesse esse propósito ressaltado por Jesus. O propósito do sábado é que fora distorcido na época de Cristo e Ele tão somente chamou a atenção dos fariseus para isso. Ao dizer que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado, Jesus estava lembrando aos fariseus o real propósito do sábado, e não reinventando o propósito do sábado ou re-significando o sábado. E também não é verdade que “a Bíblia foi feita a partir da vida humana”. A Bíblia foi escrita sob a inspiração divina durante a História e para o homem, mas não “a partir da vida humana”, como se ela fosse uma construção da vida e não uma obra inspirada pelo Espírito Santo para orientar a vida do homem. Muito menos é verdade que “a Bíblia sagra-se na vida”. A Palavra de Deus já é sagrada. Ela não depende de minha prática para ser sagrada. Nossa vida é que é santificada por ela e não ela santificada pela nossa vida (Jo 17.17).
E dizer que Jesus, ao afirmar que “se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto” (Jo 12.24) estava se referindo às “regras da vida” como “as únicas com as quais deveria jogar” é uma descarada distorção do sentido do texto bíblico. Qualquer estudante ou leitor mediano das Sagradas Escrituras sabe que Jesus estava falando ali, em forma de metáfora, sobre o propósito e a importância da sua morte sacrificial, e da necessidade da renúncia para se fazer a vontade de Deus.
Enfim, esse texto é só mais um exemplo dentre tantos exemplos de fluidificação de valores entre cristãos brasileiros; um exemplo de como há gente boa que, infelizmente, cai fácil no canto de sereia do neoliberalismo teológico.
(P.S.: Caro "Anônimo", favor identificar-se da próxima vez).
Caro Joabe,
Foi bom lembrar da série. Prometo dar continuidade. Aliás, falta só um artigo para encerrá-la. Se Deus permitir, antes do final do ano publico-o.
Sobre o medieval Tomás de Aquino, é um grande teólogo sem dúvida, um dos maiores da História, e com muita coisa aproveitável. De forma geral, diria que, tirando sua defesa daqueles tradicionais dogmas não-bíblicos do catolicismo e o aspecto especulativo de alguns de seus escritos, o que sobra de sua produção teológica é muito bom.
Abraço!
Caro irmão André, a Paz do Senhor!
Obrigado pelas palavras de apreço e motivação. Infelizmente, não há como ter acesso ao conteúdo do jornal e da revista, só adquirindo-os mesmo, o que o irmão poderá fazer pelo telefone 0800-021-7373.
Abraço!
Parabens pelo comentário ao anônimo, o texto citado por ele é de uma fragilidade incrível.
A lição da EBD do dia 23/11/2008 veio exatamente elucidar isso. A bíblia é a palavra de Deus e como tal ela é a verdade absoluta, a vida sim é uma verdadeira babel.
Na escola dominical do dia 23/11/08 tive o prazer de fazer o comentário
da superintendência da lição, falamos que os escritos sobre o relato da vida de Buda foi escrito 700 anos após sua morte e a obra mais antiga de Platão é de 1250 anos depois, no entanto, ninguém questiona sua autoridade, mas a bíblia...
Talvez a Bíblia é questionada porque nela está escrito "arrependei-vos e convertei-vos para que seja apagados os vossos pecados", ou então, "produzi fruto digno de arrependimento", ou ainda, "o machado foi posto na raiz, a árvore que não der bons frutos será cortada e lançada no fogo".
Oremos para que Deus nos dê discernimento para escaparmos dessas cascas de bananas.
Josélio
Caro Josélio,
Eis uma pergunta interessante: O que leva alguns cristãos a se esforçarem tanto para tentar relativizar a autoridade da Palavra de Deus e depreciar e relativizar os textos normativos da Bíblia? Sintetizando (até porque uma resposta detalhada aqui seria bastante longa): essa autoridade incomoda muito; as normas bíblicas incomodam; já o relativismo agrada, é confortável.
Abraços!
Caros,
A nova postagem está a caminho. A previsão é publicá-la hoje à noite ainda ou, no mais tardar, amanhã.
Abraços!
Prezado Pr.Silas,
Eu jamais faço comentários "anônimos", mas, certamente, ocorreu algum erro ao postar minha mensagem. Meu nome é Ana Lúcia da Matta Louback de Almeida.
