Recentemente, mandaram-me um texto bem intencionado, mas tremendamente falacioso, daqueles que se propagam aos montes na Internet por gente que é do bem, mas que, usando uma expressão paulina, pecam por desenvolverem um “zelo sem entendimento”. Nele, o autor afirma a bobagem de que 20 bilhões de dólares acabariam com a fome no mundo para sempre. E arremata ao final: “Por que ninguém falou disso, quando os EUA desembolsaram 1,6 trilhão e a Europa, 1,5 trilhão, para ajudar a acabar o mais rápido possível com a crise financeira mundial?” Ora, porque essa afirmação dos 20 bilhões é simplesmente falsa. E para a pessoa perceber isso, mesmo que não esteja munida de números, basta refletir sobre a própria pergunta: Se é verdade que o problema da fome no mundo se resolveria com apenas 20 bilhões de dólares, como é possível que ninguém até agora tenha tomado a iniciativa de resolver esse problema? O que levaria alguém a não tê-lo feito até hoje? Egoísmo? Pura maldade? Falta de compaixão?
Se o problema é fácil de se resolver e sua solução traria uma tremenda repercussão positiva ao benfeitor, não é preciso nem ter compaixão para proceder a solução. Alguém poderia resolver o problema sem ser movido por interesses cândidos. Bastava ser motivado pelo desejo de receber honras e glórias por isso.
Só para citar um exemplo mais nítido do que estou falando: se fosse tão fácil assim resolver o problema da fome no mundo, os próprios EUA, que até poucos dias tinham 15 trilhões de dólares em caixa, já teriam solucionado o problema há muito tempo, já que 20 bilhões representavam, até um dia desses, minúsculos 0,1% do dinheiro do Tesouro americano. Mas, não precisava nem recorrer ao Tesouro. Bastava os dez homens mais ricos do mundo (que juntos somam um patrimônio de cerca de 400 bilhões de dólares) doarem, cada um, 2 bilhões e o problema seria resolvido. O que é 2 bilhões para Warren Buffet, Carlos Slim, Bill Gates, Lakshmi Mital, Mukesh Ambani e seus colegas?
Perceba: se isso não foi resolvido ainda, das duas uma – ou é porque todo mundo é ignorante ou é porque 20 bilhões de dólares simplesmente não extinguiriam a fome do mundo. Precisa ir longe para saber qual das duas opções é a correta?
Sei que talvez seja desnecessário, mas vamos aos números.
Ninguém acaba com a fome do mundo com 20 bilhões, nem com 200 bilhões de dólares e nem com 2 trilhões. Segundo o Banco Mundial e a ONU, há pelo menos 1,4 bilhão de pessoas no mundo passando fome. Ora, 20 bilhões de dólares para 1,4 bilhão de pessoas é 14,3 dólares por pessoa; 200 bilhões são 143 dólares por pessoa e 2 trilhões, 1.430 dólares por pessoa (o que, no máximo, numa hipótese extremamente otimista, alimentaria cada pessoa por apenas dois ou três anos e o problema da fome continuaria).
Para usar um dado mais preciso, podemos evocar as contas do Banco Mundial. Dizem esses cálculos que uma pessoa que ganha pelo menos 40 dólares por mês teoricamente conseguiria se alimentar todos os dias, embora da forma mais básica possível. Portanto, se fizermos as contas, chegaremos à conclusão de que acabar com a fome do mundo custaria 600 bilhões de dólares por ano. E tudo isso para manter 1,4 bilhão de pessoas comendo mal, mas comendo. Ou seja, na verdade, seria necessário mais de um trilhão de dólares por ano para manter 1,4 bilhão de pessoas comendo razoavelmente todos os anos e dezenas de trilhões de dólares para mantê-las sem fome por muitos anos. Isso significa um monstruoso Bolsa Família. E aí vem a pergunta: Sustentado por quem? E mais: Isso é realmente viável, plausível? Qual o resultado prático para as nações mais ricas do mundo se resolvessem desembolsar mais de um trilhão de dólares anualmente nessa empreitada? Simples: em vez de acabarem com a fome no mundo, aumentariam-na, a começar em seu próprio território com a bancarrota econômica. Aliás, os mais de 3 trilhões de dólares que os EUA e Europa desembolsaram por ocasião da atual crise é para que todos os setores da economia se recuperem em curto prazo e, assim, as empresas voltem a poder contratar; é para que a recessão acabe em pouco tempo, para que não sejam mais demitidas milhões de pessoas como as dezenas de milhões que já foram demitidas em todo o mundo até agora devido à crise econômica.
