quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Entenda o processo de desconstrução da fé

Todo mal tem um início. Não é diferente com as idéias que permeiam atualmente a sociedade ocidental. Que o diga o crítico social Russell Kirk.
Russell Amos Kirk (1918-1994) foi um notório jornalista cultural e cientista político norte-americano, conhecido pelo seu conser-vadorismo. Ele escreveu mais de 30 livros, tanto de ficção como de não-ficção, além de centenas de ensaios e resenhas. Foi colunista em vários periódicos nos Estados Unidos, fundador da revista de cultura Modern Age e editor por 30 anos da revista The University Bookman, de resenhas de livros. Mas, sua maior obra só veio a lume em 1953, quando Kirk lançou um livro que se tornou clássico rapidamente nos EUA, sendo considerado hoje a melhor obra para entender tanto a formação e o desenvolvimento do conservadorismo na tradição anglo-americana como as raízes e o desenvolvimento do pensamento liberal no Ocidente. Estou falando de The Conservative Mind: from Burke to Eliot (O Conservadorismo: de Burke a Eliot).
Nesse livro, o crítico americano afirma que a onda liberal que hoje vemos no mundo (com a pregação a favor do aborto, da liberação das drogas e da promiscuidade sexual) nasceu no período histórico denominado “Idade da Razão”, especialmente no século 18. Kirk diz ainda que um dos primeiros a denunciar eloqüentemente os efeitos nefastos do liberalismo em sua gênese foi Edmund Burke (1729-1797), pensador e político britânico.
Segundo Kirk, antevendo o futuro, Burke criticou em sua época três escolas que chamou de “radicais” e que estavam tornando-se bastante populares em seus dias: (a) o racionalismo dos filósofos; (b) o nascente utilitarismo do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham; e (c) o sentimentalismo romântico do filósofo francês Rousseau. Esse último Burke chegou a chamar de “o Sócrates louco”. O detalhe é que, em sua análise, o político britânico identificou alguns pontos que caracterizaram a onda liberal daquela época, dando-lhe base. Entre eles estão:
1) A crença de que, se Deus existe, “difere radicalmente em sua natureza da idéia do Deus cristão; ele seria ou o ser remoto e impassível dos deístas ou o brumoso e recém-criado Deus de Rousseau”;
2) A idéia de que o homem, diferentemente do que a Bíblia diz, não é tendente ao pecado, mas é naturalmente bom, generoso e benevolente, sendo corrompido pelas instituições;
3) A convicção de que as tradições da humanidade e o ensino bíblico são mitos, confusos e ilusórios, e nos ensinam muito pouco;
4) A fé no ser humano, como sendo capaz de aprimorar-se sozinho e trazer a paz e a ordem ao mundo sem precisar de alguma ajuda divina;
5) O pensamento de que devemos buscar a “libertação das velhas crenças, dos tabus, dos juramentos e das velhas instituições”, e regozijarmo-nos com “a pura liberdade e a auto-satisfação”.
Como vemos, foi ali, no século 18, que a atual onda liberal teve seu início. Foi Jean Jacques Rousseau quem “decretou” a morte do pecado, ao pregar a teoria da plena bondade natural do ser humano. Depois dele, veio Augusto Comte, com o seu positivismo, afirmando que a religião é o estado primitivo da sociedade. O iluminismo proclamou que a religião não era mais relevante. Assim, chegamos ao ponto onde estamos hoje.