Gostei imensamente de sua interpretação do texto "A Bíblia é Babel". Tenho andado muito preocupada com essas ondas e modismos dos últimos dias. E, como eu havia dito no site do Pr. Daladier, o autor do texto sofreu mesmo muito mais a influência do neoliberalismo do que da própria Biblia. Infelizmente, no site onde ele foi postado, a maioria elogiou muito a mensagem, dizendo que ele segue a mesma "linha do Pr. Ricardo Gondim". Apesar de eu publicar muitos textos onde a Teologia Sistemática, a Sã Doutrina e a necessidade dela é defendida, ou não leram ou não foram tocados pela verdade. É triste.
Se o senhor permitir, vou inserir seu comentário no site mencionado.
Estou tentando comprar o seu livro, mas ainda não consegui, através da internet. Quero aprender cada dia com o senhor. São sempre edificantes suas palavras. Deus continue abençoando seu ministério.
Cara Ana, a Paz do Senhor!
Esquecimentos acontecem. Obrigado por identificar-se!
É realmente triste ver gente boa se deixando levar facilmente pelo neoliberalismo teológico. Como você, preocupa-me isso, razão pela qual tenho discorrido sobre esses ensinos equivocados advindos da Europa e dos EUA em artigos, livro e palestras.
Sobre postar essa minha resposta lá, é um direito que te assite, só não sei se vai valer a pena. Falo por experiência própria.
Mais de um ano atrás, cheguei a registrar uma reflexão no blog de um irmão conhecido no Brasil que segue exatamente esse mesmo tipo de linha, mas senti que foi pura perda de tempo, uma vez que quem não quer ser convencido cria uma barreira em seu coração (Lembre-se que não basta ser convincente para convencer; a pessoa a ser convencida também deve estar aberta ao convencimento).
Na ocasião, aquele blogueiro não quis se manifestar em relação ao que escrevi no espaço de comentários de seu blog, mas reações ali de alguns de seus seguidores fiéis deixaram-me a impressão clara de que o meu texto fora interpretado apenas como "mais um ataque pessoal de um fundamentalista cristão" e não como uma reflexão e um confronto em relação a um argumento equivocado. É costume liberais fazerem essa interpretação distorcida de quem apenas prima pela coerência bíblica e teológica. Interessante que, naquela oportunidade, nenhum deles quis contra-argumentar o que eu disse, apenas criticaram minha atitude. Por isso, mui provavelmente, postando esse meu texto nesse tal blog, podem interpretar que estou querendo, via você (que seria a "leva-e-traz"), "criar algum confronto pessoal", quando não tenho interesse nenhum nesse tipo de coisa na blogosfera. Não que pense que essa foi sua intenção! Acredito que queria apenas ouvir-me sobre o assunto. Porém, intencionalmente ou não, você pode criar esse "clima de confronto pessoal".
No mais, que Deus continue abençoando a irmã! Que continue sendo uma serva do Senhor que prima pelas verdades da Palavra de Deus.
Abraço!
Prezado Pastor Silas,
Muito obrigada por suas palavras, mais uma vez. Na verdade, fui motivada a lhe pedir essa análise daquele texto, principalmente, porque o site onde ele foi publicado, pertence a um pastor assembleiano. Portando, era de se esperar uma postura mais ortodoxa a respeito. Uma contrapartida, mas, até agora, ele não deu uma palavra. Não sei o motivo. Ficaram somente os comentários a favor e de elogios. Tudo isso me causou surpresa e muito preocupação, pois sempre tive zelo pela sã doutrina. Eu precisava ouvir uma palavra da parte de alguém confiável e zeloso como o senhor. Era essa a minha primeira necessidade: encontrar alguém "sóbrio" para apontar os erros daquela mensagem oca e absurda. Porque, ver até no meio daqueles que deveriam ser "a coluna e o baluarte da verdade" essa tolerância nos faz acreditar mesmo que "até os escolhidos" estão sendo tragados pela "sereia" do liberalismo. E onde o liberalismo chega, a igreja perde o vigor espiritual. Esse não entendem o significado dos termos coluna e baluarte. Eu não desejo causar nenhum constrangimento. Minha intenção em publicar naquele site sua matéria é na esperança de esclarecer àqueles que estão inebriados com esse tipo de mensagem. E sua argumentação foi excelente, racional e completamente bíblica.