Se o problema é fácil de se resolver e sua solução traria uma tremenda repercussão positiva ao benfeitor, não é preciso nem ter compaixão para proceder a solução. Alguém poderia resolver o problema sem ser movido por interesses cândidos. Bastava ser motivado pelo desejo de receber honras e glórias por isso.
Só para citar um exemplo mais nítido do que estou falando: se fosse tão fácil assim resolver o problema da fome no mundo, os próprios EUA, que até poucos dias tinham 15 trilhões de dólares em caixa, já teriam solucionado o problema há muito tempo, já que 20 bilhões representavam, até um dia desses, minúsculos 0,1% do dinheiro do Tesouro americano. Mas, não precisava nem recorrer ao Tesouro. Bastava os dez homens mais ricos do mundo (que juntos somam um patrimônio de cerca de 400 bilhões de dólares) doarem, cada um, 2 bilhões e o problema seria resolvido. O que é 2 bilhões para Warren Buffet, Carlos Slim, Bill Gates, Lakshmi Mital, Mukesh Ambani e seus colegas?
Perceba: se isso não foi resolvido ainda, das duas uma – ou é porque todo mundo é ignorante ou é porque 20 bilhões de dólares simplesmente não extinguiriam a fome do mundo. Precisa ir longe para saber qual das duas opções é a correta?
Sei que talvez seja desnecessário, mas vamos aos números.
Ninguém acaba com a fome do mundo com 20 bilhões, nem com 200 bilhões de dólares e nem com 2 trilhões. Segundo o Banco Mundial e a ONU, há pelo menos 1,4 bilhão de pessoas no mundo passando fome. Ora, 20 bilhões de dólares para 1,4 bilhão de pessoas é 14,3 dólares por pessoa; 200 bilhões são 143 dólares por pessoa e 2 trilhões, 1.430 dólares por pessoa (o que, no máximo, numa hipótese extremamente otimista, alimentaria cada pessoa por apenas dois ou três anos e o problema da fome continuaria).
Para usar um dado mais preciso, podemos evocar as contas do Banco Mundial. Dizem esses cálculos que uma pessoa que ganha pelo menos 40 dólares por mês teoricamente conseguiria se alimentar todos os dias, embora da forma mais básica possível. Portanto, se fizermos as contas, chegaremos à conclusão de que acabar com a fome do mundo custaria 600 bilhões de dólares por ano. E tudo isso para manter 1,4 bilhão de pessoas comendo mal, mas comendo. Ou seja, na verdade, seria necessário mais de um trilhão de dólares por ano para manter 1,4 bilhão de pessoas comendo razoavelmente todos os anos e dezenas de trilhões de dólares para mantê-las sem fome por muitos anos. Isso significa um monstruoso Bolsa Família. E aí vem a pergunta: Sustentado por quem? E mais: Isso é realmente viável, plausível? Qual o resultado prático para as nações mais ricas do mundo se resolvessem desembolsar mais de um trilhão de dólares anualmente nessa empreitada? Simples: em vez de acabarem com a fome no mundo, aumentariam-na, a começar em seu próprio território com a bancarrota econômica. Aliás, os mais de 3 trilhões de dólares que os EUA e Europa desembolsaram por ocasião da atual crise é para que todos os setores da economia se recuperem em curto prazo e, assim, as empresas voltem a poder contratar; é para que a recessão acabe em pouco tempo, para que não sejam mais demitidas milhões de pessoas como as dezenas de milhões que já foram demitidas em todo o mundo até agora devido à crise econômica.
