terça-feira, 9 de outubro de 2007

Reforma Protestante: 490 anos depois, retrocesso

Em 31 de outubro, comemoram-se os 490 anos da Reforma Protestante, um dos maiores acontecimentos da história da Igreja, pois recolocou boa parte dos cristãos no caminho de retorno à Palavra de Deus, ao cristianismo bíblico. Contudo, infelizmente, apesar de todos esses séculos, pouco se compreende e valoriza o significado desse evento. Claro que não devemos nos prender ao passado, mas entender as implicações desse acontecimento é salutar por, pelo menos, três razões.
Em primeiro lugar, para discernirmos alguns posicionamentos do evangelicalismo hodierno. Afinal, o que é ser protestante? Se somos protestantes, o que significa isso? Em que têm reverberado até hoje os princípios reformistas? Será que estamos vivenciando atualmente, no meio evangélico brasileiro e mundial, algum retrocesso em relação à Reforma?
Em segundo lugar, conhecer o protestantismo é importante porque nos estimula a grandes empreendimentos no Reino de Deus. A história da Reforma é marcada por uma fé engajada e poderosa. A fé dos antigos protestantes e seus exemplos nos servem de inspiração para a vida cristã.
Por fim, em último lugar, saber nossa história, como se deu a trajetória da Igreja até os nosso dias, auxilia-nos a evitar equívocos futuros.
Tendo em mente isso, a partir de hoje quero dar início a uma série de três artigos sobre a importância da Reforma Protestante, artigos que serão postados ainda este mês. Este é o primeiro da série e, para começar, falaremos do atual retrocesso que boa parte dos evangélicos tem vivenciado em relação aos princípios do protestantismo.

O que é ser protestante?

O que é ser protestante?
Ser protestante é pregar e viver todos os princípios da Reforma. Quais são eles? Os principais são Sola gratia (só a graça), sola fide (só a fé), sola Scriptura (somente as Escrituras) e sola Deo gloriae (somente a Deus a glória). Esses quatro lemas básicos sintetizam as verdades de que a salvação é apenas pela graça de Deus, mediante a fé; Jesus é o único mediador entre Deus e os homens; as Sagradas Escrituras devem ser a nossa única regra de fé e prática; e só Deus deve receber adoração.
Nós, protestantes, não aceitamos o confessionário, o jejum nos moldes clericais e o celibato compulsório. Com base no que nos ensina a Palavra de Deus, não reconhecemos o primado e a autoridade papal (reconhecemos o papa apenas como um líder religioso, mas não como o representante máximo do cristianismo nem muito menos reconhecemos seus ensinos como infalíveis, seja quando fala "ex cátedra" ou não, ou mesmo em seu ofício de "repetir o magistério ordinário"). Não reconhecemos também o culto à Maria, mãe de Jesus, ou aos santos. Repugnamos a venda de indulgência (perdão) ou bênçãos, quaisquer que sejam; a supersticiosidade e o uso de iconografia na adoração (imagens); a canonização de cristãos e a salvação pelas obras; o mercantilismo da fé; a idéia do purgatório e orações ou cultos pelos mortos. Dos sacramentos ministrados pela Igreja Romana, só administramos, pela Bíblia, o batismo e a Santa Ceia, que não tem o mesmo significado e liturgia da eucaristia católica. Quanto ao batismo, há igrejas protestantes que se assemelham a Roma neste ponto, no que concerne à execução, mas não são maioria.
Sociologicamente, o protestantismo é dividido em três ramos: histórico, pentecostal e pára-protestante.
O protestantismo histórico é formado pelas igrejas constituídas a partir da Reforma. São elas a luterana, as reformadas, a presbiteriana, a anglicana, a batista, a congregacional e a metodista.
Pára-protestantes são as seitas que se originaram no meio protestante. A característica principal delas é asseverar que a doutrina que pregam, que vai além das Escrituras, trata-se de uma revelação divina especial que receberam. São exclusivistas. Nesse ramo, temos os mórmons, os adventistas e as testemunhas de jeová. De forma geral, só essas seitas protestantes são reconhecidas pela Sociologia. As demais são vistas como apêndices do pára-protestantismo.
O protestantismo pentecostal, terceiro e último ramo, é dividido pelos sociólogos em duas classes: pentecostalismo tradicional e neopentecostalismo. O pentecostalismo tradicional, do qual faz parte a Assembléia de Deus, nasceu com o mover do Espírito Santo no fim do século 19 e começo do 20. Vários protestantes de todas as denominações históricas redescobriram e receberam a experiência do batismo no Espírito Santo como bênção subseqüente à Salvação, com evidência física de se falar em outras línguas. Tal experiência significava um revestimento de poder do Alto, que possibilita ao cristão o uso de dons espirituais que há séculos haviam sido relegados pela Igreja. O título "pentecostal" é uma referência ao episódio de Atos 2, ocorrido no período da festa judaica chamada Pentecostes.
No início desse movimento, a idéia não era abrir novas igrejas, mas reavivar o fulgor protestante, fazendo com que os cristãos se voltassem a algumas doutrinas esquecidas. Como as igrejas não aceitavam tais manifestações, os cristãos "pentecostalizados", expulsos de suas congregações de origem, se agruparam e formaram outras igrejas, fazendo nascer o ramo pentecostal, consolidado durante os anos. Foi assim que nasceram as igrejas Assembléia de Deus, O Evangelho Quadrangular, Igreja de Deus, Igreja de Cristo, Assembléia de Cristo (essas três últimas são dos EUA; as brasileiras que detêm esses nomes, e não são fruto do trabalho de missionários dessas denominações norte-americanas, são neopentecostais), Igreja Pentecostal (há várias igrejas pentecostais tradicionais no mundo com esse título), etc.
Dentro do pentecostalismo tradicional, há algumas denominações mais novas que são incluídas, tais como O Brasil para Cristo (fundada em 1955) e as igrejas renovadas: Batista Renovada, Presbiteriana Renovada, Metodista Wesleyana, etc. Algumas destas últimas são um tanto recentes no Brasil, sendo mais antigas em outros países. Há outros sociólogos que classificam algumas delas como neopentecostais.
O neopentecostalismo surge na década de 70. Ele compreende denominações como a Universal do Reino de Deus, as comunidades evangélicas, os centros de evangelismo e adoração (muito comuns nos EUA), a Igreja da Graça e tantas outras. É incalculável o número de igrejas neopentecostais no Brasil. A cada semana nascem mais no nosso país. No mundo, então, é uma loucura. As igrejas neopentecostais são caracterizadas por modismos teológicos, inconsistências doutrinárias, o uso de elementos de toque na liturgia, a ênfase no exorcismo e curas, teologia da prosperidade e sincretismo religioso.
Apesar do grande número de igrejas neopentecostais no Brasil, há mais pentecostais históricos do que neopentecostais no Brasil. O problema é que a influência neopentecostal, principalmente pela mídia, é grande em nosso país, inclusive entre membros de igrejas pentecostais tradicionais.

Retrocesso

É evidente que apesar de os sociólogos terem colocado no bolo protestante seitas como os mórmons, os adventistas e as testemunhas de jeová, classificando-as como pára-protestantes, esses grupos não têm nada a ver com o genuíno protestantismo. Por quê? A partir do momento que temos como ponto fundamental da teologia protestante as Escrituras como única regra de fé e prática, e esses movimentos não observam isso, não podemos considerá-los protestantes. Há vários pontos esposados por esses grupos que se chocam frontalmente com a genuína doutrina bíblica.
Outra constatação é que o bojo neopentecostal também não pode julgar-se herdeiro da Reforma se seus princípios batem de frente com pontos básicos e inegociáveis do protestantismo. Não queremos generalizar, mas muitos desses grupos pregam e praticam coisas que envergonham o protestantismo. Em alguns casos, toda a doutrina protestante chega a ser destruída. Se não, vejamos: Não seria a promessa de felicidade, bênçãos e vitória através de uma contribuição financeira mais que generosa a volta do princípio da venda de indulgências e bênçãos? Não seria o uso de elementos como galhinho de arruda, sal grosso e copo d'água na liturgia uma volta ao misticismo medieval, tão condenado pelos reformadores? A teologia da maldição hereditária e da prosperidade não seriam um vilipêndio à doutrina da graça?

55 comentários:

Esdras disse...

Deus seja louvado por esse primeiro artigo, exposto com objetividade, concisão e simplicidade.

Silas Daniel disse...

Caro Esdras,

Procurei ser o mais objetivo possível, já que não dá para esgotar tão importante assunto em uma única postagem. Esta é só o primeiro de uma série de artigos que estarei postando neste blog, neste mês, sobre a relação entre a Reforma e nós hoje.

Unknown disse...

Gostei muito deste artigo, esclarece muitas coisas.

Eliseu Antonio Gomes disse...

Prezado Pr Silas Daniel

Tenho acompanhado seu blog e tido o prazer de ler e indicar que outros o leiam. Indico virtualmente e também em pessoa, aos amigos e parentes e até aos descrentes.

Não é sem propósito. Primeiro por notar que o dom que Deus lhe deu é singular – e por ser portador de tal dom sei que sabe muito bem que este dom é para o bem coletivo e crescimento espiritual de todos, da Igreja como organismo Corpo de Cristo. Em segundo lugar, eu o indico porque nem todos os cristãos ainda o conhecem e nem todos estão acostumados com boas leituras na internet.

Sobre a Reforma, concordo com o que postou, porém, gostaria de comentar que nós seres humanos temos a tendência de pensar que o passado sempre é melhor do que o presente. Às vezes isso é fato, às vezes só uma ilusão.

No passado é incontestável o papel de Martinho Lutero na origem do protestantismo. Mas ele também foi um alguém falho, além de ser o responsável pela tradução da bíblia ao idioma alemão (de valor inestimável), foi autor do livro "Sobre os judeus e suas mentiras" (livro vergonhoso!). É triste constatar que esse livro serviu de inspiração para a tentativa de erradicação do povo judeu, levando grupos de protestantes a pensarem que os judeus eram um mal que deveria ser exterminado. Lutero incorporou o anti – semitismo, escreveu: "... suas sinagogas deveriam ser queimadas, suas casas destruídas e arrasadas, deveriam ser privados de seus livros de orações e do Talmud, seus rabinos deveriam ser proibidos de ensinar sob pena de serem mortos, se não obedecerem, deveríamos expulsar os preguiçosos velhacos para fora do nosso sistema, portanto, fora com eles... Para acrescentar, caros príncipes e nobres que têm judeus em seus domínios, se meu conselho não lhes serve, encontrem então um melhor, de maneira a que todos nós sejamos libertos desta insuportável carga diabólica - os judeus" (Fonte: The Holy Reich: Nazi Conceptions of Christianity de Richard Steigmann - 2006).

Bem, o que quero dizer com isso? Que nós devemos nos pautar sempre na observância da Palavra de Deus. Rótulos são rótulos apenas... Colocar o estigma de protestante, pentecostal ou neopentecostal ou tradicional pode ser um muro de divisão e não a ponte que Deus quer que os cristãos construam. Pode levar às obras da carne.

Eu sou falho, mas em meu esforço para raciocinar, tendo a Palavra de Deus como base, me leva a pensar que através do orgulho de ser pentecostal também corremos grandes riscos de pecar contra os neopentecostais e tradicionais.

Termino voltando a dizer que concordo o seu artigo. Minha observação é apenas um adendo mostrando um lado que poucos costumam mostrar sobre Martinho Lutero. Minha ênfase se dá por razão de alertar para novos Luteros – grandes homens com grandes altos e baixos históricos.

Paz do Senhor.

Silas Daniel disse...

Caro Eliseu,

Obrigado por sempre indicar e divulgar este blog. Pela graça de Deus, procuro ser bênção para a vida de todos que entram aqui.

Sobre a primeira colocação, quero apenas lembrá-lo que, na abertura deste artigo, afirmo: “Claro que não devemos nos prender ao passado, mas entender as implicações desse acontecimento é salutar por, pelo menos, três razões”. E a terceira razão apresentada é: “Saber nossa história, como se deu a trajetória da Igreja até os nossos dias, auxilia-nos a evitar equívocos futuros”. Repito: “auxilia-nos a evitar equívocos”.

O erro de muitos que olham para a Reforma é o de querer ver apenas os acertos dos reformadores, esquecendo seus erros, e aí criam uma visão romântica da Reforma e não realista (quando a visão realista não diminui a importância da Reforma, muito pelo contrário – como mostrarei em postagem futura).

Olhar para o passado da Igreja é bom porque aprendemos grandes lições em dois sentidos: aprendemos com os acertos dos servos de Deus do passado e com os erros deles também.

Como você tocou no assunto das falhas dos reformadores, sou forçado a te adiantar meu segredo de que o terceiro artigo desta série de três artigos será justamente sobre as falhas dos reformadores. Portanto, não quero me aprofundar muito agora no assunto, porque senão terei que antecipar o conteúdo todo do artigo. A série obedece a uma seqüência lógica: neste primeiro artigo, a proposta é apresentar o que é o protestantismo e, sabendo o que é, comparar se estamos hoje, 490 anos depois, seguindo ou não os princípios bíblicos da Reforma; o segundo artigo é sobre as grandes conquistas da Reforma que devem nos inspirar; e o terceiro é sobre as falhas dos reformadores. Portanto, vamos por etapas! Porém, mesmo assim, como você levantou um tema polêmico sobre Lutero, não poderia esquivar-me de responder essa questão, antecipando, um pouco que seja, algo sobre as falhas dele.

Em primeiro lugar, lembremos que os reformadores não eram super-homens espirituais assim como Abraão, Isaque, Jacó, Elias, Davi, Salomão e outros servos de Deus no passado não eram. Todos estes que citei tiveram falhas, umas maiores, outras menores, mas todos tiveram. E sabe qual é uma das coisas mais lindas que acho na Bíblia? É que ela não esconde as falhas dos heróis da fé. Já imaginou se escondesse? Se ela o fizesse, ao lermos a história dos homens de Deus na Bíblia, diríamos: “Meu Deus, eles eram tão perfeitos! Não há como eu poder ser usado por Ti como eles foram, pois sou tão falho...”

Graças a Deus por não esconder as falhas dos heróis bíblicos, por mostrar como eles realmente são! (Diferentemente do que faziam os historiadores das nações da Antiguidade. Eles eram funcionários do reino e, por isso, tão tendenciosos que muitos deles escondiam todas as falhas dos reis, exaltavam só as virtudes e ainda escondiam relatos de derrotas em guerras contra outras nações. Relatavam só as vitórias. Para saber a verdade sobre esses povos, os historiadores tiveram, em muitos casos, de comparar o que historiadores de nações inimigas diziam sobre aqueles reis).

A Bíblia, porém, não mente, não camufla. Deus não dá “jeitinho” pra ninguém. A Bíblia mostra ao ser humano que ele, ser humano, é falho mesmo e extremamente necessitado e dependente da graça, da misericórdia e do perdão de Deus para ser restaurado, abençoado e se tornar uma bênção.

Enfim, o que vemos na Bíblia é que Deus não faz a obra simplesmente através de nós. Ele faz Sua obra através de nós e “apesar de nós”, ou seja, apesar de nossas falhas. Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós e pôde ser usado por Deus como foi (Tg 5.17). Davi foi tremendamente falho, mas se arrependeu e pôde ser usado por Deus como foi. Nós somos falhos, mas podemos ser usados por Deus apesar de nossas fraquezas.

Então, não precisamos olhar para a Reforma para aprender que homens de Deus podem falhar. Basta lermos a Bíblia. Quem lê a Bíblia não se impressiona com a fraqueza humana, mesmo nos filhos de Deus.

