quarta-feira, 8 de julho de 2009

Últimas sobre Honduras e uma cortesia de Cícero Harada para este blog

Caros irmãos e amigos,

Como prometido, nos próximos dias, estarei postando um dos três artigos de caráter teológico que estou devendo aos leitores do blog desde o ano passado. Mas, enquanto não o faço, trago um artigo de análise jurídica sobre a deposição de Zelaya, elaborado por um especialista no assunto, e mais uma informação a respeito do caso Honduras, que pretendo rever agora só em notas em nossos Drops mensais do Verba Volant Scripta Manent.
A informação a qual me refiro é relativa à notícia divulgada pela mídia intensamente nos últimos dias de que há uma "unanimidade internacional pró-Zelaya". Essa notícia não é e nunca foi verdadeira. Desde que Zelaya foi deposto, Israel, Taiwan e alguns poucos países da Europa, por exemplo, já anunciaram que reconhecem o atual governo.
Quanto ao artigo, trata-se de um texto já mencionado neste blog (no último P.S. da postagem abaixo), de autoria do advogado Cícero Harada, mas que ontem tive a grata surpresa de receber revisado e por e-mail do próprio Harada, que conheceu este blog através de um amigo seu, leitor do Verba Volant Scripta Manent, e desde então teve o desejo de vê-lo publicado por aqui também. Harada fez pequenas alterações em relação ao original publicado no site Mídia sem Máscara. Para quem não sabe, Cícero Harada é Conselheiro da OAB-SP, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB-SP, e foi procurador do Estado de São Paulo. Recebi dele, ontem, o seguinte e-mail:
Prezado Pr. Silas Daniel,
Alertado por um amigo, soube de sua indicação do artigo que escrevi. Muito obrigado pela indicação. Quero também autorizá-lo a publicá-lo se assim o desejar. Acima vai uma versão corrigida de alguns erros.
Atenciosamente,
Cicero Harada
Senhor Harada, para mim é um prazer divulgar o excelente texto de sua lavra em nosso blog. Aliás, que bom saber que podemos contar com sua nobre audiência por aqui. Grato pelo artigo, que provoca uma retificação minha: Zelaya, pela Constituição hondurenha, perdeu sua cidadania, como já havia enfatizado, mas ainda não estaria classificado como "traidor da Pátria", como cheguei a dizer, porque ele não chegou a concluir o seu intento.
A seguir, reproduzo, na íntegra, conforme foi-me enviado, o texto revisado do advogado Cícero Harada:
Golpe de Estado em Honduras?