Mas se sua experiência diz que é uma perda de tempo. Vamos deixar. Eu vou tirar cópia desses dois textos e mostrar a grande diferença e o grande abismo entre esses dois tipos de "interpretação".
Eu continuo saindo como "Anônimo". Parece brincadeira, eu coloco sempre meu nome, minha senha...
Mais uma vez obrigada. Estou feliz com sua resposta e ter em mãos um material tão precioso. E também pela segurança de poder indicar seus livros e também adquiri-los para mim e para minha irmã que ama muito a boa leitura. Cada vez que vai à Livraria da CPAD, ela gasta quase mil reais e leva uma mala cheia para Huston, onde mora.
A Paz do Senhor. Ana Lúcia
Cara irmã Ana Lúcia, a Paz do Senhor!
Obrigado por suas palavras de apreço e motivação. E que bom saber que não apenas essa análise solicitada, mas também o material de forma geral de nossa lavra tem sido bênção e referência tanto para a sua vida quanto para a de sua irmã em Houston.
Sobre o irmão do texto ao qual se refere, quero apenas ressaltar que, apesar de ele ser de origem assembleiana tradicional, há muito tempo não pertence mais a qualquer ramo tradicional da AD e não é de hoje que tem se afastado do posicionamento doutrinário do pentecostalismo clássico. Ele é ligado a uma AD independente, o que não que dizer que, por isso, o referido irmão teria necessariamente que ser considerado menos assembleiano, posto que há ADs independentes que têm suas diferenças em relação ao ramo tradicional, mas mantêm o perfil teológico do pentecostalismo clássico. Só que o irmão a qual se refere pertence a uma AD independente cujo posicionamento adotado nos últimos tempos já não se coaduna com o perfil teológico do pentecostalismo clássico ou mesmo do protestantismo tradicional. Ou seja, não se trata de um posicionamento de dentro da AD tradicional, como a irmã imagina, mas de um posicionamento particular de um irmão ligado a um grupo independente. A CGADB, por exemplo, ramo a qual pertence a CPAD, de cujos livros a irmã gosta muito, se opõe a qualquer tipo de liberalismo teológico.
Abraço e que Deus continue abençoando as irmãs mais e mais!
Caros,
Segue uma errata e uma informação.
Retificação: no décimo primeiro parágrafo de minha resposta do dia 25 de novembro, às 18h49, o correto entre parênteses é "oprimidos versus opressores, enganados versus enganadores".
Informação: a próxima edição de "Obreiro", referente ao primeiro trimestre de 2009, circulará, como anunciado, já em dezembro, mas não já no início do mês, como prevíamos. Ela deverá circular provavelmente só a partir da segunda semana de dezembro. É que a previsão de fechamento desta edição da revista mudou.
Abraços!
Pastor Silas, estou lendo o seu livro A Sedução das Novas Teologias e na p. 100 encontrei essa afirmação: "sob a capa da contextualização, conceitos liberais foram introduzidos nas prédicas sem que muitos percebessem. Assim, contextualização deixou de ser o trazer um princípio bíblico para o nosso contexto, uma aplicação da Bíblia ao nosso dia-a-dia, para se tornar a compreensão da Bíblia pela filosofia como apregoam os teólogos Rudolf Bultmann e Paul Van Buren; ou uma reformulação da teologia bíblica a partir de tendências seculares, como ensinou o teólogo suíço Emil Bruner e, depois dele, o norte-americano Harvey Cox". Nos livros de teologia que eu já li (História da Teologia Cristã de Roger Olson e Introdução Bíblica de Norman Geissler e Willian Nix) Brunner é apresentado como um teólogo da corrente neo-conservadora e ele mesmo em seus livros, especialmente na Teologia da Crise criticou veementemente o liberalismo, se bem que também o fundamentalismo. De todo o modo, não fica evidenciado uma aproximação (pelo menos eu não vi, mas posso estar errado) com os liberais, sejam aqueles liberais clássicos como Harnack, ou os reciclados como Bultmann. Eu gostaria de saber em que aspectos da teologia de Brunner podem ser encontradas essas aproximações com os "conceitos liberais", em quais obras desse teólogo podem ser identificadas tais teorias e de que modo Brunner estabelece essa relação.