Agora, em segundo lugar, devemos aprender a fazer distinção entre os que erram por fraqueza e os que erram por falta de conversão mesmo, porque são ímpios. No primeiro caso, não devemos ignorar os erros, mas também não devemos comprometer toda a obra de uma vida dedicada ao Senhor por causa desses erros isolados. Lutero e Calvino foram grandes homens, apesar de suas terríveis falhas. Já no último caso, devemos rechaçar esses falsos irmãos, que dizem que estão no Evangelho, mas o Evangelho não está realmente neles. Estes podem não se envergonhar do Evangelho, mas ele se envergonha deles.

Bem, mas vamos a Lutero e os judeus.

Uma das fraquezas de Lutero era justamente seu temperamento instável. O mesmo Lutero que escreveu isso sobre os judeus escreveu antes coisas lindas sobre eles. E numa época em que falar bem dos judeus era extremamente impopular!

O que os críticos de Lutero esquecem, quando citam essa fraqueza dele em relação aos judeus, é que, hoje, soa claramente repugnante essas palavras de Lutero, já que estamos em uma época onde temos uma cultura geral muito mais acumulada do que na época dele, e por isso podemos ver facilmente, independente de sermos cristãos ou não, o quão terrível são essas palavras. Mas, na época em que Lutero disse isso, a maioria esmagadora do povo em geral (ou seja, de todas as classes sociais de sua época, religiosos ou não) aprovou o que ele disse! Por quê? Por que os judeus eram vistos em sua época erroneamente como uma praga para a sociedade devido a alguns costumes terríveis que eles tinham. A hostilidade aos judeus naquela época não era algo “sui generis”. Era, infelizmente, o senso comum. Não era só por causa daquela história de “caia o teu sangue sobre nós” (Mt 27.25), que fez com que a Igreja Católica, no passado, os visse como malditos. Isso ajudou e muito, mas não era tudo.

A comparação que farei a seguir nem de longe é perfeita, mas serve, porque estamos falando de rejeição e impopularidade a uma pessoa ou grupo em uma determinada época. Pois bem, vamos a ela. O que Lutero disse em sua época é como se alguém, nos dias de hoje, tivesse dito: “Destruam a casa de Bush, tirem seus bens, queimem tudo, deixem ele na pobreza!” Com certeza, tal discurso arrancaria hoje o aplauso da maioria esmagadora da população mundial (ou mesmo a maioria da ocidental). Tal era a impopularidade dos judeus na época!

Mas, por que essa impopularidade?

Os judeus eram vistos como criminosos por causa de assassinatos e, principalmente, profanação de templos cristãos. Mas isso era por parte dos judeus pobres (e mesmo assim era um estereótipo, uma generalização, mas era assim que eram vistos; os crimes de muitos destes judeus pobres faziam todos os demais sofrerem com esse estereótipo). Os judeus ricos, por sua vez, tinham a fama de serem opressores e maus (mesquinhos e exploradores), enquanto os cristãos ricos eram vistos como caridosos e bons. Vide o clássico “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, que se fosse feito nos dias de hoje, levaria o Bardo à cadeia como anti-semita, mas na época foi visto como natural. Era a visão da época sobre os judeus. Some-se a isso a rixa étnica e religiosa entre cristãos e judeus, e pronto: os judeus eram o maior mal da humanidade. Erro, mas era o senso comum.

Só para se ter uma idéia: na época de Lutero, era comum encontrar pinturas degradantes que associavam judeus a excrementos. Em uma delas, do século 15, poucas décadas antes de Lutero, os judeus eram representados se alimentando do esterco que caia do fundo de uma porca. Mais terrível impossível!

Pois bem, é nessa conjuntura que Lutero escreve algo que choca o povo de sua época: textos a favor dos judeus. Contra todo o legado antijudaico da Idade Média, ele escreve enfaticamente em seu livrete intitulado “Que Jesus Cristo nasceu como judeu”, de 1523, que Deus “honrou os judeus acima de todos os povos” e que, por isso, “os cristãos deveriam tratar os judeus de modo fraterno”. Isso foi um escândalo para a época! Lutero só conseguiu transcender a forte cultura daquela época afirmando tal coisa porque os reformadores tentavam se ater à Palavra de Deus, e não aos aspectos culturais de sua época.

Mas se isso já era um escândalo, o que dizer do que se segue? Escrevendo em contraposição à proibição canônica medieval do casamento entre cristãos e judeus (sem estes terem se convertido), Lutero chegou a propor algo que é até liberal demais em relação às Escrituras: ele chegou a considerar normal um cristão protestante casar com um judeu não-convertido ao protestantismo (E a questão do jugo desigual, Lutero?). Leia o que ele diz, registrado em obras como “As Reformas na Europa”, de Carter Lindberg (Sinodal, 2001, págs. 435 e 436): “Assim como posso comer, beber, dormir, passear, cavalgar, negociar, conversar e trabalhar com um gentio, judeu, turco ou herege, também posso casar com ele e continuar casado, e não te importes com as leis loucas que to querem proibir. Pois é fácil encontrar cristãos que por dentro são descrentes piores – e esses são maioria – do que qualquer judeu, gentio, turco ou herege. Um gentio é homem ou mulher criado por Deus tão bem como São Pedro, São Paulo e Santa Luzia, sem falar de [o outro extremo] um cristão imprestável e hipócrita”.

Na época que Lutero disse isso, casar com judeu, turco, herege ou gentio (pagão) era, aos olhos de muitas pessoas daquele período, como é para nós hoje um cristão casar com um espírita (aliás, nada diferente daquela época, pois trata-se de jugo desigual à luz da Bíblia), ou como, em uma região de xenofobia e preconceito racial, pessoas de etnias diferentes e adversárias casarem entre si - o que já é puro preconceito e pecado. (Mas, calma, esse era só mais um rompante de Lutero, que no final não apoiou o casamento de protestantes com pessoas de outra fé - só se já eram casados antes de se tornarem protestantes).

Então, o que fez Lutero mudar tão radicalmente de opinião, indo de um extremo ao outro?

Dizem os historiadores que essas suas terríveis palavras foram escritas porque, mesmo Lutero apoiando os judeus, estes desprezavam tanto a ele como aos protestantes. Então, o reformador, ressentido, no final da vida, escreveu aquela tolice, que foi algo momentâneo, já que seu temperamento era instável. Prova de que foi momentâneo é que seus seguidores e amigos da Reforma luterana defenderam os judeus. Urbano Rhegius, que era um deles, defendeu, com argumentos esclarecedores, a tolerância em relação aos judeus como concidadãos que deveriam ter direitos iguais e serem respeitados por todos. Quando ele escreveu isso, depois de Lutero dizer aquelas tolices, o reformador não rebateu nada, e olha que ele era do tipo que, se alguém de dentro ou de fora dissesse algo que contestasse algo que defendera, com certeza prepararia uma tréplica. Mas, nesse caso, ocorreu uma excepcional exceção, o que demonstra que Lutero escrevera aquelas tolices em um rompante tresloucado.

Agora, sobre o fato de os nazistas terem se aproveitado desses textos precipitados de Lutero, nada mais lógico. Os nazistas usaram de tudo à sua mão, até as palavras tolas de Lutero, e o fizeram totalmente fora de contexto. Sobre o uso posterior que os nazistas fizeram desses escritos do pai da Reforma, Lindberg afirma que é importante enfatizar que “Lutero, bem como outros autores católico romanos, precisam ser vistos em seu contexto histórico”. E mais importante ainda: a animosidade tresloucada e temporária de Lutero para com os judeus não tinha motivos racistas. Como assim? Citando historiadores, Lindberg lembra: “Lutero identifica um judeu por suas crenças religiosas, e não por sua raça. A identificação de um judeu por sua raça é, em qualquer caso, um conceito estranho ao século 16. Se um judeu se convertia ao cristianismo, tornava-se um irmão ou irmã em Cristo. Já para o anti-semitismo racial, a crença religiosa é em grande parte irrelevante. Não obstante, as afirmações hostis de figuras do Renascimento e da Reforma muito provavelmente parecerão ainda mais terríveis hoje em dia, vistas sob o pano de fundo de Auschwitz, do que quando foram feitas originalmente”.

Moral da História: aprendamos com os erros e acertos dos reformadores. Seus erros nem devem ser esquecidos nem também devem diminuir a importância do que os reformadores fizeram sob a graça e a inspiração divinas.

Um abraço!

Anônimo disse...

A Paz do Senhor pastor Silas!

É importante esta reflexão visto que ela nos serve como instrumento aferidor do evangelicalismo moderno.

É verdade também que os mais radicais -da atual ala Reformada- não consideram nem mesmo a Assembléia de Deus como Protestante por causa da ênfase nas línguas estranhas e dons espirituais. Contudo, sabemos que não somos um movimento em busca de uma teologia. Tudo o que experimentamos acha-se pautado nas Escrituras Sagradas.

Outra crítica também a nós (assembleianos) é o tão polêmico 5 pontos do arminianismo. Todos sabem que foram combatidos no Sínodo de Dort. Contudo, penso eu, que estes pontos são embates teológicos e a salvação está acima destes entraves. Não entendo que a salvação está limitada a uma hermenêutica mais eficaz e refinada.

Graças a Deus há uma preocupação por parte de vários pastores e líderes da Assembléia de Deus em lutar e batalhar cada vez mais pelos pontos fundamentais da Reforma.

Um adendo: O senhor esqueceu da CCB ou não a considera Pentecostal clássica? Qual a sua classificação?

Quanto aos Neopentecostais, me perdoe, mas é uma vergonha para o evangelicalismo. Sem comentários. Na verdade não deveriam ser classificadas como pentecostais, pois, não buscam o batismo com o Espírito Santo e nem os dons espirituais. Estão em busca de prosperidade financeira, fortificam a ênfase no homem e criam dezenas de distorções bíblicas a todo instante. Infelizmente, em algumas de nossas igrejas este modelo neopentecostal tem sido introduzido através de letras de hinos cantados pelos mais "famosos" cantores.

Que Deus nos guarde e nos direcione cada vez mais para os PRÍNCIPIOS da Reforma Protestante.

Pb Gilson Barbosa.

Pastor Geremias Couto disse...

Caro Silas Daniel:

Passei por aqui e me deparei com essa obra prima escrita em linguagem fácil e acessível a todos. Sou defensor apaixonado de se escrever para que as pessoas entendam e com argumentos consistentes que não deixem de fora nenhum lado da questão.

Esse tem sido o seu caso. A sua resposta ao nosso caro amigo Eliseu, então, é extremamente elucidativa. Não há reparos. Queiramos ou não, sempre somos colocados em posição de julgamento, principalmente em relação à história, o que nos exige capacidade crítica para ver todos os ângulos da realidade então vivida para que possamos apreender com os erros e acertos dos que fizeram lá atrás a sua própria história. Você foi simplesmente magistral! Parabéns!

Vale citar, inclusive, que muitos irmãos cessacionistas, já em outro assunto, citam erradamente que jamais houve manifestação sobrenatural entre os reformadores, nem mesmo do fenômeno das línguas estranhas, o que não corresponde à verdade dos fatos, pois há registros fiedígnos que mostram o Espírito de Deus agindo livremente naquela época.

Ou seja, não podemos pinçar este ou aquele ponto em nosso estudo da história sob pena de incorrermos numa visão distorcida dos fatos. Precisamos, isto sim, olhar todos os seus ângulos para que o nosso julgamento seja o mais imparcial e verdadeiro possível.

Abraços.

Eliseu Antonio Gomes disse...

Pr Silas

Obrigado pelo uso do seu tempo nesta resposta.

Estou aguardando a conclusão desses artigos. E saiba que eu já tinha em mente que entraria nesta abordagem... Apenas comentei o que é mais comum encontrar sobre o comportamento da maior parte das pessoas, elas comparam o passado com o presente e quase sempre desvalorizam o agora superestimando o que já se foi. Como descreveu, há o romantismo, mesmo.

E com certeza usarei seus argumentos usados à minha resposta e o material da "trilogia temática" em minhas conversas com alguns opositotes da nossa fé. Com frequência sou questionado por eles referente esse assunto.

Fique com Deus.

Silas Daniel disse...

Olá, Gilson! A Paz do Senhor!

Sobre o primeiro ponto: ainda há cristãos de igrejas reformadas que são anti-pentecostais, mas estes já não são mais maioria. Eu mesmo, um pastor pentecostal, já estive pregando algumas vezes em igrejas presbiterianas, congregacionais e batistas de linha tradicional (acontecimento que, décadas atrás, seria considerado absolutamente improvável). Nossos irmãos reformados, em sua maioria, já abriram os olhos para peceber que os pentecostais clássicos são protestantes de primeira linha, pois as poucas diferenças doutrinárias que temos não envolvem doutrinas bíblicas fundamentais e os princípios da Reforma são igualmente aceitos pelo pentecostalismo clássico. Claro que, de uma região para outra do Brasil, os anti-pentecostais ora são um pouco mais presentes ora menos, mas, no geral, estão desaparecendo. Graças a Deus, a coerência está prevalecendo.

Sobre o segundo ponto: o embate teológico entre arminianismo e calvinismo trata-se de uma das lutas mais desnecessárias e inglórias da história do cristianismo. Sou 100% pentecostal e 100% arminiano (quanto ao entendimento da mecânica da Salvação), mas isso em nada me impede de considerar como irmão em Cristo, caminhando para o Céu como eu, um cristão sincero, piedoso e espiritual que seja calvinista "não-xiita" (até porque é muito difícil encontrar um calvinista "xiita" que tenha todas essas outras qualidades).

(Aproveitando: depois que descobriram que os sunitas também são radicais, o termo "xiita" já está ficando esclerosado)

Em 1971, em uma de suas três palestras em uma conferência calvinista em Schloss Mittersill, na Áustria, o reverendo David Martin Lloyd-Jones, considerado "o último dos grandes puritanos da Igreja da Inglaterra" (pra quem não sabe, puritanos são, por definição, calvinistas), afirmou o mesmo em relação aos arminianos. Ele, um dos maiores nomes (talvez o maior) entre os calvinistas de sua época, e um grande homem de Deus, afirmou ser tolo alguns calvinistas continuarem se digladiando com os arminianos em minúcias, pois tanto o arminianismo quanto o calvinismo não discordam sobre a mensagem da Salvação e também não discordam sobre o método da Salvação, mas apenas sobre a mecânica da Salvação. Ora, você pode ser salvo por Jesus sem entender perfeitamente como se dá a mecânica da Salvação; você só não pode ser salvo se você não entende a mensagem e o método da Salvação.

Sobre o Sínodo de Dordrecht (ou simplesmente Dort), de 1618 e 1619, além das questões políticas envolvidas, ele nada mais era do que o reflexo claro de uma época em que o calvinismo reinava soberano no meio protestante.

O que estou dizendo quando falo de "questões políticas envolvidas"? É que, depois da morte de Arminius (que na verdade se chamava Jacob Hermandszoon, mas resolveu usar como sobrenome o nome latino "Arminius") facções radicais opositoras do governo de seu país (a Holanda, que era calvinista) como já eram contra o governo mesmo, resolveram aproveitar a controvérsia entre os seguidores de Arminius (que cresciam na Holanda) e os demais cristãos calvinistas para se declararem arminianos. Ora, eles já eram opositores antes de a controvérsia existir e só por conveniência política se declararam arminianos, incluindo desonestamente o componente religioso à sua luta. O Sínodo de Dort não teve como pano de fundo apenas a controvérsia sobre a mecânica da Salvação, mas fatores políticos. Rechaçando totalmente o arminianismo, colocando-o definitivamente como heresia, se quebrava o poder do discurso religioso que as facções políticas estavam usando para incrementar sua luta. Por isso, o Sínodo de Drt nasceu originalmente como um sínodo nacional, mas acabou, durante sua realização, se tornando um sínodo internacional calvinista, já que delegações da Inglaterra, dos estados alemães reformados, da Suíça e de Genebra (que nessa época não era ainda parte da Suíça) se fizeram presentes, o que deu mais peso político à decisão.