*Cicero Harada

“Golpe de Estado em Honduras”. É a manchete de todos os meios de comunicação. Afinal, o que está ocorrendo? Desde março, o presidente Manuel Zelaya resolveu propor um plebiscito para que assembléia constituinte possibilitasse, entre outras alterações, a reeleição de presidente. Tanto o Congresso Nacional como a Corte Suprema de Justiça, posicionaram-se contra a proposta.
No dia 23 de junho, o Congresso aprovou lei que proíbe a realização de referendos ou plebiscitos 180 dias antes ou depois de eleições gerais, interceptando os planos de Zelaya.
Em virtude disso, o general Romeo Vasquez, chefe do Exército, e demais comandantes militares resolveram não entregar as urnas para votação “para não desrespeitar a lei”. O presidente Zelaya destituiu general Vasquez da chefia. Os chefes da Marinha e da Aeronáutica renunciaram em protesto.
O presidente e seus simpatizantes entraram em uma base militar e retiraram as urnas lá guardadas.
A Corte Suprema decidiu favoravelmente à reintegração do gerneral Vasquez no cargo de chefe do Exército. O presidente Zelaya afirmou que não obedeceria a decisão, porque “a corte, que apenas faz justiça aos poderosos, ricos e banqueiros, só causa problemas para a democracia."
No dia 28, Zelaya foi preso pelo exécito por ordem da Corte Suprema, por ter desobedecido a ordem judicial de não realizar a consulta.
O Congresso leu carta de renúncia atribuída a Zelaya e desmentida por este e empossou como presidente interino, Roberto Michelleti, até então presidente do Congresso.
Honduras teve um longo período de ditadura militar que terminou com a eleição de uma Assembléia Constituinte em 1980, a promulgação da atual Constituição de 1982 (
http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/hond82.html), mesmo ano da posse do primeiro presidente eleito, Roberto Suavo Córdova.
Um povo que sofreu longos anos de autoritarismo militar, manifesta da maneira mais clara e contundente em sua Constituição, que optou por uma democracia em que a alternância do poder é mandamento fundamental e intocável. Nada pode ameaçar nem de leve esta característica republicana. A rigidez constitucional nesse ponto barra qualquer pretensão de perpetuação no poder.
O artigo 239 da Constituição hondurenha prescreve que “o cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessados de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública”.
Note bem que em Honduras a simples proposição da reforma, visando a um novo mandato faz cessar de imediato o exercício do cargo. O dispositivo não excepciona o cargo de presidente.
No Título VII, Da Reforma e da Inviolabilidade da Constituição, Capítulo I, Da Reforma da Constituição, o artigo 374 prescreve a cláusula pétrea da impossibilidade de reeleição nos seguintes termos: “Não se poderá reformar, em nenhum caso, o artigo anterior [ trata da reforma da constituição ], o presente artigo, os artigos constitucionais que se referem à forma de governo, ao território nacional, ao prazo do mandato presidencial, à proibição para ser novamente Presidente da República, o cidadão que o tenha exercido a qualquer título e o referente àqueles que não podem ser Presidentes da República no período subseqüente.”
Aqui está evidente a cláusula pétrea que proíbe a reeleição de Presidente da República.
O artigo 4º é de clareza solar ao definir constitucionalmente o delito contra a alternância do poder: “A forma de governo é republicana, democrática e representativa. É exercido por três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, complementares e independentes e sem subordinação. A alternância no exercício da Presidência da República é obrigatória. A infração desta norma constitui delito de traição à Pátria.”
Evidente que Zelaya não infringiu esta norma, queria e precisava alterá-la.
No Capítulo III, Dos Cidadãos, o artigo 4º estabelece: “A qualidade de cidadão perde-se: (...) 5. Por incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do Presidente da República;”.
Por outro lado, o artigo 238 arrola os requisitos necessários para ser Presidente do seguinte modo: “Para ser Presidente ou Designado à Presidência, requer-se: (...) 3. Estar no gozo dos direitos de cidadão;”.
Aqui, uma enorme dificuldade constitucional para Zelaya. Talvez a maior blindagem contra a reeleição. A prova do fato, no caso, notório, de conhecimento geral de que promovia e lutava por seu próprio continuísmo, faz perder a cidadania, um dos requisitos essenciais não só para assumir o cargo, mas também para manter-se como Presidente da República.
O artigo 245 esclarece “o Presidente da República detém a administração geral do Estado: são suas atribuições: 1. Cumprir e fazer cumprir a Constituição, os tratados e convenções, leis e demais disposições legais”. (...) “16. Exercer o comando em Chefe das Forças Armadas em seu caráter de Comandante Geral, e adotar as medidas necessárias para a defesa da República;”.
No Capítulo X, Das Forças Armadas, o artigo 272 dispõe que “As Forças Armadas de Honduras são uma Instituição Nacional de caráter permanente, essencialmente profissional, apolítica, obediente e não deliberante. São constituídas para defender a integridade territorial e a soberania da República, manter a paz, a ordem pública e o império da Constituição, os princípios do livre sufrágio e a alternância no exercício da Presidência da República.”
Note-se que o Presidente é o comandante supremo das Forças Armadas. Estas devem obediência ao Chefe de Estado, na medida em que este obedeça a Constituição e, no caso, esta obriga expressamente que as Forças Armadas defendam a alternância do exercício da Presidência da República. No momento em que o presidente pretende a permanência por meio da reeleição, descumprindo as normas constitucionais e decisões da Corte Suprema de Justiça de Honduras, a ordem de prisão emanada por este Tribunal haveria de ser cumprida.
Os fatos e o conjunto das disposições constitucionais citadas mostram que, em Honduras, não houve golpe de Estado. Hans Kelsen ensinava que o golpe de Estado “instaura novo ordenamento jurídico, dado que a violação do ordenamento precedente implica também na mudança da sua norma fundamental e, por conseguinte, na invalidação de todas as leis e disposições emanadas em nome dela”. Trata-se de poder de fato a impor-se contra a ordem jurídica em vigor, instituindo novo ordenamento. Em Honduras, o modelo bolivariano do presidente foi repelido graças a uma Constituição prenhe de anticorpos a estancar a tentação do continuísmo e do caudilhismo latino-americano. Lá se evitou o golpe e se defendeu a Constituição e a lei.
Agora, forças internacionais terríveis levantam-se contra o “golpe de Estado” em Honduras. Da ONU à OEA, passando pela ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas), de Chávez, Lula e Fidel a Hillary Clinton e Obama. Lançam foguetes para matar uma mosca. Não é de hoje que Honduras, um pequeno e fraco país, depende dos Estados Unidos. No século XX, a United Fruits Company e a Standard Fruit Company, companhias bananeiras estabelecidas em Honduras, punham e depunham presidentes, controlavam o Congresso, faziam aprovar leis. Mesmo no início do regime democrático nos anos 80, Honduras permitiu aos Estados Unidos o uso de seu território como base estratégica para ações contra a Nicarágua. A ONU, por decisão unânime dos países –membros, exige a restauração de Zelaya e a Organização de Estados Americanos (OEA) dá um ultimato para que o governo interino o reconduza à presidência. E o império? E Obama? E a Constituição de Honduras? E Honduras? Ora, Honduras, ora, ora, a Constituição de Honduras...
*Cicero Harada – Advogado, Conselheiro da OAB-SP, Presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB-SP, foi Procurador do Estado de São Paulo.

2 comentários:

Ivar A. Queiroz disse...

Graça e Paz

Tenho acompanhado este blog desde que vi uma entrevisata sua na 39 AGO e não me arrependo, é instrutivo e edificante.

Deixo o "deixo o caminho de minha casa" e aguardo sua visita.

http://cybercruz.blogspot.com/

Silas Daniel disse...

Caro Ivar, Graça e Paz!

Obrigado pelas palavras de apreço e motivação. Breve farei uma visita ao seu blog.

Abraço!