A sociedade está moralmente à deriva

Esses cinco pontos esposados por Edmund Burke e que apresentamos acima explicam, por exemplo, o porquê de a sociedade de hoje viver em um nível moral muito baixo. Já dizia Russell Kirk, em sua obra supracitada, que “problemas políticos e sociais são, no fundo, problemas religiosos e morais”. E ele não está errado. As questões sociais são, lá no fundo, uma questão de moral pessoal. Não é necessário um grande exercício mental para perceber isso.
Imagine uma sociedade onde as pessoas são governadas pela crença em uma ordem moral duradoura, por um forte sentido de certo e errado, por convicções pessoais sobre a justiça e a honra. Com certeza será uma sociedade sadia, que fugirá tanto do extremo da tirania quanto do extremo da anarquia.
Agora, imagine uma outra sociedade, onde as pessoas vivem moralmente sem rumo, ignorando o certo e o errado. Seria uma sociedade onde cada um estaria voltado para sua gratificação pessoal, atrás da satisfação de seus próprios apetites. Sem dúvida, seria uma sociedade doentia, tanto na sua versão mais radical (o anarquismo) quanto na sua versão liberal mais leve, que está sendo implementanda hoje em nossa sociedade.
Não é à toa que é bastante comum vermos os pensadores pós-modernos identificando a sociedade em que vivemos como inundada de patologias, crises e profundos vazios existenciais. À medida que o tempo passa, os valores morais vão perdendo seu significado e força, o que resulta em uma sociedade cada vez mais neurótica, hedonista, egoísta e violenta.
Um sintoma da crise em que vive o mundo é a atual produção artística no planeta. Sabemos que a produção artística de uma época diz muito sobre os problemas, angústias, medos, conquistas, sonhos e aspirações de uma geração. Ora, os livros de ficção, filmes, peças teatrais e pinturas de hoje estão repletos de personagens psicóticos ou figuras que não trazem substancialmente nada, só o vazio. Isso é porque a alma humana no século 21 encontra-se assim.
Outro dia um articulista carioca escreveu, em sua coluna em um dos jornais mais influentes do país, sobre sua profunda infelicidade existencial, chegando a afirmar que tinha inveja da lagartixa, que não aspira nada, a não ser a satisfação de seus instintos naturais. E não foram poucos os que se identificaram com ele!
Os perigos de uma sociedade assim é que, por não ter firmeza moral e sentido na existência, está aberta a qualquer bizarria. Está moralmente à deriva. O único conceito que consegue-se assimilar é o que diz: “Não se pode reprimir direitos”. Mas onde estão os deveres? Apesar de ainda existirem alguns deveres reconhecidos, até mesmo estes, vez por outra, são questionados por celebrizadas “mentes privilegiadas” de nossos dias. Isso porque, via de regra, o que prevalece no inconsciente coletivo da sociedade de hoje é a idéia de que o dever é visto como mal, “castrador”, destruidor, camisa-de-força. Por isso, os projetos de lei de hoje, em sua maioria, não buscam impor limites; pelo contrário, os retiram.
O cristão genuíno, porém, não sofre essas crises, pois uma vez que reconhece a Palavra de Deus como sua única regra de fé e prática, ele não relativiza, inverte ou esvazia valores. Ele se apóia e orienta-se em valores concretos, claros e absolutos das Sagradas Escrituras. Seu comportamento e pensamentos são pautados por ela, o que, em vez de inibir sua vocação e suas habilidades, as desenvolvem. Ele percebe limites e, por isso, compreende a existência como um todo e, em particular, a sua missão na vida. Isso porque sem limites é impossível andar com segurança ou mesmo entender a existência. Limites são uma necessidade da própria existência. Eles foram criados por Deus para o melhor aproveitamento da vida. Desrespeitá-los é ser infeliz ou infelicitar o próximo.
A sociedade de hoje precisa de valores. Isso significa limites, mas também sentido, caminho. Em outras palavras, o mundo necessita mais do que o retorno aos valores ou princípios judaico-cristãos. Precisa da Palavra de Deus. O mundo precisa de Cristo.
Identificamo-nos com a luta de todo grupo conservador em favor da preservação dos valores que têm seu apoio nas Sagradas Escrituras, porém nossa luta é muito maior. Não é só mourejar pela manutenção dos imprescindíveis valores sociais herdados pela formação judaico-cristã da sociedade ocidental. São também, e precipuamente, a pregação e a defesa dos princípios da Palavra de Deus, da Verdade do Evangelho. Essa é a nossa missão.

12 comentários:

Unknown disse...

Caro Pastor Silas Daniel

É com muito prazer que saúdo o mais novo blogueiro assembleiano.

O círculo está crescendo - Geremias do Couto, Ciro Zibordi, Marcos Tuler, Izael Araújo, Esdras Bentho e muitos outros - e isso demonstra que estamos cumprindo o nosso papel essencial de "sal da terra e luz do mundo" na blogosfera.

Um grande abraço e parabéns

Esdras Costa Bentho disse...