Entretanto, alguém mais razoável pode dizer: “E se fossem investidos 30 bilhões anualmente na produção de alimentos para essas pessoas, como alguém da ONU já sugeriu uma vez?” Mesmo assim, o problema não seria resolvido. Os mesmos que calcularam esse valor para investimento anual na produção de alimentos admitem que, ainda assim, poderia levar até 150 anos para a fome ser totalmente erradicada do mundo. Ou seja, se alguém quiser adiantar o processo, deverá investir não 30 bilhões, mas centenas de bilhões de dólares por ano. Pergunta-se: Quem tem condições de patrocinar não um, mas dezenas de gigantescos pacotes econômicos do tipo do europeu ou do americano e em um período de quase duas décadas?
Portanto, é um tremendo equívoco dizer que “falta apenas vontade política para acabar com a pobreza no mundo”. Para alguns outros problemas do mundo (e inclusive do Brasil), pode faltar essencialmente isso, mas, para o problema da fome no mundo, a solução depende de muitos outros fatores que vão além da boa vontade de países ricos. A solução do problema da fome não passa pela mera transferência de valores da “conta dos ricos” para a “conta dos pobres”. O problema não se resume a uma simples “transferência bancária”.
Outro detalhe: para quem não sabe, a fome no mundo diminuiu consideravelmente nos últimos anos. Segundo dados oficiais do Banco Mundial, havia 1,9 bilhão de miseráveis no mundo em 1981 e, hoje, são 1,4 bilhão. Isto é, há meio bilhão a menos de miseráveis no mundo do que havia 27 anos atrás. E com um adendo: em 1981, a população mundial era de 4,4 bilhões de pessoas. Logo, em 1981, os miseráveis representavam quase metade da população do planeta. Hoje, porém, os miseráveis representam menos de 1/4 da população mundial (são 1,4 bilhão em 6,7 bilhões de pessoas). Pergunta-se: O que afetou o quadro? Advinhem. A resposta é... o liberalismo econômico. Revelam dados do Banco Mundial que foi o choque de liberalismo econômico por que passaram China, Índia, Rússia, Brasil e outros países que provocou, nesse período, uma queda drástica no número de miseráveis nesses países. Só na China, foram 207 milhões de miseráveis que saíram da situação de miséria depois da abertura que o governo chinês promoveu, mesmo que relutantemente, na área econômica. Imagine, então, se a China não mais mantivesse seus trabalhadores em regime quase escravo (o que fere tanto os direitos humanos quanto o próprio princípio do liberalismo econômico).
Portanto, é um tremendo equívoco dizer que “falta apenas vontade política para acabar com a pobreza no mundo”. Para alguns outros problemas do mundo (e inclusive do Brasil), pode faltar essencialmente isso, mas, para o problema da fome no mundo, a solução depende de muitos outros fatores que vão além da boa vontade de países ricos. A solução do problema da fome não passa pela mera transferência de valores da “conta dos ricos” para a “conta dos pobres”. O problema não se resume a uma simples “transferência bancária”.
Outro detalhe: para quem não sabe, a fome no mundo diminuiu consideravelmente nos últimos anos. Segundo dados oficiais do Banco Mundial, havia 1,9 bilhão de miseráveis no mundo em 1981 e, hoje, são 1,4 bilhão. Isto é, há meio bilhão a menos de miseráveis no mundo do que havia 27 anos atrás. E com um adendo: em 1981, a população mundial era de 4,4 bilhões de pessoas. Logo, em 1981, os miseráveis representavam quase metade da população do planeta. Hoje, porém, os miseráveis representam menos de 1/4 da população mundial (são 1,4 bilhão em 6,7 bilhões de pessoas). Pergunta-se: O que afetou o quadro? Advinhem. A resposta é... o liberalismo econômico. Revelam dados do Banco Mundial que foi o choque de liberalismo econômico por que passaram China, Índia, Rússia, Brasil e outros países que provocou, nesse período, uma queda drástica no número de miseráveis nesses países. Só na China, foram 207 milhões de miseráveis que saíram da situação de miséria depois da abertura que o governo chinês promoveu, mesmo que relutantemente, na área econômica. Imagine, então, se a China não mais mantivesse seus trabalhadores em regime quase escravo (o que fere tanto os direitos humanos quanto o próprio princípio do liberalismo econômico).