Fique com Deus
Edson Douglas de Oliveira.
email:edsonpublisher@hotmail.com
Meu blog:
comunidadewesleyana.blogspot.com
Caro Edson,
Antes de tudo, é um prazer tê-lo aqui! Essas interações possibilitam que o conteúdo da obra seja ainda mais enriquecido. Sobre Emil Brunner: O problema é que, como este teólogo suíço foi um dos pioneiros do Movimento Neo-ortodoxo, tendo se destacado ao lado de Karl Barth nesse período, o nome dele é costumeiramente associado à Neo-ortodoxia e os seus livros lembrados são, via de regra, apenas os daquela fase, olvidando-se o fato de que Brunner, pouco tempo depois, abandonou a Neo-ortodoxia, migrando, na maioria de seus posicionamentos, para o liberalismo teológico. Infelizmente, são poucos os historiadores que, ao citarem Brunner, mencionam essa sua transição, criando essa confusão na mente de alguns leitores. Historiadores, como o europeu Tony Lane, ressaltam essa transição de Brunner da Neo-ortodoxia para o liberalismo.
O Brunner dos anos 20, quando escreveu “Teologia da Crise”, era neo-ortodoxo, mas, infelizmente, não demorou muito para que fizesse uma transição da Neo-ortodoxia para o liberalismo teológico. Muitos pontos de sua nova teologia foram, inclusive, condenados abertamente pelo seu antigo mestre e amigo Karl Barth.
Ademais, neo-ortodoxia não é verdadeiro conservadorismo teológico. É uma espécie de “conservadorismo atenuado” ou “liberalismo atenuado”. A Teologia Dialética proposta por Brunner foi uma tentativa de criar um híbrido entre a ortodoxia e o liberalismo teológico ou, como se diz, entre a ortodoxia e a modernidade. O resultado óbvio disso é uma teologia que busca agradar gregos e troianos, posto que mistura ortodoxia com liberalismo para se tornar mais palatável. Ou seja, tentava-se responder ao liberalismo teológico fazendo concessões a ele – e nessas concessões, Brunner foi ainda mais generoso do que Barth.
Diferentemente dos neo-ortodoxos, não faço concessões com o liberalismo teológico, porém isso não me impede de reconhecer muita coisa boa na Neo-ortodoxia, assim como também não deixo de constatar nela pontos com os quais discordo profundamente. Por exemplo, não sou defensor do evolucionismo como os neo-ortodoxos; também não vejo a Bíblia como eles a viam: um livro cheio de imprecisões históricas e científicas, devendo ser lido apenas “na dimensão subjetiva e existencialista da fé”; bem como não concordo que Adão e Eva e a história da Queda não são históricos, mas parabólicos etc.
Mas, vamos aos exemplos de liberalismo do teólogo suíço:
1) No final dos anos 30, mais especificamente a partir de 1937, Brunner tornou-se enfático defensor do ecumenismo, e continuou a sê-lo até o final da vida. Barth, ao contrário, mesmo tendo sua obra elogiada por muitos católicos romanos, inclusive um papa, era crítico contundente do catolicismo.
2) Na fase ecumênica, Brunner publicou sua obra em três volumes “Dogmatics” (o primeiro volume publicado nos anos 40; o segundo, nos anos 50 e o terceiro, nos anos 60), onde rompe com a Neo-ortodoxia em muitos pontos extremamente significativos e se afasta totalmente da Ortodoxia. Nessa obra, ele afirma, por exemplo, que não cria nos milagres da Bíblia como sendo reais, isto é, acontecimentos sobrenaturais, mas apenas como lendas ou aparentes milagres que poderiam ser explicados racionalmente, bem como assevera também não crer na existência de anjos e demônios. Ele afirma tudo isso no volume II de “Dogmatics”, volume em que trata da “Doutrina Cristã da Criação e da Redenção”. No mesmo volume, Brunner questiona ainda a doutrina da inspiração plenária da Bíblia.