E quando eu destaquei que o Sínodo de Dort nada mais era do que o reflexo claro de uma época em que o calvinismo reinava soberano no meio protestante, estava chamando atenção para o fato de que, hoje, quando o arminianismo prevalece no meio evangélico (a maioria esmagadora dos evangélicos do mundo hoje são arminianos), muitos arminianos dão aos calvinistas o mesmo tratamento que estes davam aos arminianos quando o calvinismo era maioria esmagadora. As duas únicas diferenças é que não há mais o componente político envolvido e as nações ocidentais adotam agora o regime democrático (graças a Deus).

Em relação a pontos doutrinários secundários, a hegemonia de uma posição em relação a outra geralmente leva muitos da posição hegemônica a serem tentados a considerar a minoria esmagada como herege. Muitos calvinistas fizeram isso no passado com os arminianos, quando o calvinismo era maioria esmagadora. Muitos arminianos fazem o mesmo em relação aos calvinistas hoje, quando o arminianismo é maioria esmagadora.

Há livros e mais livros que condenam o calvinismo chamando-o de heresia. Cheguei a ler trechos de um em inglês (não publicado no Brasil ainda) e que foi emprestado a mim por um amigo. Essa obra tem mais de 600 páginas dedicadas a provar minuciosamente que o calvinismo é uma heresia. Aliás, há muitos arminianos que tratam os calvinistas como hereges. Só concordo com esses irmãos quando eles alertam para o perigo que há de muitos calvinistas se tornarem fatalistas. Geralmente esse risco do fatalismo acontece, e muito, com aqueles calvinistas herméticos. Porém, esses colegas esquecem que nem todos os calvinistas são assim. Muitos calvinistas sinceros reconhecem que há certa contradição em suas afirmações, mas procuram crer, apesar das contradições, que Deus é justo em todo o processo. Sua posição é mais ou menos a seguinte: "Creio que a mecânica da Salvação funciona assim. Sei que parece contraditório, mas prefiro não especular sobre detalhes que estão além da nossa compreensão. E sei também que a Salvação pode ser recebida independente de eu entender perfeitamente como se dá essa mecânica". Para mim, a diferença básica entre arminianos e calvinistas é que os primeiros crêem que, à luz da Bíblia, podemos entender perfeitamente a mecânica da Salvação sem que ela soe contraditória. O calvinista sincero, porém, prefere silenciar diante do "mistério da mecânica da Salvação" e continuar a cumprir o "Ide" de Jesus em Marcos 16.

Sobre o terceiro ponto: esquecei de colocar a Congregação Cristã. Porém, é importante frisar que, apesar de a Congregação Cristã ter nascido no pentecostalismo clássico, as posições que essa denominação foi tomando em curto tempo de existência já a afastaram do pentecostalismo clássico há muito tempo.

Sobre o quarto e último ponto: os neopentecostais só aparecem nesse artigo como fazendo parte da árvore do protestantismo porque, como expliquei no próprio artigo, primeiro estou apresentando uma definição sociólogica da árvore do protestantismo, que inclui o neopentecostalismo, para depois analisar, à luz dos princípios da Reforma, se os neopentecostais devem continuar mesmo sendo definidos como protestantes ou não seria melhor vê-los como pára-protestantes. Pelo artigo, dá para entender minha posição sobre esse assunto.

Uma abraço!

Silas Daniel disse...

Prezado pastor Geremias,

Obrigado por suas palavras motivadoras. Como costumo dizer, pela graça de Deus, tento fazer o melhor neste blog. E suas colocações sobre o cessacionismo, aproveitando o gancho do assunto, foram precisas. É isso mesmo.

Aproveitando: recebi o convite para participar daquela reunião no Rio de Janeiro promovida pela Associação Billy Graham sobre o Projeto Esperança. Legal que ela tenha sido marcada para o dia 31 de outubro - Dia da Reforma.

Não sei se irei, mas, indo, nos veremos lá. Se Deus quiser.

Um abraço!

Silas Daniel disse...

Caro Eliseu,

Que bom que pude ajudá-lo. Fique à vontade para usar o material deste blog, sempre citando a fonte, claro.

Um abraço!

Victor Leonardo Barbosa disse...

Revi ontem o filme Lutero, protagonizado por Joseph Fiennes. Ele me fez lembar um pouco de como a igreja está se tornando: cada vez mais parecdida com a igreja medieval naquela época: supersticiosa, abuso de poder e autoridade, doutrinas extras e anti-bíblicas.
É verdade que Lutero cometeu erros, mas muitos podem ser suavizados à luz da história, obviamente não justificados.
parabéns pla postagem pastor Silas, que Deus lhe abençoe mais e mais.

Abraços e Paz do Senhor!!!
Estou esperando a nova postagem!!!

Silas Daniel disse...

Victor, a Paz do Senhor!

A Reforma foi um avivamento, já que avivamento é a ressurreição de algo que estava morto ou o resgate de algo que estava perdido. Pois bem, nesse sentido, o meio evangélico precisa de uma nova Reforma. Ou seja: precisa de um avivamento, que consiste em uma volta à Palavra. Oremos por isso e, concomitantemente, façamos a nossa parte!

Um abraço!

(P.S.: Estou só dando um tempo para que a atual postagem seja um pouco mais "degustada" e logo passarei para a Parte 2 do assunto).

Anônimo disse...

Excelente artigo. Cada leitura feita nesse blog tem sido um aprendizado e uma grata experiencia.

Já estou com saudades de suas pregações aqui em Artur Rios.

Abraço!

Silas Daniel disse...

Olá, João!

Obrigado por suas palavras motivadoras. As muitas viagens tem me feito ausentar-me de nossa igreja nos últimos dias, mas em breve estaremos mais presentes de novo.

Um abraço!

Esdras Costa Bentho disse...

Kharis kai eirene.
Prezado Pr. Silas Daniel, meus parabéns por esse importante post sobre Lutero e a Reforma Protestante. Infelizmente as nossas escolas seja pública seja privada, até mesmo algumas que se dizem de tradição reformadas, deixam de comemorar a Reforma para festejar a festa pagã halloween.
Quando estava cursando Hermenêutica Avançada aos pés do Dr. Estevan F. Kirschner, no CETEOL, em São Bento – SC, descobri um artigo de autoria do Dr. Peter James Cousins, professor e Deão Acadêmico da Faculdade Batista Paulistana, S. Amaro, S.Paulo, e traduzido pelo Dr. Kirschner, sob o título “Karlstadt e a reforma de Lutero: O caso da herança histórica”, editado posteriormente pela VOX SCRIPTURAE 7:1 (junho de 1997, 53-62). Neste artigo, Cousin comenta a reclamação de Lutero na obra Contra os Profetas Celestiais, que o “Doutor Andreas Karlstadt nos abandonou, e além disso se tornou o nosso pior inimigo”. A proposta do insigne Deão é que “não estamos sendo fiéis à História se presumirmos que a Reforma na Saxônia foi essencialmente luterana e ignorarmos as outras correntes teológicas que estavam surgindo, até mesmo em Wittemberg”. O literato aborda as diversas controvérsias entre Lutero e Karlstadt a partir do momento em que Karlstadt sai em devesa de Lutero a respeito das indulgências nas 405 teses contra Eck, segundo Cousin, “Lutero sentiu que seu colega mais velho tinha-lhe roubado a plataforma”, motivado pela tensão quando Karlstadt assumiu o púlpito de Lutero quando este estava no castelo de Wartburgo. Depois de discutir a longa controvérsia entre Lutero e Karlstadt, e o reflexo das idéias radicais de Karlstadt entre os evangélicos brasileiros, Cousin conclui: “Karlstadt nunca organizou um movimento ao redor de si mesmo, mas ele levantou as questões que teríamos perguntado a Lutero, se estivéssemos em seu lugar. Se somos genuínos herdeiros da idéia da Reforma, então já não seria hora de começar a incluir Karlstadt em nossa galeria dos ‘Pais da Fé Protestante?’”
Vejamos rapidamente cinco afirmações e questionamentos de Karlstadt que o aproxima dos cristãos ortodoxos brasileiros, sem falar em muitos outros:

1. Questionamento da presença real de Cristo na Ceia em que, como afirmava os teólogos do período de Karlstadt, o pão e o vinho transformavam-se literalmente no corpo e sangue de Cristo;

2. Convicção de que a Igreja deveria ser composta somente de crentes regenerados que demonstram o fruto de sua conversão nas suas vidas diárias;

3. Questionamento do batismo infantil;

4. Insistência de que as imagens fossem removidas das igrejas;

5. Orientação para que as igrejas locais escolham os seus próprios pastores e administre seus próprios assuntos.

Sempre é bom observamos que Lutero opôs-se tenazmente a essas “heresias” suscitadas por Karlstadt.

Recomendo a todos os blogueiros a leitura desse excelente artido do Dr. Cousins..
Um abraço a todos.

Victor Leonardo Barbosa disse...

interessante pastor Esdras, eu anda não tinha visto este lado de Carlstad(o nome numa forma aportuguesada), todavia, pelo que li na biografia e até mesmo no filme sobre Lutero, esse professor se aproximou de grupos anabatistas radicais demais(eles era muitos diferentes um dos outros) pregando certa revolução em vez de reforma. Será isso verdade?
Também li em eta biografia que Andreas também estava se alimentando literariamente e muitos misticos da idade média. É necessário vermos isso.

Pastor Geremias Couto disse...

Caro Silas:

Contamos com a sua participação no almoço do dia 31 de outubro. Ao mesmo tempo, esperamos contar com a presença institucional do Mensageiro da Paz e que o projeto Minha Esperança - Brasil, a ser formalmente apresentado às lideranças evangélicas naquele dia, possa fazer parte da pauta da próxima edição do jornal.

Abraços.

Silas Daniel disse...

Caro Esdras,

Suas participações são sempre enriquecedoras. Que bom lembrar de Andreas Rudolph Bodenstein von Karlstadt (1486-1541), ou simplesmente Andreas Karlstadt, um dos grandes nomes da Reforma Protestante, considerado por muitos como protopietista e protopuritanista, pois sua visão teológica antecipou tanto o pietismo como o puritanismo, correntes que terminaram de esculpir e burilar o pensamento teológico evangélico.

Para mim, a briga entre os dois amigos Lutero e Karlstadt é um dos momentos mais tristes da Reforma luterana, pois, se os dois continuassem unidos, a Reforma ganharia imensamente mais. Porém, por erros das duas partes, acabou gerando-se uma discórdia que poderia ser evitada e que manteve os dois separados. Infelizmente!

Agora, o que posso dizer, Esdras, sobre o artigo do Dr. Cousins é que acho que ele carregou um pouco na tinta pró-Karlstadt. Veja bem: a teologia de Karlstadt é, sem dúvida, mais próxima do ensino bíblico e da teologia protestante hodierna do que a de Lutero. Isso é fato incontestável. Só acho que o Dr. Cousins exagerou na hora de defender Karlstadt, apresentando Lutero como o único vilão da história, um invejoso dele, ressentido porque Karlstadt teria roubado-lhe a cena, etc. A história não é bem essa (não li o artigo do Dr. Cousins, apenas estou inferindo que é isso que ele afirma em seu artigo pelas informações que você me passou sobre o conteúdo do mesmo).

Vamos aos fatos, conforme apresentados pelos historiadores do protestantismo Ulrich Bubenheimer e Carter Lindberg.

A amizade entre Lutero e Karlstadt nasceu de uma discordância. Uma discordância inicial levou-os a uma profunda amizade. Deixe-me contar. Quando Karlstadt voltou de Roma a Wittenberg em 1516, com 29 anos e cinco meses de vida, mas, mesmo muito jovem, já com bacharelado em Humanidades e doutorado em Tomismo e Direito Canônico e Civil (Karlstadt era considerado o teólogo mais promissor da Alemanha), encontrou a universidade em polvorosa por causa de um tal de professor Martin Lutero, de 33 anos. Logo, Karlstadt procurou ouvir o que o professor Lutero estava ensinado e, para sua surpresa, Lutero condenou o escolasticismo, dizendo que os escolásticos nem entendiam as Escrituras nem os escritos de Agostinho. Simplesmente, Karlstadt ficou irado, porque ele era defensor do escolasticismo. Então, tentou rebater Lutero, ao que este respondeu: "Consulte as fontes primárias e veja se eu estou certo ou errado". Karlstadt aceitou o desafio e... se rendeu a Lutero. Ele comprou uma nova edição das obras de Agostinho só para refutar Lutero, mas, ao lê-las, descobriu, para sua surpresa, que Lutero estava correto e que ele, Karlstadt, fora (conforme as suas próprias palavras) "iludido por um milheiro de opiniões escolásticas". Simplesmente, Karlstadt rejeitou, em poucos dias, tudo o que defendera em dez anos de estudos. Inclusive, em 1517, ou seja, poucos meses depois, lançou sua primeira obra totalmente afinado com Lutero, intitulada "Do espírito e da letra". Dizem os historiadores que Lutero "ficou tomado de alegria com a passagem de Karlstadt para o campo reformador".

No caso do debate contra John Eck, não é verdade que Lutero tenha tido inveja de Karlstadt ter sido escolhido em seu lugar para combater Eck. A insatisfação de Lutero não era com Karlstadt, mas com Eck. Os historiadores contam que a escolha de Eck por Karlstadt, em vez de Lutero, se deveu ao fato de que Eck temia confrontar-se com Lutero e, por isso, preferiu Karlstadt, que seria-lhe uma presa fácil. Por quê? Porque, apesar de ser muito inteligente, Karlstadt era conhecido por não ser bom em debates, por não ter racicocínio rápido, e ainda recorria muito à leitura de livros durante os debates, enquanto Eck era mais dinâmico e tinha uma retórica, eloquência e presença de púlpito que cativavam a atenção do público. Eck era conhecido como "o rei dos debates". Não foi à toa que os romanistas investiram em Eck para rebater as idéias de Lutero. Além disso, havia outro componente: Eck havia sido amigo de Lutero no passado e, provavelmente também por isso, preferiu desafiar Karlstadt, e não Lutero, para um confronto. Não queria enfrentar seu eloqüente ex-amigo (que ficou magoado com Eck por passar a atacar seus ensinos) e ainda escolheu alguém com quem se sairia melhor. Assim, ele queria indiretamente atacar Lutero, desafiando um defensor de suas idéias que não era tão preparado para aquele tipo de enfrentamento.

Agora, o que fez Lutero chatear-se com Karlstadt naquele debate foi algo que aconteceu durante o debate. Além de Eck massacrar Karlstadt no debate devido à lentidão deste em rebater aos argumentos rápidos de Eck, Karlstadt ainda começou a defender, durante o debate, algumas idéias um pouco diferentes das de Lutero no tocante aos temas justificação pela fé e regeneração (não se trata de nada grave, era só uma questão de ênfase em alguns pontos desnecessários que, para Lutero, atrapalhavam o entendimento do assunto, tiravam o foco do âmago da questão da justificação pela fé).