Isso significa que se todos os países adotassem o liberalismo econômico a fome seria erradicada? Não, seria preciso mais do que isso. O liberalismo econômico não é a salvação do mundo, embora seja, indubitavelmente, o modelo econômico que melhor funciona, ou seja, o que traz melhores resultados práticos positivos, principalmente se aplicado eticamente, obedecendo a princípios bem estabelecidos. Não há sombra de dúvida de que mais resultados positivos consideráveis já poderiam ser conquistados no mundo em relação à erradicação da fome se muitos países deixassem de adotar modelos econômicos que inviabilizam ou tolhem a possibilidade de crescimento econômico de seus cidadãos. Agora, como já disse, não existe uma solução fácil. A solução depende de vários fatores. Logo, se tal modelo fosse voluntariamente implementado (dentro da peculiaridade de cada país) e, juntamente com ele, outras medidas combinadas fossem executadas, o problema da fome seria, mui provavelmente, extremamente reduzido.
Note que não são soluções fáceis. Muitas delas esbarram, por exemplo, na barreira ideológica, política e/ou cultural de muitos países.
Essa breve reflexão sobre os equívocos de uma solução fantasiosa para um problema que toda pessoa de bem gostaria de ver resolvido, independente de credo ou matiz ideológica, leva-me a ressaltar uma verdade a qual não podemos olvidar em nossa atividade reflexiva sobre o mundo: nem todos os meios são válidos para a consecução de um bom objetivo. Na verdade, muitos meios idealizados visando ao bem social, ainda que pregados enfática, sincera e fervorosamente em nome de bons objetivos, ao serem implementados, trazem resultados desastrosos que nos afastam ainda mais do fim almejado. A História está repleta de casos assim. Foram meios equivocados utilizados em nome de boas causas que provocaram algumas das maiores catástrofes da História.
Portanto, urge sempre atentarmos não apenas para o fim pregado e perseguido, mas também para os meios propostos para se tanger esse fim. Não basta analisarmos apenas os alvos; é preciso escrutinar também os processos, os métodos.
O triste, porém, é que essa lógica torta, que não pesa os meios em nome dos fins, que satisfaz-se apenas com os fins sem atentar para a importância dos meios no processo, ainda subsiste e ganha verniz hoje, no dia-a-dia dos debates travados nos meios acadêmicos e midiáticos sobre as principais questões que perpassam a nossa sociedade e que envolvem valores. Por exemplo: essa lógica subsiste na argumentação pró-aborto, na argumentação pró-eutanásia e na argumentação em favor da destruição de embriões para a produção de células-tronco, só para citar alguns casos. É o mal praticado em nome do bem - o aborto, em nome do melhor para a mãe; a eutanásia, em nome do que é melhor para a família; a eugenia, em nome da busca da cura para as pessoas vitimadas por doenças de toda sorte nesta vida. Somados esses três casos, mata-se mais vidas do que em muitas guerras, sendo que ninguém se sensibiliza com esse morticínio, porque, afinal, não há explosões chamando a atenção. É um sofrimento longe dos nossos olhos. Aí, não incomoda. Mas, existe, e Deus vê. Deus vê o mal feito em nome do bem e continua a reconhecê-lo como mal.
Como disse certa vez Victor Hugo, autor de A História de um Crime, "o mal que se comete por uma boa causa continua sendo mal". Ao que lhe perguntaram: "Até mesmo quando faz sucesso?" A resposta: "Principalmente quando faz sucesso".
Parafraseando o romancista francês: defendamos o que é bom (tanto nos fins como nos meios) e mesmo que não faça sucesso.