Nas páginas 166 e 167 do volume II de “Dogmatics” (edição de 2002, traduzida para o inglês por Olive Wyon e publicada pela editora James Clarke & Co., e que pode ser encontrada em algumas livrarias no Brasil ou adquirida no site da própria editora inglesa: http://www.lutterworth.com/jamesclarke/jc/titles/dogmat1.htm), Brunner diz que os milagres do Antigo Testamento não precisam ser cridos como verdadeiros, mas apenas aceitos como sinais e metáforas que apontam para o verdadeiro Milagre – Jesus mesmo. Nas páginas 169 e 170, diz ainda, desta feita sobre os milagres de Jesus, que “não há dúvida de que lendas foram introduzidas na narrativa dos Evangelhos” e afirma que os Evangelhos canônicos, nesse ponto, são iguais aos evangelhos apócrifos. Ele afirma que esses milagres todos não passam de lendas que foram introduzidas na narrativa dos Evangelhos e acrescenta que não aceitar esses milagres como verdadeiros não afeta em nada o cristianismo. Para ele, o único milagre em que a pessoa deve crer para ser um cristão é o próprio Jesus.
Sobre anjos e demônios, Brunner assevera no capítulo 5 desse mesmo volume de “Dogmatics”, mais especificamente na página 133, que não só não crê na existência de anjos e demônios como, para ele, é impossível que esses seres existam mesmo. Ele afirma que crer na existência de anjos e demônios é coisa de “fundamentalistas”, “o que as Escrituras dizem não é a nossa autoridade final” e crer em Jesus como aquele que nos revela Deus já é suficiente para a fé cristã. Brunner afirma também que essa história de Diabo, demônios e anjos trata-se de influência da “religião persa” sobre os escritores bíblicos e que não acredita na doutrina da inspiração plenária das Escrituras, que taxa equivocadamente de “inspiração verbal” no sentido da chamada “Teoria do Ditado”. Aliás, é comum os opositores da inspiração plenária chamarem equivocadamente os defensores dela de crentes na “Teoria do Ditado”, quando nenhum cristão sério e conservador da História defendeu a inspiração da Bíblia no sentido da “Teoria do Ditado”, como lembra muito bem teólogos conservadores como James Packer e Bruce Milne. Não é de se estranhar a atitude de Brunner. Essa estratégia é usada até hoje por liberais: acusar os conservadores de posições mais radicais do que as que estes realmente assumem.
3) Diferentemente de Barth, Brunner admirava os posicionamentos do teólogo liberal Bultmann, tendo procurado, inclusive, fazer uma fusão entre a teologia de Bultmann e a de Barth. Ora, se a Neo-ortodoxia era uma tentativa de fusão entre a ortodoxia e o liberalismo, com mais ortodoxia que liberalismo, logo a tentativa de fusão entre a teologia de Barth e a de Bultmann, feita por Brunner, resultaria, claro, em um híbrido ainda mais liberal que a Neo-ortodoxia. E foi isso mesmo que aconteceu. O resultado foi uma desfiguração total da Neo-ortodoxia defendida por Barth. Brunner, por exemplo, passou a defender, como Bultmann, a “desmitologização da Bíblia”. Há um capítulo inteiro no volume II de sua obra “Dogmatics” tratando sobre esse tema, que é um dos pontos centrais da teologia liberal de Bultmann. Brunner chegou até a afirmar que o nascimento virginal de Cristo (doutrina defendida por Karl Barth) é uma doutrina sem muita importância, e que provavelmente não houve nascimento virginal, e que a ressurreição do corpo, pregada na Bíblia, não é literal. Para Brunner, Jesus, por exemplo, não ressuscitou em carne, mas em espírito. O teólogo suíço ensinou também que não devemos olhar a Bíblia como uma obra proposicional.
Ou seja, Brunner desprezava o aspecto proposicional da Bíblia, não cria na inspiração plenária das Escrituras, não cria nos milagres da Bíblia, em anjos, em demônios, no Diabo, no nascimento virginal de Cristo e na ressurreição da carne, e ainda afirmava, como Bultmann, que a Bíblia estava cheia de mitos (Por exemplo: para Brunner, a história de Adão e Eva e da Queda são mitos). Em sua teologia, só sobrava de ortodoxia a crença em Jesus como Deus encarnado (embora um pouco relativizada) e na morte expiatória, e uma ênfase na práxis da vida cristã. Só. O resto, liberalismo puro. Bultmann, claro, agradeceu.
Então, coloquemos as coisas nos seus devidos lugares: Brunner não era neo-ortodoxo; Brunner foi neo-ortodoxo. Ele foi um teólogo cuja teologia rompeu rapidamente com a Neo-ortodoxia, à qual esteve associado inicial e pioneiramente. Foi um teólogo que, infelizmente, na maior parte de sua vida de atividades teológicas, foi teologicamente liberal.
Abraço! E boa leitura!
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