Os debates, como era próprio da época, duravam dias e, nos últimos dias, resolveram convidar Lutero a participar do debate. O debate começou em 24 de junho e, em 4 de julho, apesar de o debate ter sido agendado para ser entre Eck e Karlstadt, todos na platéia pediam para que Lutero, que estava na audiência, participasse. E foi o que aconteceu. Eck começou atacando Lutero, chamando-o de "hussita". Lutero respondeu dizendo que muitos dos artigos de John Huss que foram objeto de condenação por Roma eram verdadeiramente cristãos e evangélicos, e que por isso não deveriam ser condenados pela igreja. Contam os historiadores que "após um momento de silêncio motivado pelo choque devido à afirmação de Lutero, começou um alvoroço". O debate finalmente esquentou. Ao final, Eck se sentiu vitorioso, porque conseguiu arrancar afirmações "claramente heréticas" de Lutero, mas o tiro saiu pela culátra, porque os que assistiram ao debate começaram a comentar nas tavernas, ruas, casas e universidades a lógica das afirmações de Lutero de que (1) o papado e os concílios podem errar, (2) e da doutrina bíblica da justificação pela fé. De lá Eck foi direto a Roma preparar com o papa a bula de excomunhão de Lutero, "sonhando com uma mitra de cardeal pelo seu grande feito". Lá recebeu as ordens de ser o responsável por divulgar o conteúdo da bula por toda a Alemanha. Porém, ao chegar lá com a bula em 1520, para sua surpresa, descobriu que ele, Eck, era popular em Roma, mas não na Alemanha. Na Alemanha, o povo queria saber mesmo era dos ensinos de Lutero. As cópias da bula, que eram afixadas, foram destruídas pelo povo. E mais: "Quando os inquisidores saíam às ruas da Alemanha com ordens de queimar os escritos de Lutero, eles muitas vezes encontravam estudantes que, cheios de júbilo, colocavam na fogueira os escritos dos escolásticos no lugar dos escritos de Lutero". Eck ficou irado.

O problema de Lutero com Karlstadt mesmo aconteceu quando Lutero, voltando de uma viagem em Wartburgo, encontrou seu companheiro Karlstadt implementando algumas mudanças em Wittenberg sem comunicá-las a Lutero. Pergunta-se: As implementações de Karlstadt eram justas? Resposta: Eram, porém o que chateou mais Lutero foi o fato de elas terem sido feitas na sua ausência e sem a sua consulta. Esse foi o erro de Karlstadt. Assim, logo quando Lutero chegou e soube o que estava acontecendo, afastou Karsltadt, que passou a se sentir escanteado. Então, o que faz ele? Radicaliza: em protesto, Karlstadt renuncia seus deveres na Universidade de Wittenberg, renuncia a todos os seus títulos acadêmicos e passa a viver em pobreza no meio do povo. E lá, no campo, trabalhando para o seu próprio sustento, começou também a liderar uma igreja entre os camponeses (o que fez com que erroneamente alguns pensassem que ele tinha alguma ligação com os radicais camponeses anabatistas).

Depois disso tudo, Lutero chegou a conversar à parte com Karlstadt para ver se chegavam a algum denominador comum, mas não teve jeito. Lutero já tinha um temperamento um tanto explosivo e Karlstadt estava chateado com ele. Então, separaram-se. Porém, a influência de Karlstadt permaneceu por meio de seus escritos. Ele influenciou muito Zwinglius em sua época e seus escritos influenciaram os batistas e muitos presbiterianos.

Sobre as "heresias" de Lutero, é importante dizer que o Dr. Cousin exagera um pouco.

No primeiro dos cinco pontos apresentados, lembremos que Lutero não defendia a transubstanciação, mas a consubstanciação. Os católicos é que defendiam que o pão e o vinho se transformavam literalmente no corpo e no sangue de Cristo durante a Ceia. Isso é transubstanciação, o que Lutero rebateu contundentemente. Ele defendia a consubstanciação, que nada mais é do que a afirmação de que há a presença real de Cristo nos elementos da Ceia (pão e vinho). Já Karlstadt defendia (e com razão, influenciando Zwinglius) que a Ceia nada mais é do que apenas um memorial. Nós, protestantes, concordamos com Karlstadt. Seu posicionamento é muito mais bíblico. Só os luteranos ainda defendem a consubstanciação.

Quanto ao segundo ponto, há uma certa deturpação também. Lutero não defendia que a verdadeira Igreja não seria composta por regenerados. O que acontece é que Karlstadt passou a enfatizar mais a doutrina da regeneração (que Lutero também defendia) do que a doutrina da justificação pela fé (que Karlstadt também defendia). Era só uma questão de ênfase. O que preocupava Lutero era justamente o fato de Karlstadt colocar a regeneração acima da justificação. Em que sentido? No sentido de que Karsktadt às vezes acabava sendo pouco compreensivo em relação às possíveis falhas de um verdadeiro cristão. Lutero não era condescente com os erros, mas apenas enfatizava que o verdaeiro cristão não deixou de ser pecador quando se tornou cristão. O cristão é um pecador justificado. Ele foi regenerado e por isso deseja agora o bem, que antes não queria, mas ainda está sujeito a falhas´, pois não deixou de ser pecador. Já Karlstadt falava do cristãos mais em termos éticos. O detalhe é que quando a gent lê sobre os escritos dos dois acerca desse assunto a gente fica imaginando: "Por que vocês não chegaram a um consenso?" Isso porque era apenas uma questão de ênfase. Era uma divergência aparente.

Quanto ao terceiro ponto, o batismo infantil, a divergência no meio protestante continua até hoje. Vide os presbiterianos, por exemplo. Em linhas gerais, quem defende o batismo infantil trata o batismo como se fosse a circuncisão do Antigo Testamento. Um judeu poderia ser circuncidado e não seguir os preceitos judaicos. Esse cerimonial não garantia isso. Da mesma forma o batismo infantil. Porém, à luz da Bíblia, vemos que a posição de Karlstadt é a correta, porque o batismo exige a consciência do ato por parte do batizando.

Quanto ao quarto ponto, a insistência de que as imagens fossem removidas das igrejas, é importante dizer que os luteranos não vêem as imagens da mesma forma como os católicos romanos (como objetos de veneração e adoração). Lutero não defendia a adoração a imagens, mas era contra a inconoclastia. Nesse ponto, preferimos a posição de Karlstadt, que reconheceu que, mesmo assim, a permanência das imagens poderia levar cristãos antes acostumados a adorar imagens a serem tentados a fazê-lo novamente. Ele também defendeu muito bem e biblicamente sua posição.

Enfim, em quinto lugar, a orientação para que as igrejas locais escolhessem os seus próprios pastores e administre seus próprios assuntos não foi uma posição original de Karlstadt, mas, sim, de Lutero. O que aconteceu é que Lutero revogou excepcionalmente essa regra por ele estabelecida por causa de Karlstadt, que pastoreou no campo uma igreja que aceitava e defendia as suas idéias. Como tal igreja discordava das posições de Lutero sobre os primeiros quatro pontos de que falamos, e eram ligadas ao movimento reformador luterano, Lutero achava que ela deveria se submeter à posição oficial do movimento. Mas, aí, a igreja usou a própria regra de Lutero para sustentar Karlstadt como seu pastor ali e as posições por ele defendidas na igreja. Lutero foi visitar a igreja, conversou com Karlstadt, mas não chegaram a um denominador, então ele ficou por lá mesmo.

Outro detalhe: mesmo separados, quando houve a guerra dos camponeses, Lutero salvou Karlstadt e sua família da morte, acolhendo-os em sua própria casa. Isso depois de Lutero ter escrito o tratado "Contra os profetas celestiais" (1525) contra Karlstadt.

O defeito de Lutero foi não entender a insistência de Karlstadt de que as reformas não fossem paulatinas (vide a obra "Se acaso se deve proceder lentamente", escrita por Karlstadt para justificar seu posicionamento de que Lutero deveria ser menos tolerante com as imagens e aboli-las de vez, já que o própri Lutero era contra adorar imagens; reconhecer logo que a Ceia era um memorial e não procurar um meio termo - a consubstanciação - e não ser condescendente com o batismo infantil, que Lutero achava não ter nada demais). O erro de Karlstadt, por sua vez, foi procurar, em sua pressa, fazer as reformas acontecerem mais rapidamente, na ausência de Lutero e sem comunicá-lo. Provavelmente, se ele não tivesse agido assim, a Reforma luterana teria ganhado muito mais e, creio (não só eu, mas alguins historiadores, que, no final, as reformas mais extensas pedidas por Karlkstadt seriam implementadas naturalmente).

Agora, de uma coisa todos os historiadores sérios concordam: Karlstadt, infelizmente, foi muito esquecido, quando ele é, sem dúvida, um dos maiores nomes da Reforma Protestante, um dos pais da Reforma, que influenciou demais o protestantismo em seu retorno às Escrituras.

Obrigado, mais uma vez, por enriquecer o debate, Esdras.

Um abraço!

Esdras Costa Bentho disse...

A história de Karlstadt precisa ser revista por todos nós. Tanto Justo Gonzáles quanto Cains oferecem opiniões negativas de Karlstadt, este menos do aquele. Muitas obras que tratam do assunto são ipsis litteris “luteranas” nas abordagens. Quanto à questão do misticismo, Karlstadt, jocosamente afirmou que havia “engolido o Espírito Santo com penas e tudo”, entretanto, Lutero não foi menos influenciado pelo misticismo alemão tardio. Ambos acreditavam, como afirma, Cousin, na doutrina da graça concedida, que herdaram de Agostinho, a diferença entre ambos era que Lutero enfatizava a graça imputada, enquanto Karlstadt a graça concedida. Ainda de acordo com Cousin, de fato, Karlstadt se expressou em seus escritos influenciados pela linguagem dos místicos alemães, principalmente concernente os conceitos de Gelassenheit (auto-esvaziamento) e abgenatio (abnegação). Afirmou o crítico Hillerband (Prodigal Reformer, 387, apud Cousin) que “se Lutero era uma mistura de Agostinho e Paulo, Karlstadt era uma combinação de Agostinho e a teologia germânica”. Do misticismo alemão Karlstadt herdou a religião e a regeneração interna, independente dos aspectos externos professado por Lutero. Deu ênfase mais a experiência individual do que a obediência ao clero. Não estou aqui, vejam bem, contestando Lutero, apenas compartilhando indagações extraídas da visão, ao meu ver, imparcial de Cousin. Entretanto, o misticismo de Karlstadt era muito diferente daquele que é professado por algumas igrejas neopentecostais, como afirma o Pr. Silas no seu post.

Silas Daniel disse...

Caro Victor,

Muitos historiadores afirmam que é injusto pensar que Karlstadt estivesse envolvido a favor da revolta dos radicais camponeses. O fato mesmo é que ele simpatizava com algumas das reivindicações deles, mas era frontalmente contra o uso de armas para ter suas reivindicações atendidas, como o próprio Karlstadt chegou a escrever. Quanto à leitura de místicos da Idade Média, não consta, pelo menos nos livros que tenho e que falam sobre ele, que ele tenha se tornado um fã desses autores. Agora, ler os místicos cristãos da Idade Média, como Eckart, é uma coisa. Achar alguns pensamentos deles interessantes também. Porém, segui-los totalmente é outra coisa bem diferente, e não consta que Karlstadt tenha feito isso.

Esdras Costa Bentho disse...

Kharis kai eirene.
pessoal estou preocupado, o post que aparece no início desses comentários não é meu, assim como o os dois comentários exluídos de meu blog. No horário de 10hs30m do dia 10 de outbro eu estava no culto interno da CPAD e mesmo depois fazendo as últimas correções das lições bíblicas do primeiro trimestre de 2008.
Como todos sabem, sempre iício com Kharis kai eirene. Suspeito que alguém está se passando por mim, ou clonado o meu blog. Se alguém puder nos ajudar, obrigado.
Esdras Bentho

Silas Daniel disse...

Pastor Geremias,

A minha presença lá se daria justamente como editor do jornal, pois o convite foi formulado exatamente com o intuito de que o "Mensageiro da Paz" estivesse presente. Porém, não definimos ainda se estaremos lá, mas, com certeza, estando ou não, publicaremos algo no MP a respeito do evento. O Projeto Minha Esperança sempre é muito bem-vindo!

Silas Daniel disse...

Estranho, Esdras.

Bem, o Esdras que postou o primeiro comentário aqui dá para perceber que não era você. O nome dele é só "Esdras" e não "Esdras Costa Bentho" como é característico de suas postagens. Também não inicia seus comentários com "Kharis kai eirene". Agora, esse "Esdras" que invadiu seu blog é realmente estranho. Se o primeiro "Esdras" puder se manifestar, só para tirar qualquer dúvida, agradecemos.

Esdras Costa Bentho disse...

Kharis kai eirene.
Acerca da alegação de Lutero de que Karlstadt era um “schwärmer” (isto é, entusiasta, fanático, exaltado), Cousin atesta que a identificação de Karlstadt com os camponeses deve ser vista como “suspeita e perigosa. Na verdade, ele sempre esteve constantemente associado as pessoas erradas”: foi culpado pelo incidente iconoclasta de Wittenberg em 1521,22, embora tenha ensinado que o conselho da cidade, não a multidão descontrolada, é que deveria remover as imagens. Karlstadt rejeitou o batismo infantil, isso é verdade, no entanto, afirma Cousin, “reitou a violência, nunca rebatizou alguém, e nunca pregou uma igreja separada. Seu cunhado e seguidor achegado, Gerhard Westerberg, decidiu-se pela opção anabatista, mas Karlstadt não o fez. Ele terminou os seus dias como um respeitável, ainda que temperamental, professor de teologia na principal tradição suíça”.
Um abraço

Esdras Costa Bentho disse...

Kharis kai eirene.
Pr. Silas, estou satisfeito com suas intervenções e observações. Um abraço!

Silas Daniel disse...

Caro Esdras,

Da mesma forma, obrigado por suas intervenções. Elas sempre são bem-vindas!

Abraços!

Victor Leonardo Barbosa disse...

Pastor Silas, a biografia que li que mais fala de Andreas foi Lutero, publicado pela editora vida, originalmente publicado em 1910 se não me engano.

Silas Daniel disse...

Caros Esdras,

Só agora vi seus comentários sobre a influência dos místicos cristãos na teologia de Karlstadt. Respondi ao Victor sobre essa influência sem antes ver seu comentário. Como bem apresentou, Karlstadt foi, sem dúvida, influenciado pelos místicos cristãos. A declaração dele a Lutero sobre ter absorvido "o Espírito Santo com penas e tudo" é bem típica daqueles debates com Lutero (o Pai da Reforma também gostava de usar imagens fortes para ilustrar suas afirmações).

Além disso, é bom lembrar que Karlstadt é considerado protopietista (como afirmei na abertura dos meus comentários sobre ele), e isso se deve, e muito, à influência da literatura dos místicos cristãos em sua teologia. Porém, é importante dizer, e foi isso que enfatizei, que Karlstadt não era um seguidor fiel dos místicos cristãos. Ele apenas foi influenciado por eles. A minha preocupação clara foi esclarecer isso.

Aliás, acredita-se que todos os reformadores alemães (Lutero, Karlstadt e os demais) foram influenciados pelos escritos dos místicos cristãos, uns mais, outros menos, mas todos foram. Basta lembrar que algumas obras que contam a história da Reforma Protestante, além de citar os pré-reformadores, citam também os místicos cristãos alemães como um grupo que antecedeu e influenciou a Reforma alemã. Muitos desses historiadores dão destaque, inclusive, aos escritos de Mestre Eckart, do qual já me referi. Porém, nenhum dos reformadores alemães, nem mesmo Karlstadt, foi seguidor irrestrito dos místicos cristãos, mas apenas apreciaram parte da literatura deles, rejeitando outra parte.

Mais uma vez, obrigado por enriquecer o debate, Esdras. Aliás, como ele foi enriquecido! Além de lembrarmos o tantas vezes e injustamente esquecido Karlstadt, já evocamos também os místicos cristãos alemães. E pensar que isso é só o começo das nossas abordagens sobre a Reforma!

Silas Daniel disse...

Caro Victor,

Obrigado pela indicação da obra. Quanto mais obras puderem ser citadas para que os leitores deste blog possam enriquecer seu conhecimento sobre o assunto, melhor.

Um abraço!

Silas Daniel disse...