Kharis kai eirene.
Pr. Silas meus parabéns por mais este post esclarecedor, principalmente por resgatar a vida e a obra do patrono do conservadorismo americano Russell Kirk, infelizmente morto no dia 25 de abril aos 79 anos de idade. Suas obras influenciaram profundamente os conservadores americanos. Lembremos de um dos princípios de sua filosofia que foi citado: "os problemas políticos são problemas religiosos e morais".
Gostaria, porém, de frisar que a superficalidade de nosso tempo, principalmente o abandono da metafísica é uma das razões pelas quais os adultos degustam "pão de açúcar", como se estivessem se alimentando de comidas sólidas. Os personagens psicóticos da indústria cultural representam o niilismo de nosso tempo. As instituições são assim representadas para mostrar quem sabe, a desesperança e desconfiança de nosso tempo. Seu artigo é profundo e possui muitos pontos a serem discutidos.
Um abraço do Teologiaegraca.blogspot.com

Silas Daniel disse...

Pastor César, Graça e Paz da parte de Cristo!

Obrigado pela sua saudação. Sinto-me feliz em poder ser contado nesta plêiade. O objetivo deste blog é justamente provocar reflexão e, assim, despertar vidas para o compromisso com os princípios irrevogáveis e imprescindíveis do Reino de Deus, que são atacados todos os dias, gerando uma sociedade onde as coisas cada vez fazem menos sentido.
André Malraux (1901-1976), escritor francês e crítico cultural e político, tinha várias idéias das quais discordo frontalmente, mas seu discernimento sobre o tipo de sociedade em que estamos vivendo hoje é perfeito. Antes de falecer, ele já constatava: "Nossa civilização é a primeira da História que à pergunta 'A vida tem um sentido?' responde 'Não sei'". E a razão é simples: a sociedade de hoje está cada vez mais destruindo seus referenciais e mergulhando no vazio, como explico no texto acima, quando falo sobre o processo paulatino de desconstrução da fé implementado pelo liberalismo reinante em nossa sociedade.
O pior de tudo é ver, às vezes, algumas pessoas (amigos e até irmãos, em momento de fraqueza) sendo influenciadas pela mentalidade de nossos dias, pelo discurso liberal. Ou, quando não se dobram, ficando passivas. Deus nos livre tanto de uma coisa quanto de outra!
Devemos pregar e encarnar a indispensabilidade dos princípios bíblicos para os nossos dias, mostrar e demonstrar que é possível submeter-se integralmente à Revelação de ontem dentro da realidade de hoje.
Um abraço!

Silas Daniel disse...

Caro Esdras, Graça e Paz!

Sua colocação foi muito boa!
Infelizmente, na mídia e nas instituições de ensino, a maioria das leituras que são feitas hoje do desenvolvimento social e cultural do Ocidente é a partir de textos liberais, que apresentam o mundo em "evolução", quando, na verdade, está havendo uma involução, já que os pilares, os valores, os fundamentos, os referenciais que ainda cimentam a sociedade pecaminosa, estão sendo destruídos um a um. E a Igreja, única reserva moral nessa história toda, é atacada todos os dias pelos que arvoram as bandeiras do liberalismo.
A imprensa, as escolas e as universidades estão infestadas de leituras equivocadas sobre o estado das coisas nas áreas social, política e cultural. Por isso, evocar reflexões e leituras como as de Kirk ajudam a despertar as pessoas para o que realmente está acontecendo.
Quanto ao desprezo dado ao metafísico, ele não é geral no meio secular. Mas mesmo aqueles que se interessam pelo assunto não estão a salvo, pois tomam caminhos que desencaminham as suas almas da Verdade.
A sociedade sem Deus hoje pode ser dividida basicamente entre (1) aqueles que, desprezando o metafísico, consequentemente abraçam o materialismo, o consumismo, o hedonismo, as "orgias" passageiras da futilidade, enfim, o vazio angustiante; e (2) os que perseguem o metafísico, mas sem o parâmetro da Palavra de Deus. Estes últimos vivem de panacéias. Tentam encher suas almas de sentido, mas o que encontram, no máximo, são pedaços soltos da Verdade enlameados por muita supersticiosidade religiosa e esotérica.
Ora, tanto um grupo como o outro não poucas vezes são presas fáceis do liberalismo.
O problema principal é, na verdade, a perda dos princípios (que devem nortear nossa compreensão do metafísico), não a perda do metafísico em si. Claro que, quanto menos reflexão metafísica, melhor para os liberais. Mas, para eles, a religiosidade pode até existir no mundo, contanto que seja inócua - e uma compreensão errada do metafísico ajuda nisso.
Um abraço, amigo! E obrigado por enriquecer o assunto, provocando esse aprofundamento do tema.

