Ontem, mais uma fraude gnóstica celebrada por teólogos liberais militantes ganhou repercussão na mídia internacional. Trata-se da divulgação de um papiro copta, datado do quarto século d.C., que poderia estar sugerindo – como outras obras gnósticas do segundo século – que Jesus foi casado.
O texto apócrifo, composto por oito linhas, está todo fragmentado, o que dificulta qualquer tentativa de interpretação, como destaca a própria porta-voz da descoberta, a historiadora e cientista da religião Karen Leigh King, da Universidade de Harvard, nos EUA. Ela, porém, que é defensora do Jesus casado do gnosticismo, enfatiza os dizeres da quarta linha, na qual se lê apenas “Jesus disse a eles: Minha mulher” – a continuação da frase não pode ser lida. Na linha seguinte, já se lê: “Ela estará preparada para ser minha discípula”.
Como afirma André Chevitarese, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em matéria no site da revista Veja sobre a descoberta do referido papiro, “usar esse fragmento para dizer que Jesus era casado é sensacionalismo. Seria fazer algo parecido com o que Dan Brown fez em O Código Da Vinci, onde usou trechos do Evangelho de Felipe em copta para dizer que Jesus beijou Maria Madalena. De novo, esse evangelho diz mais sobre as vivências dessa comunidade do que sobre o Jesus real”.
Karen Leigh King, 58 anos, é discípula do teólogo da libertação norte-americano Harvey Cox, propugnadora da teologia feminista nos EUA e membro do grupo Seminário de Jesus, criado em 1985 tendo como objetivo desconstruir o Jesus da Bíblia, defendendo que os Evangelhos devem ser vistos como cheios de invenções sobre a vida de Jesus; que os milagres de Jesus nunca ocorreram porque milagres não podem acontecer; que Jesus nunca ressuscitou; que foi casado com Maria Madalena, com base nos evangelhos gnósticos; que era filho de um adultério de Maria com um soldado romano; e que os evangelhos gnósticos são mais importantes do que os relatos canônicos. Ora, os evangelhos gnósticos são fraudes criadas pelos gnósticos a partir do segundo século da Era Cristã para enganar os cristãos, mas que foram denunciadas ainda em seu nascedouro por Pais da Igreja, como o bispo Irineu de Lyon (130-202dC).
Mais recentemente, em 2004, os militantes do Seminário de Jesus enfatizaram o chamado “Evangelho de Judas”, outro texto gnóstico, escrito aproximadamente em 180 d.C., e que é uma das fraudes gnósticas denunciadas nominalmente por Irineu em sua clássica obra Contra as Heresias.
“Eles produzem uma dessas histórias fictícias, a qual chamam de ‘Evangelho de Judas’”, escreveu Irineu no segundo século d.C. Lembrando ainda que Irineu aprendeu aos pés de Policarpo, que por sua vez foi discípulo direto do apóstolo João, um dos doze apóstolos de Cristo.
Os gnósticos eram uma corrente filosófica forte nos primeiros séculos da Era Cristã, mas que não tinha o apoio nem do judaísmo nem do cristianismo. Suas crenças não têm base bíblica, nem no Antigo nem no Novo Testamento. Essa seita caracterizava-se por misturar os ensinos cristãos com filosofias pagãs e tradições judaicas. Os apóstolos Paulo e João lutaram contra esse movimento. Escrevendo sobre os gnósticos, Paulo afirma: “Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Colossenses 2.8). O motivo de sua preocupação, afirma ele, era “para que ninguém vos engane com palavras persuasivas”.
Os gnósticos são assim chamados porque seu objetivo, segundo afirmavam, era a “gnosis”, isto é, o conhecimento. Eles criam na salvação pelo conhecimento. Os gnósticos adotavam conhecimentos místicos com forte influência da doutrina pitagórica, do platonismo, do Culto de Mitras (mitraísmo) e até mesmo de ensinamentos oriundos do Antigo Egito e da Mesopotâmia (zoroastrismo e mazdeísmo).
Os gnósticos criam que o conhecimento, que denominavam de “gnosis”, podia ser adquirido por meio de transes, quando “o espírito fica livre para circular pelas diversas esferas, assim como pelos sonhos”. Eles criam que o mundo material e o corpo humano foram criados por espíritos inferiores ou até mesmo diabólicos, por isso só a busca por uma sabedoria esotérica ajudaria alguns a libertar-se da “escravidão do corpo”. Por isso, os gnósticos criam que Jesus não era Deus feito carne, mas um espírito possuindo um corpo.
Para sustentar seus ensinos e ganhar apoio entre cristãos, os gnósticos escreveram algumas fraudes, como o Evangelho de Maria, sobre Maria Madalena; e o Evangelho de Pedro, todos rejeitados pela Igreja Primitiva. Eles tentavam vender esses livros como escritos do primeiro século, quando, como se sabe, são obras produzidas no segundo, terceiro e quarto séculos. Na época, quase ninguém caiu nessa história, tendo essas fraudes e seus criadores sido facilmente identificados ainda em seus dias, e suas criações sido solenemente desprezadas pelos cristãos daquele período. Essas fraudes sequer chegaram a ter uma pequena aceitação entre os cristãos.
Diferentemente desses evangelhos apócrifos, confeccionados pelos gnósticos no segundo, terceiro e quarto séculos, os quatro Evangelhos – Mateus, Marcos, Lucas e João – foram escritos ainda no primeiro século, sendo que dois deles foram escritos por dois dos 12 apóstolos de Cristo (caso de Mateus e João) e um outro foi redigido conforme os relatos ditados pelo apóstolo Pedro (caso do Evangelho de Marcos, o mais antigo dos quatro). Lembrando ainda que quando os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas já circulavam, o apóstolo João ainda era vivo. Por essa razão, esses foram os únicos Evangelhos aceitos pela Igreja Primitiva como fidedignos. Irineu, de quem já falamos (que aprendeu de Policarpo, que por sua vez aprendeu aos pés de um dos quatro evangelistas – João), cita os quatro como os únicos verdadeiros. Ele os chama, em sua obra Contra as Heresias, de “Evangelho Tetramorphon”, ou seja, o Evangelho tetramórfico ou quádruplo.
Por sua vez, Orígenes (185-254dC), o mais destacado exegeta bíblico da Igreja Primitiva grega, afirmou que Mateus, Marcos, João e Lucas eram os únicos Evangelhos verdadeiros e escritos “pela inspiração do Espírito Santo”. Ele ainda acrescenta que estes eram os únicos Evangelhos que, em sua época (o terceiro século), eram aceitos por todos. Irineu afirmara o mesmo no segundo século.
O papiro em evidência hoje é só mais uma tentativa da velha militância do liberalismo teológico de tentar seduzir as pessoas incautas a não crerem no que a Bíblia diz. Felizmente, será em vão, mais uma vez.