Caros leitores,

Desculpem-me pelos erros de digitação de alguns dos meus últimos comentários (os postados no sábado, 13 de outubro). Ao relê-los agora, notei que cheguei a escrever "inconoclasta" em vez "iconoclasta", "gent" em vez de "gente" e outros erros mais. Isso ocorreu porque estava com pressa de terminar os textos para poder pegar logo a estrada para Nova Friburgo (200km do Rio), onde estive pregando sábado e domingo em uma conferência missionária. Cheguei hoje pela manhã, por isso só agora estou voltando a responder aos comentários.

Sei que os irmãos entendem nossas eventuais falhas de digitação, mas é que, como sou um homem do texto, que trabalha constantemente com palavras, tenho essa pequena mania em relação à qualidade do que escrevo. No mais, obrigado pela compreensão.

Abraços a todos!

Unknown disse...

O Rev. Antônio Gouvêa Gomes defende a tese que igrejas neopentecostais como “Deus é amor” e “Universal do Reino de Deus”, não podem ser considerada igrejas no sentido sociológico da palavra, mas sim “agências de cura-divina”. Igreja se entende como um conjunto de pessoas, com membros que tem um compromisso de relação de irmandade e vinculação doutrinária e litúrgica por meio de um credo ou confissão de fé. É um lugar que se está estabelecido de maneira estável, principalmente pelo compromisso doutrinário. No neopentecostalismo não há compromisso de credo, pois você vai a igreja receber curas e bênçãos e é constante o trânsito religioso. Se algumas denominações neopentecostais não podem ser consideradas igrejas, imaginem se podem ser consideradas parte de Reforma, pois a Reforma Protestante é eclesiológica, além de doutrinária.

O neopentecostalismo baseia muitas de suas doutrinas em revelações extra-bíblicas, e em uma verdadeira eisegese, procuram ajustar a revelação ao texto bíblico. Exemplo disso é a “fórmula de fé”, doutrina de Kenneth Hagin, baseada em seu suposto encontro visível com Cristo. Sendo assim, podem ser consideradas parte da Reforma? Acredito que não, pois fere o princípio da “Sola Sprictura”, ou seja, somente as Escrituras.
O neopentecostalismo trocou a nomenclatura “culto” por “reunião”, “igreja” por “comunidade”, “graça divina” por “prosperidade financeira” etc. Difere bastante do protestantismo.
Com muita propriedade, caro irmão Silas Daniel, você colocou em seu texto essa observação em relação ao neopentecostalismo.

Gutierres Siqueira
www.teologiapentecostal.blogspot.com

Silas Daniel disse...

Caro Gutierres,

Acho a tese do reverendo Gouvêa interessante, mas não sei se posso chegar ao ponto de afirmar que essas igrejas, sociologicamente, não podem ser consideradas igrejas. Porém, concordo plenamente, sem adendos, com todas as demais afirmações que você faz. Essas igrejas inverteram o sentido de elementos básicos do protestantismo e da Bíblia em relação à Eclesiologia e também desprezam, na prática, em palavras e obras, o "Sola Scriptura". A IURD, então, não tem nada de protestante.

Agora, só para eu tirar uma dúvida: Será que você não está querendo dizer Antônio Gouvêa Mendonça em vez de Antônio Gouvêa Gomes? Posso estar enganado, mas acho que seu nome é Mendonça.

Bem, se estivermos falando de pessoas diferentes, deixa pra lá. Mas, se estamos falando da mesma pessoa, aproveito que tenha falado do Dr. Gouvêa para indicar a todos a obra dele intitulada "O Celeste Porvir - a inserção do protestantismo no Brasil". Li este livro há uns dois anos e posso afirmar que ele é simplesmente excepcional para entender os primeiros passos do protestantismo no Brasil. Uma obra-prima do gênero!

Pastor Geremias Couto disse...

Caro Silas;

Como aqui foi mencionada a IURD, estou pasmo com a declaração do "bispo" Macedo à Folha de São Paulo, para justificar o seu apoio ao aborto, de que as crianças não nascem pela vontade de Deus, mas do homem, sendo por isso "perfeitamente" descartáveis.

Chocante, absurdo, antibíblico, anticristão, blasfemo!

Como ficam o salmo 139.13-16 e Jeremias 1.5?

"Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir".

"Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações".

Será que a Bíblia do "bispo" Edir Macedo é diferente da nossa? Ou teremos de rasgá-la por não ser verdadeira?

Deus, tenha misericórdia do nosso país!

Silas Daniel disse...

Pastor Geremias,

O que mais me surpreende na IURD é a sua capacidade de se superar constantemente em sua degeneração do Evangelho. Quando pensamos que a IURD já chegou ao seu limite, ela consegue ir mais além.

A IURD, sociologicamente, como eu disse ao Gutierres, pode ser considerada ainda uma igreja, mas, biblicamente, já não é há muito tempo. Para começar, a Bíblia fala de igreja como sendo "a coluna e a firmeza da verdade" (1Tm 3.15), e isso a IURD não procura ser há muito tempo. Na verdade, a IURD é o que há de pior em termos de sincretismo religioso no meio evangélico (se bem que, não poucas vezes, ela não se considera como fazendo parte do meio evangélico, a não ser quando lhe é interessante ser apresentada assim). A IURD não é uma igreja, biblicamente falando, mas, sim, um laboratório onde se mistura espiritismo, supersticiosidade romanista e "partículas subatômicas" do Evangelho, que mesmo sendo tão pequenas, ainda são distorcidas. A Bíblia é só um pretexto para a IURD, nunca foi sua regra de fé e prática. Ela sempre é usada distorcidamente, ao bel prazer, sem serem observadas as regras mínimas de hermenêutica. Desonestidade pura com a Bíblia e com quem a ouve por meio das prédicas da IURD. A norma de 1 Timóteo 4.16 é desobedecida todos os dias nos templos da IURD, descaradamente.

Acredito que há pessoas que, apesar das bizarrias lá dentro, tiveram um encontro com Jesus. A maioria esmagadora dessas pessoas geralmente nem permanece lá. Acaba migrando para outras igrejas mais sérias em relação ao Evangelho.

A maioria das pessoas que congregam na IURD é de gente sem nenhum compromisso em ter uma vida de santidade à luz da Bíblia. São pessoas que continuam em sua vida sem compromisso com a Palavra e a culpa é da IURD, que nem se importa com isso. Os princípios bíblicos esposados durante a Reforma Protestante foram chutados há muito tempo de lá.

Causa verdadeiro asco ler essa declaração de Macedo sobre o aborto. Ele chama o feto de "aquilo"!

Como dizia o filósofo Julían Marías, falecido em 2005, o feto não é uma coisa. Ele é uma pessoa. A criança não é um que, mas um quem. É alguém a quem se diz tu e que dirá, no momento certo, dentro de algum tempo, eu. É um terceiro absolutamente novo, que se soma ao pai e à mãe. E é tão distinto que dois gêmeos univitelinos, biologicamente indiscerníveis e que podemos supor idênticos, são absolutamente distintos entre si e a cada um dos demais; são, sem a menor sombra de dúvida, eu e tu.

Deixe-me reforçar com uma opinião de um cientista: “Na concepção, quando o espermatozóide se une ao óvulo, a molécula de DNA deste desenrola-se e une-se à daquele, formando uma célula inteiramente nova (zigoto). Essa nova célula viva é tão diferente que, depois de se afixar à parede uterina, o corpo da mãe reage, enviando anticorpos para eliminar o intruso não reconhecido. Somente alguns aspectos especiais e inatos do novo organismo o guardam da destruição. Por isso é incorreta a expressão ‘meu corpo’, empregada pelos defensores do aborto quando falam do embrião ou do feto, em qualquer estágio. O organismo desenvolvido dentro da mãe é, na realidade, um corpo individual, diferente. A partir da concepção, esse corpo distinto produzirá mais células, e todas elas manterão o padrão único dos cromossomos do zigoto original. Está claro, portanto, que o corpo humano tem sua origem no ato da concepção” (Dr. Liley em "Abortion: questions and answers", de J.C.Willke, Hayes Publishing Co., Inc., págs. 51 e 52).

Uma mulher nunca dirá “Meu corpo está grávido”, mas sempre “Estou grávida!” Ninguém fala do feto como se fosse um tumor. Ninguém diz “Tenho um feto!” (o que parece com “Tenho um tumor!”). Se afirmarmos que o feto não é um "quem" porque não tem uma vida pessoal, então teríamos que dizer o mesmo da criança já nascida durante muitos meses, e do homem durante o sono profundo, da anestesia, da arteriosclerose avançada, da extrema senilidade, sem dizer do estado de coma. Logo, é uma hipocrisia dizer “interrupção da gravidez”. A pena de morte seria o quê, então? Interrupção da respiração? A criança não é um objeto ou um tumor, que se pode extirpar como se fosse algo nojento. Os abortistas é que invertem os valores e agem irracionalmente. Para eles, o "quem" se torna "que", as pessoas se tornam (quando lhes é conveniente) “coisas”; e o feto, uma “coisa” dispensável.

A Palavra de Deus valoriza tanto o feto concebido que define a concepção de um ser humano no ventre da mãe, como você bem lembrou, como algo “terrível e maravilhoso” (Sl 139.14). Ela declara ainda que Deus escolhe pessoas desde o ventre (Is 49.1; Jr 1.5 e Lc 1.15; 1.31-35). O feto é vida humana para Deus, mesmo que aparentemente ainda não plena em suas primeiras fases. Por isso, aborto por qualquer outro motivo que não sejam o natural, o acidental e o terapêutico (quando a vida da mãe está em risco - ou seja, ou ela vive ou o bebê vive, ou ela ou ele), é pecado. Até aborto por causa de estupro é pecado. Por meios bons ou maus, voluntários ou involuntários, desejados ou indesejados, seja pelo amor ou pela violência, se uma vida está sendo gerada, fato é que ela deve ser respeitada. O bebê gerado por causa de um estupro não pediu para nascer. Ele não pode pagar com a vida por um erro que não cometeu. Não se pode culpar o bebê no ventre pelo pecado do pai, um estuprador, fazendo com que o bebê pague por ele com sua vida.

Só para que fique mais claro a todos os leitores deste blog: o aborto natural ocorre por doença ou morte do feto. Já o acidental é resultante de fatores como susto, queda, etc; enfim, acidentes. O aborto terapêutico, por sua vez, também não constitui-se pecado, porque seu objetivo é salvar a vida da mãe. É quando surge a seguinte situação: ou aborta ou a mãe morre. Ou um ou outro. Os abortos pecaminosos são todos os demais, que são provocados por razões egoístas ou por razões eugênicas (para evitar nascer um filho com defeito). O aborto provocado ou que não é uma defesa à vida da mãe é um crime perante Deus e uma covardia, pois a vítima não pode defender-se. À luz da Bíblia, o cristão deve ser contra esses tipos de aborto.

Aborto é crime; ele não deve ser legalizado.

Unknown disse...

Eu me enganei e acabei misturando nomes, mas estava me referindo ao Rev. Antônio Gouvêa Mendonça. Ele defende essa tese, acima citada, no livro “Introdução ao Protestantismo no Brasil” (edições Loyola). Essa tese, que é polêmica, também foi defendida por outros teólogos evangélicos brasileiros.
Em relação ao aborto, Edir Macedo mostra a cada dia que o seu compromisso é com o lucro da Record, e não com o Reino de Deus. Ele, tentando limpar a imagem da Universal, procura ser "politicamente correto".
Em breve quero ler “O Celeste Porvir”. Pois a história protestante é muito rica.

Um abraço Pr. Silas Daniel.


Gutierres Siqueira
www.teologiapentecostal.blogspot.com

Silas Daniel disse...

Ok, Gutierres. Dúvida desfeita, quero apenas realçar sua análise acertada sobre a liderança da IURD afirmando que, na verdade, ela não está preocupada com o Reino de Deus, mas com o seu próprio reino. E quando as pessoas preocupam-se apenas com o seu próprio reino, com sua própria imagem, com seus interesses pessoais, financeiros e políticos, e não com o Reino de Deus, tornam-se vassalas da ditadura do "politicamente correto". O nosso compromisso, porém, é, incondicionalmente, com o Reino de Deus, soe ele como politicamente correto ou não. Nosso compromisso não é com as idiossincrasias de nossa época, não é com os aplausos e a aprovação deste mundo, mas é com os princípios imutáveis do Reino de Deus, com a vontade de Deus.

Anônimo disse...

Paz do Sr. meu querido irmão estou passando por aqui para lhe desejar uma semana com muitas bênçãos de Deus .
E pedindo as orações por mim pk estou a passar muitas necessidades e que Deus abra a mente dos responsáveis da minha igreja par que me possam ajudar Deus diz para ajudar o órfão , mas eles não estão fazendo nd e não querem saber de nada pk minguem se chega ao pé de mim para me ajudar com alguma coisa e sabem a minha situação
url - http://pedroaurelio.blogs.sapo.pt/

Silas Daniel disse...

Caro irmão Pedro, a Paz do Senhor!

Obrigado por suas palavras. Logo quando li sua mensagem, orei por você. Visitei o seu blog também e, à primeira vista, achei o conteúdo interessante. Vou visitá-lo mais vezes. Um abraço a todos os blogueiros evangélicos em Portugal!

Deus o abençoe!

Paulo Silvano disse...

Caro pr Silas,

Parabens pela oportuna postagem. Diante dessa macumba evangélica fico com as palavras do bloguer Alysson Amorim: "Optaram por Mamon, a divindade estrita forjada em lata. Privatizado e sedento por privatizações. Por rituais de sacrifício". "Mamon é sedento e caprichoso".
Vale, contudo, refletir que o que se verifica no cenário evangélico é uma disfunção da própria cosmovisão reformada. Ao contrário do que alegam os protestantes históricos, a gênese do pós-pentecostalismo não é o pentecostalismo clássico. Basta olhar para a origem evangélica das lideranças dessa babel gospel para perceber que a maioria deles emergem do meio protestante tradicional. Levantam-se para revigorar o postulado oriundo do calvinismo que defende - como bem tratou Max Weber em a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo - que o sucesso na vida e a conseqüente acumulação de riqueza poderá ser um dos sinais de que a pessoa está entre os escolhidos de Deus. Esse é o princípio orientador do pensamento pós-pentecostal, não necessáriamente só dos neopentecostais, mas muito presente nos modelos pragmáticos oferecidos do Movimento de Crescimento de Igrejas, como bem reportou o pastor no post que trata do fenômeno Joel Osteen.

Um abraço
pr Paulo Silvano

Silas Daniel disse...

Caro pastor Paulo Silvano,

Concordo com o irmão que o que vemos no neopentecostalismo é tanto um culto a Mamom quanto uma "macumba evangélica" (embora essa expressão contenha uma contradição de termos, o que nos leva a reposicionarmos as aspas: macumba "evangélica"), porém discordo respeitosa e profundamente de suas colocações acerca da relação entre o protestantismo tradicional, a cosmovisão reformada e o posicionamento doutrinário de Calvino com a Teologia da Prosperidade. Aqueles não têm nada a ver com este.

A Teologia da Prosperidade não tem a ver com o protestantismo tradicional porque, em primeiro lugar, o movimento da Teologia da Prosperidade não nasceu no meio protestante tradicional. Infelizmente, nasceu mesmo no meio pentecostal. Só para começar, veja o caso brasileiro. Quem são os maiores expoentes da TP no Brasil? Indiscutivelmente, Edir Macedo, R.R.Soares, Miguel Ângelo, Robson Rodovalho e Estevam Hernandes. Esses são os maiores proponentes.

Bem, Edir Bezerra Macedo abandonou o catolicismo romano e a umbanda para aceitar Jesus na Igreja de Nova Vida (pentecostal). Da Nova Vida, saiu para fundar com Romildo Ribeiro Soares (R. R. Soares) a Igreja Universal do Reino de Deus em 1977.