Unknown disse...

Pastor Silas Daniel, fiquei muito feliz de ver que o irmão criou um blog!
Espero ver ainda nesse espaço, pessoas como pr. Claudionor de Andrade, Jorge de Andrade, Antonio Mesquita.
Parabéns pelo conteúdo de cosmovisão cristã no seu blog, o MP está trazendo uma visão cristã de vários assuntos, parabéns pelo periódico.
Vou "linkar" o seu bolg ao meu.
Um abraço!

Gutierres Siqueira
www.teologiapentecostal.blogspot.com

Silas Daniel disse...

Caro Gutierres,
Obrigado pelas suas palavras. Já conhecia seu blog, cujos temas abordados são bastante interessantes. Ainda não participei de nenhum "debate" lá, mas é só uma questão de tempo.
Fico feliz que a iniciativa em criar um blog de Teologia Pentecostal tenha partido de um jovem. Isso mostra que há jovens, na atual geração de pentecostais clássicos em nosso país, com interesse pela reflexão teológica. Que Deus continue abençoando você, sua família e projetos. E seja bem-vindo ao meu blog!

Victor Leonardo Barbosa disse...

Olá pastor Silas, parabéns pelo blog´, saiba que é bem vindo e seu apoio é importantissímo para que o nome do Senhor seja glorificado na World Wide Web.
Parabéns pelo artigo, creio que esse é um retrato fiel da sociedade secular, que começou a brota graças ao relativismo, iluminismo, teologia liberal, entre outros. Escrevi um pouco sobre esse assunto em um artigo intitulado o novo relativismo cristão, pois infelizmente esse tipo de pensameno está entrando cada vez mais na igreja moderna, principalmete na nossa querida AD.
Abraços e Paz do Senhor!
Soli Deo Gloria

Silas Daniel disse...

Caro Victor,
Obrigado pelas suas palavras. Sobre sua impressão acerca do assunto, é correta. O relativismo em sua versão cristã é um reflexo da influência do liberalismo dentro das igrejas. Mas, ainda bem que ainda há muita gente de Deus que se opõe a essa influência, marcando posição como "sal e luz" do mundo.
Um abraço!

Anônimo disse...

"As questões sociais são, lá no fundo, uma questão de moral pessoal".
Só uma minoria de não-evangélicos e não-cristãos entendem a essência dessa expressão acima esposada quando referendamos a questão religiosa. Aliás, entendem e proclamam ao contrário, como por exemplo John Lennon que em sua música "Imagine" canta que o mundo seria melhor sem religião. Coitado! talvez se o infeliz que o assassinou fosse um ser alcançado pelo evangelho de uma religião - cristianismo - Ele não teria o fim trágico que teve.
Excelente reflexão Pr Silas!
Fique na Paz de nosso Mestre,
Pb Gilson Barbosa.

Silas Daniel disse...

Caro Gilson,
Concordo com você quanto à importância dessa frase. Para mim, é uma das mais brilhantes definições sobre as questões sociais em nossos dias. O que o fundamentalismo liberal está fazendo hoje é eclipsar o discernimento das pessoas para a importância dos valores morais na formação e sustentação de uma sociedade sadia. Continuemos remando contra a maré. Sejamos "sal e luz do mundo"!

Anônimo disse...

Prezado Silas...

É bom saber que mais um apologista apostou nos recursos que a internet disponibiliza para a divulgação da verdade entre os homens. Que Deus o abençoe e continue sendo este instrumento de valor.
Quanto a este perigo de o homossexualismo ser protegido por leis, devemos orar e manifestar nosso repúdio como cidadãos preocupados com o bem estar da sociedade.

Eduardo Araújo

Silas Daniel disse...

Caro Eduardo,

Obrigado por suas palavras animadoras. Quanto ao favorecimento do homossexualismo em detrimento das liberdades religiosa e de expressão, é isso mesmo: como cristãos e cidadãos que somos, nossa atitude deve ser dupla - oração e ação.

Um abraço!