R. R. Soares era filho de pai presbiteriano desviado e mãe católica romana devota. Ele conta que se converteu aos 6 anos em um culto promovido pela Igreja Presbiteriana, mas depois saiu de lá e começou a freqüentar, ainda bem jovem, a Igreja Batista, onde permaneceu até os 16 anos. Com essa idade, se desviou depois de mudar-se para o Rio de Janeiro (ele era capixaba). Passou quatro anos desviado até voltar-se para Jesus na Igreja de Nova Vida, onde firmou-se, casou e foi obreiro. Sua formação teológica se deu lá, como ele costuma afirmar. Porém, em 1975, já com idéias diferentes, saiu de lá para a Casa da Bênção (pentecostal), onde foi consagrado no mesmo ano ao pastorado. Aliás, também em 1975, ele, Edir Macedo, Roberto Augusto Lopes e Samuel e Fidélis Coutinho, todos ex-membros da Nova Vida e insatisfeitos com sua denominação (pois consideravam-na "elitista" e não entendiam a razão pela qual o reverendo Walter Robert Mcalister, o líder da denominação, não aceitava suas atividades evangelísticas agressivas - Alguém imagina o porquê?), fundaram a Cruzada do Caminho Eterno. Em 1977, foi dado o passo seguinte: RR, Edir e Roberto fundaram a Igreja Universal do Reino de Deus, que foi liderada por RR até 1980, ano em que Edir assumiu definitivamente a liderança da igreja. Então, em 1980, RR funda a Igreja Internacional da Graça de Deus.

Para variar, o angolano Miguel Ângelo da Silva Ferreira era da Igreja de Nova Vida, de onde saiu nos anos 80 para fundar a Igreja Evangélica Cristo Vive. Só para se ter uma idéia de sua formação, ele fez curso teológico no Robert Schuller Institute Church Leadership em Los Angeles, Califórnia (Teologia da Prosperidade pura, da pior espécie!)

Robson Rodovalho era umbandista, até que, em crise, se converteu a Cristo aos 14 anos em um acampamento da Igreja Presbiteriana. Porém, como ele mesmo conta, paralelamente à freqüência à Igreja Presbiteriana, se filiou e tornou-se membro ativo do movimento Mocidade Para Cristo (MPC), de linha pentecostal. Foi no MPC que recebeu o batismo no Espírito Santo, aos 17 anos. Poucos meses depois dessa experiência, fundou sua própria igreja: a Comunidade Evangélica, que em 1992 passou a ter a designação "Sara Nossa Terra".

Estevam Hernandes Filho aceitou Jesus na Igreja Cristã Pentecostal da Bíblia do Brasil, e de lá foi para a Igreja Cristo Salva e desta para a Igreja Evangélica Independente de Vila Mariana (todas elas de cunho neopentecostal), até que resolveu fundar, em 1986, sua própria igreja: a Renascer em Cristo.

Finalmente, para concluir esse primeiro ponto, é bom lembrar mais duas coisas: (1) A Teologia da Prosperidade não é criação tupiniquim, mas dos neopentecostais e carismáticos dos EUA. Todos esses propugnadores da Teologia da Prosperidade no Brasil foram influenciados pelos pregadores norte-americanos da TP, que eram todos neopentecostais. (2) O fato de a Teologia da Prosperidade ter nascido no meio pentecostal não desabona o pentecostalismo, posto que a TP não é um desdobramento dentro do pentecostalismo clássico, mas um desvirtuamento do pentecostalismo, um afastamento doutrinário dele. Aliás, o pentecostalismo clássico sempre combateu tenazmente a Teologia da Prosperidade, vide a literatura dos teólogos pentecostais clássicos tanto nos EUA quanto no Brasil.

Em segundo lugar, nenhum ponto doutrinário esposado pelo protestantismo histórico, isto é, o protestantismo tradicional, defende, justifica ou sequer sugere a Teologia da Prosperidade. Você pode ler todos os grandes teólogos defensores do protestantismo histórico e não vai encontrar nada que apóie tais idéias.

Quanto a Calvino, espalhou-se por aí o mito entre alguns de que ele foi o primeiro a propôr a Teologia da Prosperidade, porque teria dito que "a riqueza é o sinal da Salvação". Pior que há até quem acrescente, dizendo que ele também teria dito que "o pobre será condenado". Isso é próprio de quem "ouviu o galo cantar [e ainda muito mal], mas não sabe onde". Calvino nunca disse isso. O que ele afirmou é que a riqueza era um sinal da bondade de Deus e não um sinal de Salvação e nem de que os pobres fossem malditos. Como é, então, que nasceu esse mito? De uma interpretação equivocada de "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" de Max Weber.

Porque Weber afirma nos capítulos quatro e cinco de seu livro que o Calvinismo, o Pietismo, o Metodismo, os Batistas e (inspirando todos estes) notadamente o Puritanismo influenciaram a formação, nos países de maioria protestante, de uma ética para o capitalismo (que não nasceu por causa do protestantismo, outro erro crasso dito por quem não leu Weber e nem atenta para a História), criou-se o mito que Calvino teria dito essas tolices que citei acima. Essas pessoas ou não leram Weber ou leram e entenderam tudo errado. Elas simplesmente deduziram que como o Calvinismo influenciou uma ética para o capitalismo, logo Calvino teria dito que as riquezas são sinal da bênção de Deus e defendido, portanto, a TP, quando Calvino não fez nem uma coisa nem outra.

O capitalismo nasceu sem ética e já existia quando o puritanismo deu-lhe uma ética.

O capitalismo nasceu sem ética e, como os cientistas sociais afirmam hoje, essa ética protestante que foi inserida nele no passado não se vê mais no capitalismo hodierno, sendo exatamente por isso que os cientistas sociais também enfatizam que o livro de Weber, apesar de muito importante, é datado, é apenas uma fotografia de uma época. A ética protestante (vide o puritanismo) deu sentido moral ao capitalismo (que nasceu perverso), criou a possibilidade de o capitalismo ser praticado e crescer de forma não perversa (fazendo com que as nações de origem protestante logo o abraçassem); porém, esse mesmo capitalismo, que encontrou apoio para crescer e se desenvolver na perspectiva da ética protestante, hoje não depende mais da ética protestante nem mais a adota.

O problema do capitalismo hoje não é o capitalismo em si (como os esquerdistas afirmam), mas o tipo de ética usada nele. Existe (mas está quase em extinção) o bom capitalismo, que carrega uma ética correta em sua forma de ser.

Voltando a Calvino, o teólogo e historiador Alderi Souza de Matos lembra que "a ética e a teologia de Calvino divergem radicalmente dos excessos do capitalismo moderno". Evoca ele: "Por causa das difíceis realidades econômicas e sociais de Genebra, Calvino escreveu amplamente sobre o assunto. Ele condenou a usura e procurou limitar as taxas de juros, insistindo que os empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo. Ele defendeu a justa remuneração dos trabalhadores e combateu a especulação financeira e a manipulação dos preços, principalmente de alimentos. Embora considerasse a prosperidade um sinal da bondade de Deus, ele valorizou a pessoa do pobre, considerando-o um instrumento de Deus para estimular os mais afortunados à prática da generosidade. A tese de que as riquezas são sinais de eleição e a pobreza é sinal de reprovação é uma caricatura da ética calvinista. Para Calvino, a propriedade, o lucro e o trabalho deviam ser utilizados para o bem comum e para o serviço ao próximo".

Nem Calvino defendeu a Teologia da Prosperidade e nem Werber defendeu que o calvinismo ou a cosmovisão reformada defendia uma Teologia da Prosperidade. E eu não estou dizendo isso porque ouvi dizer. Li "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" todo pela primeira vez em 2000, há sete anos, e guardo o exemplar que li dele até hoje, sendo material constante de consulta para alguns temas. O que Weber diz no livro é que o ascetismo protestante (que nada tem a ver com a TP), que é um ascetismo contra a usura, foi a ética protestante emprestada ao capitalismo em certo período da História, dando-lhe uma base moral que o justificou (temporariamente, ou seja, até quando ele era visto e seguido na perspectiva da ética protestante). Deixemos o próprio Weber falar. O que se segue é o último parágrafo do quarto capítulo de sua obra: "O ascetismo cristão (...) tentou penetrar naquela rotina diária com sua meticulosidade e amoldá-la a uma vida racional, mas não deste mundo, nem para ele". Para situar os leitores deste blog quanto ao contexto dessas palavras de Weber, quando ele fala de "rotina diária", está se referindo à rotina (ou o mundo) do trabalho. Weber fala em sua obra que "o ascetismo cristão (puritano)" significava "transformar o trabalho em culto de ação de graças ao Senhor". Por isso o puritanismo afirmava que o trabalho deveria ser exercido de forma mais metódica possível, com "o maior grau de racionalização", otimizando os recursos e maximizando os resultados, "como era compatível com a vida dos eleitos, que não estavam em busca do reconhecimento neste mundo, mas realizando o que é agradável a Deus".

Só "para não ficar só nas minhas palavras", deixe-me citar agora a definição do livro feita por um especialista de Weber no Brasil, o Dr. Sílvio Sant'anna: "Em 'A Ética Protestante', Weber traça detalhadamente o tipo ideal de conduta religiosa que contribui decisivamente para o desenvolvimento qualitativo do capitalismo". Vou repetir: "qualitativo". Continua Sant'anna: "Coube aos puritanos, que se consideravam eleitos, viver a santificação da vida cotidiana, pois (...) a motivação de ser eleito de Deus fazia de cada membro dessas comunidades um vocacionado que se dedicava simultaneamente ao aprimoramento ético, intelectual e profissional".

É isso que Weber quis dizer. Aliás, seu texto não é hermético, fechado, difícil de se entender. É uma das obras sociológicas de conteúdo mais acessível ao público em geral.

Essa história de associar a visão puritana do trabalho à Teologia da Prosperidade é um dos maiores engodos que já ouvi. Dizer que a visão protestante histórica apóia a Teologia da Prosperidade é uma das maiores lendas já criadas no meio evangélico. E, como sabemos, quando se chega aos fatos, a lenda desaparece.

Paulo Silvano disse...

Caro pastor Silas,

Agradeço por tornar conhecido o meu comentário nesse seu instigante espaço e, sobretudo por investir, como sempre, tempo para responder-me.
A medida que fui interagindo na blogosfera conclui que a abertura da possibilidade de comentários às postagens sugere a formação de uma irmandade, quase confraria, com os seus compadres agregados. Assim , estou certo que essa finalidade não coaduna com com o calor dos debates antagônicos que, levados ao extremo, inevitavelmente ferem essa agradável proposta relacional. A seção dos comentários é, então e em princípio, o ponto de encontro dos que se atraem ou que tendem para a convergência. Assumi recentemente que somente o dono do blog tem o direito garantido de postar mais que dez linhas como comentário, já que raramente mais que isso seria necessário para ratificar um ponto de vista, desde que a vista seja do mesmo ponto. É verdade que percebo dificuldade enorme quando se trata da minha obediência a esse princípio. Mesmo quando convergente acabo muito extenso. Dito isso não me sinto mais a vontade para embrenhar na construção de enorme lauda buscando a defesa da minha opinião.

Ainda que considere digna de atenção e muito útil a sua réplica, devo esclarecer que quando falo de disfunção da cosmovisão reformada, estou me referindo a perturbação que acometeu os seus postulados. Isso não implica necesáriamente em culpar puritanos ou Calvino, que pecador como eu talvez deva ser cobrado não por isso, mas talvez por outras coisas, como a participação que teve na condenação que culminou com a morte do médico e teólogo Servetus, discordante de posições de Calvino.
Não podendo mais argumentar excessivamente devo, portanto, apenas lembrar Weber, de quem eu tambem estudei em 1998 na cadeira de sociologia do curso superior, que explica o capitalismo como sendo o resultado de um processo religioso. Ele afirma no capítulo V que o ascetismo, introduzido na vida cotidiana, “ ... se encarregou de remodelar o mundo e nele desenvolver os seus ideais, os bens materiais adquiriram um poder crescente e, por fim, inexorável sobre a vida do homem, como em nenhum outro período histórico”. Continua ele: “No campo de seu maior desenvolvimento, nos Estados Unidos, a busca da riqueza, despida de seu significado ético e religioso, tende a ser associada a paixões puramente mundanas, que lhe dão com frequência um caráter de esporte”.
Não tenho dúvidas que, tambem movidos por essa distorção do ‘ethos’ puritano, o pessoal do pós-pentecostalismo e até algumas das nossas Assembléias de Deus hoje promovem o ‘culto dos empresários’. Lembro-me, ainda, da provocante pergunta do sociólogo, irmão e amigo, Gedeon Freire de Alencar, “Porque será que essas igrejas não promovem a reunião das diaristas?”
Depois de muito mais que dez linhas devo dizer que é sempre prazeroso frequentar o seu blog, tendo-o registrado nos meus links favoritos.

Um abraço
Paulo Silvano

Silas Daniel disse...

Caro pastor Silvano,

Antes de tudo, como já disse tantas vezes, sempre que está à minha disposição fazê-lo, tento dar o melhor de mim. O irmão pode ver tal dedicação em todas as minhas postagens de comentários neste blog. Este não é um privilégio seu. Além disso, não gosto (e não consigo) dar respostas fugazes a questões que muitas vezes exigem que observemos várias nuances e matizes. Ignorar isso nos leva não apenas a afirmações simplistas, mas, mais do que isso, a cairmos em estereótipos.

Sobre a proposta da blogosfera de que o irmão falou, concordo que ela permite (e tem como uma de suas razões de ser) a aproximação e o agregamento, porém dizer que isso implicaria, necessariamente, em total não-discordância é um engano. Num debate de reflexão teológica, a discordância é uma possibilidade natural. Ora, estamos falando de debate e, num debate, é óbvio que pode haver discordâncias, se não nem seria um debate. Agora, infelizmente, às vezes, num debate, um dos lados se sente insatisfeito porque não viu a prevalência de seu posicionamento inicial, quando esquece que um debate não necessariamente deve nos levar a um denominador comum, a um "híbrido" (força de expressão) entre posições antagônicas. Às vezes nos leva a isso, quando os debatedores, em meio ao debate, percebem que, na verdade, estão defendendo posicionamentos que nada mais são do que ênfases desnecessárias sobre pontos específicos de um todo em detrimento deste todo. Então, no meio do debate, as coisas vão se clarificando e os debatedores percebem que não havia motivo para tanta discordância e, prudentemente, chegam a um denominador comum (talvez continuem com algumas diferenças, mas terminam unidos devido aos consensos que descobriram, pelo debate, serem mais do que imaginavam). Entretanto, há debates em que o resultado dele é a clarificação de que o posicionamento de um dos lados não era o mais correto (quando não ocorre de às vezes ser totalmente equivocado), então cabe ao lado que viu seu posicionamento se esvaziar, isto é, perder força e significado, ter disposição de compreender o outro, compreender que num debate nem sempre há um consenso; às vezes um dos lados não está certo mesmo. Isso já aconteceu comigo. Já defendi posições equivocadas baseado em estereótipos (sem olhar as nuances de todo o assunto) e, logo que fui convencido do meu equívoco, voltei atrás naquele ponto. Porém, por vezes acontece de alguém do lado não prevalecente agir diferentemente, reagir com insatisfação e culpar o resultado do debate ao "calor do debate". Não quero ser acintoso, mas é preciso explicar isso claramente.

O genuíno “calor do debate” é saudável. Discordâncias podem existir num debate, mas xingamentos e desrespeitos nunca devem existir num debate. Aliás, estas coisas não são sinal de "calor do debate". Quando elas surgem em meio a um debate, este já deixou de ser debate há muito tempo e se tornou bate-boca, etc. Esse não foi, com certeza, o nosso caso, pastor Silvano, e disso o irmão com certeza concorda. O "calor do debate" é o ponto em que, no debate, acontece o ápice da tensão entre idéias, entre posicionamentos. Quando isso acontece, dizemos que o debate "esquentou". O debate é frio quando dois posicionamentos claramente divergentes ficam o tempo todo evitando o confronto de idéias, prendem-se a tergiversações e detêm-se às margens, sem chegar nunca ao centro, ao ponto de tensão.

Digamos que fosse divulgado na mídia que os maiores defensores de dois modelos econômicos ou políticos totalmente diferentes estariam debatendo em tal horário em determinado local e o assunto fosse interessante para você. Então, você vai lá e, quando o debate acontece, percebe que, do começo ao fim, aqueles dois debatedores, que todos sabem que defendem modelos claramente distintos, passam o debate todo fugindo dos pontos mais importantes e o mediador do debate, por sua vez, omisso, não faz as perguntas que devem ser feitas. Como é que você definiria tal debate? Frio, com certeza. Agora, quando os dois debatedores não fogem dos pontos de divergência e, respeitosamente, demonstram suas profundas discordâncias, o que dizemos? "O debate foi quente", "Teve pontos altos", etc.

Com certeza, há gente que gosta de baixaria e infelizmente acha que isso é "bom debate", mas o irmão não vai encontrar esse tipo de coisa aqui.

Aliás, como neste blog apreciamos debates saudáveis, apreciações e comentários que venham enriquecer a todos que aqui entram, não limito a quantidade de linhas dos que entram para deixar seus comentários. Deixo-os à vontade para colocar seus comentários, sejam longos ou curtos, como preferirem. Só não aceitamos baixaria, claro. Entendo que determinados assuntos, como já disse, exigem que observemos todas as suas nuances e ângulos, e isso nos leva (já que procuramos fazer o melhor) a sermos um pouco extensos em nossos comentários. Particularmente, não quero deixar os que entram aqui na dúvida. Se afirmo algo, quero explicar porque estou afirmando isso.

Sinto-me feliz por o irmão ter achado minha réplica digna de atenção e muito útil. Fiquei feliz também em ler a declaração inicial do irmão de que já não culpa Calvino e os puritanos pela Teologia da Prosperidade (algo, realmente, sem cabimento). O irmão diz que quando fala de "disfunção da cosmovisão reformada" está se referindo a "uma perturbação que acometeu os seus postulados". Ou seja, pelo que entendi, o irmão quis dizer que o que teria acontecido mesmo é um distanciamento dos postulados reformados. Isto é: não é que os postulados reformados estivessem errados, mas, sim, que houve uma distorção (perturbação) deles. Ok. Porém, sua insistência em procurar erros em Calvino (lembrando a execução de Miguel de Servetus) me leva a crer que o irmão deve ter algum problema mal resolvido com Calvino, ou melhor dizendo, com os calvinistas (já que Calvino não está aqui para se defender). Não é a primeira vez que o irmão entra neste blog para atacar os calvinistas, às vezes levando-nos quase a pensar que está afirmando que todo o mal que existe no meio evangélico no mundo hoje (até mesmo o neopentecostalismo) é culpa do calvinismo. Quero lembrar ao irmão que sou 100% arminiano, mas isso não me leva a ver um irmão calvinista como um herege. Vejo um irmão calvinista apenas como um irmão em Cristo que tem uma visão imperfeita sobre a mecânica da Salvação (não sobre a mensagem e o método da Salvação). A mecânica da Salvação é um aspecto doutrinário secundário. Alguém pode ser salvo sem entender perfeitamente a mecânica da Salvação, só não pode ser salvo se não entendeu a mensagem e o método da Salvação. O método e a mensagem da Salvação são pontos doutrinários não apenas fundamentais, mas extremamente essenciais, absolutos e inegociáveis na Bíblia.

Se eu dissesse que calvinistas são hereges, então estaria afirmando que não só Calvino, mas David Brainerd, Jonathan Edwards, Charles Haddon Spurgeon, George Whitefield, Christmas Evans e muitos heróis da fé eram hereges. Aliás, teria que dizer que só a partir da segunda metade do século 18 a igreja no mundo começou a ser purificada, depois que John Wesley e o professor Fletcher de Madeley rebateram os argumentos calvinistas sobre a mecânica da Salvação (muito mais consistentemente do que Armínio), inaugurando na História o momento em que o arminianismo começou, finalmente, a crescer no meio protestante, chegando hoje a ser maioria.

Ninguém está aqui querendo dizer que devemos criar uma áurea em torno de Calvino e de tantos outros nomes da Reforma, ou em torno de qualquer outro servo de Deus do passado, como se eles fossem perfeitos. Eu já falei isso aqui em comentário mais acima sobre os erros de Lutero evocados pelo irmão Eliseu Antonio Gomes.

Nenhum servo de Deus do passado era super-homem espiritual, assim como nenhum personagem bíblico era. Todos tiveram falhas, umas maiores, outras menores, mas todos tiveram. A diferença que precisamos fazer é entre os que erram por fraqueza e os que erram por falta de conversão mesmo, porque são ímpios. Como afirmei na minha explicação ao irmão Eliseu, “no primeiro caso, não devemos ignorar os erros, mas também não devemos comprometer toda a obra de uma vida dedicada ao Senhor por causa desses erros isolados. Lutero e Calvino foram grandes homens, apesar de suas terríveis falhas. Já no último caso, devemos rechaçar esses falsos irmãos, que dizem que estão no Evangelho, mas o Evangelho não está realmente neles. Estes podem não se envergonhar do Evangelho, mas ele se envergonha deles".

O erro de Calvino no caso Servetus é um dos erros dos reformadores de que falarei na minha terceira postagem sobre a Reforma. Como já adiantei, a primeira postagem é sobre os princípios da Reforma (a atual postagem), a próxima será sobre as conquistas e a terceira e última sobre os erros dos reformadores. Portanto, não quero adiantar todos os detalhes (se não, a terceira parte da série vai perder a graça), mas pelo menos duas coisas quero adiantar sobre o caso Servetus:

(1) A história do caso Servetus tem nuances que muitas pessoas desconhecem, o que não exume 100% Calvino nessa história, mas desfaz a caricatura, a imagem equivocada, que alguns criaram dele como "o cruel assassino de Servetus". Nem Calvino foi o assassino, pois não foi ele quem condenou Servetus à morte nem muito menos quem executou Servetus; nem Calvino foi cruel com Servetus, pois, mesmo não concordando com seus posicionamentos - que, pela lei de Genebra, poderia levar alguém à morte – o reformador fez de tudo para que Servetus escapasse da morte. Como assim? Mais sobre isso, só na terceira postagem).

(2) Os erros dos reformadores, como seres humanos falhos que eram (como nós também), não nos devem levar a rejeitar a obra deles. Davi cometeu erros imensamente maiores do que Calvino e nem por isso deixamos de ler seus salmos e reconhecer que são inspirados por Deus, e nem deixamos de afirmar que era um servo de Deus. Foi falho, mas era. Os pecados de Davi registrados na Bíblia estão ali para nos dar uma lição de que (a) mesmo os grandes servos de Deus podem cometer pecados terríveis porque são homens falhos como quaisquer outros (b) e devemos sempre cuidar de nossa vida espiritual para não cairmos em fraquezas.

Sobre Max Weber, volto a afirmar que ele não afirma o que o irmão está dizendo, que "o capitalismo é o resultado de um processo religioso". Tem muita gente que ou não leu Weber ou o entendeu errado quando leu. E isso é comum até mesmo em faculdades. Até professores da incensada USP, vez ou outra, são pegos afirmando tolices sobre temas que deveriam entender (porque, às vezes, são temas relacionados a áreas de conhecimento em que se formaram). Há muitos blogs, e até matérias que saem na grande imprensa secular, que registram casos e mais casos. Eu mesmo já entrei num debate com um professor há alguns anos, já quando cursava minha faculdade de Direito, onde o debate começou a se encerrar quando, durante a discussão, ele foi forçado a revelar que não tinha lido ainda o livro do qual estava afirmando incoerências, e o tal livro eu já havia lido. Sabe que livro era? “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de Max Weber. Mas o professor, diga-se de passagem, não era da área de Sociologia. Ele estava se metendo numa área que não era a dele, falando de algo que ouvira falar e sem ter lido a obra. Na cadeira de Sociologia, o professor já não falou tolices sobre Weber.

Agora, por que há professores que distorcem Weber descaradamente, dizendo que o capitalismo é resultado da religião? Devido à visão marxista que reina nas universidades. A maioria dos professores de universidade é de tendência marxista, socialista, quando não são também ateus ou antiteístas (ateus raivosos).

Está mais do que claro para quem lê a "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" que o que Weber está dizendo, repetidas vezes, é tão somente que o capitalismo só pôde se desenvolver melhor nos países onde havia a ética protestante, que é ascética e que valoriza e dá importância ao trabalho (aliás, a Bíblia valoriza o trabalho). Vide puritanismo.

Aliás, Weber não poderia nem afirmar (como não afirma mesmo) que o capitalismo é cria do protestantismo porque ele estaria, de cara, desacreditando sua obra. Qualquer conhecimento básico de História nos mostra que o capitalismo não nasceu por causa do protestantismo. Perdoe-me a franqueza, mas dizer que o protestantismo criou o capitalismo é um erro de História crasso. Ele já havia surgido independente do protestantismo e, posteriormente, se desenvolveu depois que o protestantismo, via puritanismo, lhe emprestou sua ética, que o capitalismo de hoje já perdeu há muito tempo. Weber deixa isso claro já no início do seu livro, no primeiro capítulo, quando afirma que a ética protestante influenciou a "expansão" do capitalismo, e não a criação.

O capitalismo nasceu sem ética e, aos poucos, foi adotando várias éticas, mas só se desenvolveu depois que foi introduzido nele, em alguns países, a ética protestante, tornando-se um capitalismo de poupança. Porém, posteriormente, ele se desvencilhou da ética protestante se tornando um capitalismo de consumo.

Aliás, só para que fique mais claro ainda. Na época em que existia o capitalismo com a ética protestante, existiam outros tipos de capitalismo também. A ética protestante foi apenas uma delas e aquela na qual o capitalismo encontrou mais suporte para crescer em determinado momento da História, abandonando-a em seguida. Por exemplo: Weber cita, no capítulo 5 de sua obra, que, simultaneamente ao capitalismo desenvolvido com uma ética protestante, existia o capitalismo desenvolvido pela ética judaica, que era totalmente diferente. Ele fala isso quando discorda das afirmações de alguns cientistas sociais antes dele e de sua época de que o puritanismo era um "hebraísmo inglês". Diz ele: "Deve-se tomar muito cuidado em fazer paralelos. A tendência geral do judaísmo mais antigo para uma aceitação ingênua da vida como tal está muito longe das características especiais do puritanismo. E está igualmente tão longe, e isso não pode ser desconsiderado, da ética econômica do judaísmo medieval e moderno, justamente nos traços que determinaram a posição de ambos no desenvolvimento do ‘ethos’ capitalista. Os judeus se identificam com um capitalismo aventureiro, político e especulativo; seu ‘ethos’ é, numa palavra, o do capitalismo pária. Mas o puritanismo se sustenta no ‘ethos’ da organização racional do capital e do trabalho. Ele adotou da ética judaica apenas aquilo que se adaptava a tal propósito".

As citações que o irmão faz em nenhum momento desdizem o que acabamos de afirmar (até porque a obra de Weber não é auto-contraditória). As duas citações que o irmão faz são as primeiras e as últimas linhas de um dos últimos parágrafos do capítulo 5 (mais precisamente, o parágrafo anterior ao antepenúltimo). Na seqüência da primeira citação, ou seja, no mesmo parágrafo, Weber diz que o grande problema do capitalismo de sua época é que, depois de ter conseguido se expandir por causa do ascetismo puritano encontrado em alguns países, "o capitalismo, já vitorioso, uma vez que repousa em fundamentos mecânicos, não mais precisa de seu suporte [a ética protestante]". Ou seja, depois que a ética protestante ajudou o capitalismo a se expandir, este se rebelou contra a ética protestante. E então, fechando o parágrafo, Weber cita o que estava acontecendo já em sua época, nos Estados Unidos, como o maior exemplo do afastamento do capitalismo da ética protestante. Ele diz que "quando a plenificação da vocação não pode ser diretamente relacionada aos mais altos valores espirituais e culturais", então não se busca mais uma ética para justificá-la ou regulá-la. Ele fala, inclusive, da influência do Iluminismo e da idéia da "morte das crenças religiosas" como causadores disso. E então, cita os EUA de sua época como exemplo disso: “No campo de seu maior desenvolvimento, nos Estados Unidos, a busca da riqueza, despida de seu significado ético e religioso [ou seja, agora despida da ética protestante], tende a ser associada a paixões puramente mundanas, que lhe dão com freqüência um caráter de esporte”.

Weber, no mesmo capítulo, parágrafos antes, afirma ainda que os puritanos eram contra esse "caráter de esporte" que estava associado justamente "às paixões mundanas". Sua ética não permitia que lidassem com a riqueza ou com o capital da mesma forma que os capitalistas da época de Weber, notadamente nos EUA, já estavam começando a fazer. E três parágrafos antes desse do qual você pinçou as duas frases, Weber diz ainda que os puritanos eram contra alguns tipos de capitalismo que existiam na época deles, como o capitalismo "nas concepções de Laud", que era um "tipo de capitalismo privilegiado comercial e politicamente, colonialista e escorchante".

Logo, o pessoal do pós-pentecostalismo, que serve a Mamom (o que é abominável aos puritanos, que viam o dinheiro como um excelente servo e não como senhor), foram movidos não pelo ‘ethos’ puritano, mas pelo espírito capitalista de nossa época, que o irmão chama de "distorção do ‘ethos’ puritano", mas que prefiro chamar de afastamento do ‘ethos’ puritano, que ocorreu já há mais de cem anos. Quanto à influência dos neopentecostais em nosso meio, infelizmente isso acontece, mas estamos aqui para fazer frente contra isso.

Quero terminar dizendo que ri, concordantemente, quando li a pergunta provocante do Gedeon, bem própria dele, que conheci há alguns anos aqui no Rio, quando ele estava fazendo pesquisas no acervo histórico da CPAD, no Departamento de Jornalismo (onde trabalho), para sua tese sobre a Assembléia de Deus. Naquele período, conversávamos bastante e o papo sempre era interessante. De lá para cá, lembro-me de só tê-lo visto uma vez. Como é que vai ele? Continua congregando na Igreja Betesda em São Paulo, do pastor Ricardo Gondim?

No mais, obrigado por sua intervenção, que sempre resulta em aprofundamento do debate. Que bom saber que o "Verba volant, scripta manent" está registrado nos seus links favoritos. Até mais ver.

Paulo Silvano disse...

Caro Pastor Silas,

Sou sempre grato a sua solicitude, pela atenção dispensada aos meus comentários. Não imaginava que o senhor também conhecesse o caro Gedeon Freire. Respondendo às suas perguntas informo que ele é presbítero da Igreja Betesda em São Paulo e diretor pedagógico do ICEC - Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, o seminário da Betesda. Vemos-nos com certa constância. Há pouco estive com ele aqui na minha cidade, quando foi o preletor do Fórum de Missão Integral da Igreja, promovido pela agência missionária OM.
Eu, que sou ávido por conhecer os meandros da história do nosso pentecostalismo autóctone, também conheci o Gedeon quando tive contato com uma monografia dele, parte das exigências do mestrado em Ciências da Religião que cursou na UMESP. A monografia, que tratava da militância assembleiana no Mensageiro da Paz de 1930 a 1931, provavelmente esteja ligada a essas pesquisas que fez no acervo histórico da CPAD.
Recentemente o Gedeon escreveu o livro Protestantismo Tupiniquim - Hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à cultura brasileira, vencedor de uma das categorias do Areté.
Por falar da história da nossa AD, há muito interessado pelo tema, acabo de encomendar o seu livro História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil.

Esclarecendo a sua colocação quanto crença que eu deva ter "algum problema mal resolvido com Calvino, ou melhor dizendo, com os calvinistas", devo dizer que não tenho problema com nenhum dos dois. Sou pastor de uma Assembléia de Deus que tem entre os seus membros arrolados irmãos, alguns até diáconos, declaradamente simpatizantes do modelo teológico inspirado por Calvino. Tenho entre os meus amigos um pastor presbiteriano, da Presbiteriana do Brasil, a quem reiteradas vezes tenho franqueado o púlpito. Discorro sobre o tema abertamente e sem exercer patrulhamento teológico sobre esses meus amigos e irmãos. Portanto, não vejo um irmão calvinista como herege, como imagina o pastor.
Confesso que o meu problema, não sei se bem ou mal resolvido, é com a cosmo-visão calvinista que, apoiada no compatibilismo, sustenta uma hermenêutica antinômica, modeladora do jeito de pensar Deus (não só dos protestante, não só dos calvinista), plasmado por todo ambiente humano.
Embora entenda que a cosmo-visão calvinista produza um efeito catártico que facilita-nos a conviver com a tragédia humana, com evasivas simplistas do tipo “Deus quis assim” ou “Foi o destino”, não consigo admitir, do ponto de vista estritamente teológico - se é que podemos assim considerar - que alguém rotulado 100% arminiano, não somente pastor, considere uma visão imperfeita sobre a mecânica da salvação um aspecto doutrinário secundário.
Não vejo como normal o louvável esforço para manter a boa vizinhança entre as diferentes vertentes teológicas relegando ao secundário a visão soteriológica, para mim aspecto primário na abordagem da missiologia e santidade, razão de ser da Igreja de Jesus.
Não vejo como discussão secundária o entendimento que o Piloto no comando do seu espaçoso e inadernável transatlântico da salvação, com botes salva-vidas para atender qualquer número de náufragos, encontre estes afogando e lance botes suficientes para salvar apenas alguns dos indivíduos, escolhidos entre os que sofreram o revés.
Sinceramente, esse é o meu problema com o calvinismo. Atribuo gravidade máxima ao discurso ou estilo de vida que nega ou relega a segundo plano a apologia da crença que, havendo arrependimento, o "todo aquele nele crê", de João 3:16, é extensivo a todos, a todos os seres humanos, sem exceção.

Um abraço,
Paulo Silvano

Ps: O comentário excluído, imediatamente anterior a esse, era de minha autoria.

Silas Daniel disse...

Olá, pastor Paulo Silvano!

Li seu comentário hoje. Desculpe a demora em responder à vossa tréplica. Estou concluindo meu próximo livro e, por isso, passei alguns dias sem aparecer por aqui. Ainda bem que os blogs são um ambiente onde "scripta manent", isto é, "os escritos ficam". Por isso, quando passamos dias sem conversar com alguém sobre determinado assunto, não precisamos recomeçar a conversa com a célebre pergunta "Onde estávamos mesmo?"
Basta relermos o que escrevemos e, em seguida, já estamos no ponto exato para recomeçar a conversa.

Porém, antes de voltar ao assunto, peço que, ao rever o Gedeon, mande-lhe um abraço meu. Posso não concordar com alguns posicionamentos do Gedeon, mas admiro seu trabalho e sua amizade. É gente boa. E sobre o livro "História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil", fico feliz em saber que o encomendou. Sei que sou suspeito de falar, mas trata-se de uma boa obra. Ela não é perfeita, mas tem o mérito de ser pioneira, de ter abordado determinados pontos da história assembleiana que nunca foram abordados antes. Infelizmente, não deu para se aprofundar muito na temática e nem nas curiosidades das convenções mais recentes, tendo me detido mais em relatos jornalísticos sobre estas, mas creio que fui feliz na abordagem sobre as primeiras edições da Convenção Geral nas suas primeiras décadas de existência. A explicação para isso é simples: como tive pouco tempo para fazer o livro (as quase 700 páginas foram escritas em apenas dois meses e 21 dias), pois havia um prazo para lançamento do livro, naturalmente dediquei-me mais à história mais remota da AD, que é a mais curiosa e interessante para os que gostam de história. Além disso, as convenções mais recentes ainda têm sua história fresca na mente dos assembleianos; já as mais antigas, não. A história das mais antigas teve que ser resgatada e, no processo de resgate, encontramos informações interessantíssimas, curiosíssimas, e até então nunca publicadas em livros sobre a história da AD no Brasil. Por isso, creio que você vai gostar do livro. Aproveito para indicar o "Dicionário do Movimento Pentecostal" (CPAD), de autoria do pastor e amigo Isael Araújo.

Aliás, acredito que, modéstia à parte, quem acrescentar à sua leitura do clássico "História das Assembléias de Deus no Brasil" (CPAD), de Emílio Conde, a leitura dos livros "História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil", deste humilde blogueiro-escritor, e "Dicionário do Movimento Pentecostal", do pastor Isael, vai ter uma visão completa da história assembleiana no Brasil. São três obras indispensáveis para quem quer conhecer mesmo, a fundo, a história assembleiana.

Bem, vamos agora à sua tréplica. Sobre ela, quero apenas dizer duas coisas.

Em primeiro lugar, espanta-me a contradição do irmão: não considera os calvinistas hereges, convida-os a pregar em sua igreja, mas, ao mesmo tempo, considera a mecânica da salvação calvinista uma heresia horripilante e, inclusive, sugere que eu, um assembleiano 100% arminiano, ao considerar a mecânica da salvação calvinista como imperfeita (definição que você achou... imperfeita!), estaria brincando com a Doutrina da Salvação, que é a principal doutrina bíblica, a doutrina mais basilar de todas! Logo, o irmão está sugerindo que sou um herege também? Pois foi assim que soou suas palavras.

Vamos aos fatos: toda a sua briga com o calvinismo é, na verdade, com a versão fatalista dele, que é uma versão distorcida do calvinismo. Converse com qualquer calvinista honesto que você verá que a concepção que o irmão tem do calvinismo é estereotipada. Às vezes parece que o irmão é daquele tipo de pessoa que diz que o calvinista não evangeliza porque acha que, se Deus já determinou quem vai ser salvo e quem não vai, então não há razão para evangelizar. Você é do tipo que pensa assim? Se é, quem disse que calvinistas sérios não evangelizam? Quem disse que calvinistas sérios não mourejam para ganhar vidas para Jesus? Já parou para notar que muitos dos grandes evangelistas do passado eram... calvinistas! Lembra-se, por exemplo, de George Whitefield? Lembra-se de John Bunyan? Por que isso?

Deixe-me explicar da forma mais sintética possível: os calvinistas ressaltam que, em sua leitura da Bíblia, encontram tanto a soberania de Deus quanto a responsabilidade do homem, e afirmam sinceramente que não entendem perfeitamente como uma coisa pode estar em harmonia com a outra. Eles dizem: “Não sei como é, mas sei que é assim”. E mesmo que não entendam como uma coisa pode estar conciliada com a outra, pregam o Evangelho. Porém, durante a História, alguns calvinistas, frios espiritualmente, se acomodaram, desenvolvendo uma visão fatalista da mecânica da Salvação. O raciocínio deles era: “Vem cá, se Deus já sabe quem vai ser salvo e quem não vai, para que eu me importar com evangelização?” Os calvinistas não-fatalistas respondem: “Não! Jesus mandou que pregássemos a todos. Temos que cumprir a Grande Comissão. Deixemos a questão da complexidade da mecânica da Salvação para Ele. Confiamos que a conversão é um ato justo dEle, mesmo que não compreendamos direito como a coisa funciona. E no mais, devemos fazer a nossa parte”. Então, vieram os arminianos wesleyanos no século 18 e mostraram aos calvinistas, com mais precisão do que o próprio Armínio de séculos antes e interpretando mais corretamente determinadas passagens bíblicas, que não existe nas Sagradas Escrituras essa aparente contradição entre a soberania divina e o livre-arbítrio do ser humano como vêem os calvinistas, e esses arminianos fizeram isso (como os primeiros arminianos, só que com mais precisão) sem cair no erro de reinterpretar o ser de Deus, sem diminuí-lO nem em Seus atributos naturais (como fazem os teólogos relacionais) nem em Seus atributos morais (como fazem os fatalistas).

Simplesmente, diante dos claros ensinos bíblicos da soberania divina na Salvação e da responsabilidade do homem, que aparentemente parecem um paradoxo, o calvinista prefere emudecer, sem procurar solução para esse aparente paradoxo, com medo de diminuir Deus, de cair em uma heresia; porém, o arminiano reconhece que a soberania de Deus e a responsabilidade humana são claras na Bíblia, mas percebe que são também plenamente harmônicas no processo a ponto de não serem, necessariamente, um paradoxo; eles resolvem o problema sem precisar diminuir Deus, sem cair em uma heresia. Logo que a argumentação arminiana foi percebida com mais precisão no século 18, o arminianismo se desenvolveu naturalmente e se tornou a visão da maioria esmagadora no meio evangélico. Porém, alguns grupos calvinistas, presos à sua tradição, preferiram continuar sem explicações. Para eles, a soberania de Deus e a responsabilidade humana são paradoxos mesmo e ponto, e quem tentar entender isso perfeitamente aqui não vai lograr êxito. Para eles, só vamos entender isso mesmo perfeitamente quando chegarmos no Céu e, por hora, enquanto estamos aqui, apenas confiemos na justiça e no amor de Deus. E concluem os calvinistas, como qualquer bom arminiano: “Enquanto isso, vamos pregar o Evangelho! Vamos ganhar vidas para Jesus!”

Diante dessa atitude dos nossos irmãos calvinistas de não perceber que a visão arminiana (que respeita a Bíblia como o calvinismo, que se apóia como ele nela, que preza por uma hermenêutica bíblica ortodoxa tanto quanto os calvinistas) é a que melhor entende a mecânica da Salvação à luz da Bíblia, só podemos lamentar. Podemos dizer “Que pena!”, mas nunca chamar os calvinistas de hereges.

A não ser que se tratem de calvinistas fatalistas, não posso chamar os calvinistas de hereges, já que a mensagem e o método da Salvação são os mesmos, são absolutamente bíblicos, tanto quanto na pregação de um arminiano: só há Salvação em Jesus; não há salvação sem arrependimento de pecados; a Salvação não é pelas obras, mas pela graça, mediante a fé; deve-se aceitar Jesus como Senhor e Salvador; Novo Nascimento; nova vida; regeneração; justificação; deve-se procurar viver uma vida de santidade; sem a santificação ninguém verá o Senhor (fatalistas não se importam com isso; calvinistas, por serem bíblicos, sim); o cristão deve perseverar, ser fiel até o fim, etc. Tudo isso os calvinistas ensinam à luz da Bíblia, assim como os arminianos.

Se você acha que uma compreensão perfeita da mecânica da Salvação é uma condição indispensável para a salvação de qualquer pessoa, há dois problemas com você: um de ordem prática e outro de má compreensão doutrinária. Vamos, primeiro, ao de ordem pratica.

Se você acha que uma compreensão perfeita da mecânica da Salvação é uma condição indispensável para a salvação de qualquer pessoa, e não a mensagem e o método da Salvação, então, meu irmão, segundo a sua visão, há pouquíssimos irmãos salvos neste mundo. Mas bota pouco nisso! Você acha que aquele irmão simples que aceitou Jesus lá no interior e que não entende nada de mecânica da Salvação, mas (1) confia na mensagem do Evangelho, no método da Salvação, (2) reconheceu os seus pecados, (3) arrependeu-se, (4) se apoiou e se apóia na graça divina manifesta no sacrifício de Cristo para sua Salvação, (5) e crê na necessidade de ser santo em toda a sua maneira de viver, não está salvo ainda porque não parou para compreender a mecânica da Salvação? O ladrão da cruz foi salvo porque entendeu a mecânica da Salvação? O etíope, mordomo-mor da rainha Candace, se converteu porque entendeu a mecânica da Salvação? A Igreja Primitiva saía pregando a mecânica da Salvação? Em alguma mensagem no livro de Atos, Paulo e Pedro aparecem pregando a mecânica da Salvação ou pregando a mensagem e o método da Salvação? Quando você vai pregar o Evangelho, você sai pregando a mecânica da Salvação ou a mensagem e o método da Salvação? Jesus saiu pregando a mecânica da Salvação ou o método da Salvação?

Bem, vamos agora à má compreensão doutrinária. Por que dizemos, com toda razão, que a Doutrina da Salvação é a mais importante doutrina bíblica? Porque ela ensina o método da Salvação ou porque ensina a mecânica da Salvação? É a mecânica da Salvação ou é o método da Salvação que a torna a mais importante? Por que a Bíblia e nós nos preocupamos tanto com a Doutrina da Salvação? Porque sem a compreensão e a aceitação do método da Salvação, que é a essência da Doutrina da Salvação, ninguém é, sequer, salvo. A Doutrina da Salvação é a principal doutrina bíblica justamente porque nela é ensinado o método da Salvação. Sua essência não está a mecânica da Salvação. Por isso sua importância.

Veja o que a própria Bíblia fala sobre o assunto. A Bíblia apresenta a Doutrina da Salvação como a mais importante por causa do método da Salvação ou por causa da mecânica da Salvação? A Bíblia diz que as pessoas são salvas porque tiveram uma compreensão perfeita sobre a mecânica da Salvação ou porque aceitaram o método da Salvação? À luz da Bíblia, se alguém não entende a mecânica da Salvação, mas entende e aceita o método da Salvação, ele é salvo? Claro que sim! Mas, se alguém não entende e ainda distorce o método da Salvação, à luz da Bíblia, pode ser salvo? Claro que não!

Bem, mas eu disse que iria falar duas coisas, e ainda estou no primeiro ponto. Não vou me alongar muito neste. Já foi dito o suficiente. Vamos, portanto, ao segundo ponto.

Em segundo lugar, já estou acreditando, meu irmão, que você nem sabe no que crêem os calvinistas. Qualquer calvinista se sentiria ofendido com a sua declaração de que os calvinistas ensinam que o arrependimento não deve ser pregado a todos. A Bíblia diz que a todos deve ser dito que se arrependam, e os calvinistas ensinam isso também. O problema deles não está em João 3.16, texto extremamente usado por evangelistas calvinistas em sua pregação do Evangelho, e não apenas por arminianos. O problema está no suposto paradoxo que há entre textos como este e outros textos da Bíblia que ressaltam mais a soberania de Deus em relação à Salvação. Para cada versículo que você der como este, os calvinistas citarão outros que, segundo eles, os forçam a ter uma interpretação-paradoxo da mecânica da Salvação. O problema dos calvinistas não está em não saber que esses textos existem (ainda mais o chamado “texto áureo” da Bíblia, João 3.16! Você acha que nenhum calvinista conhece esse versículo? Você acha que nenhum teólogo calvinista conhece esses e outros textos correlatos?). O problema dos calvinistas está em como conciliam esses versículos com outros que parecem criar um paradoxo entre a soberania divina e a responsabilidade do homem.

Para ajudá-lo a compreender como pensa um calvinista sincero de verdade, deixe-me dar o seguinte endereço: http://tempora-mores.blogspot.com/2006/02/mais-de-cinco-pontos-do-meu-calvinismo.html

Talvez você já conheça esse texto (ou não?), já que de vez em quando visitava o tempora-mores.blogspot.com e, recentemente, parece ter sido expulso de lá devido a colocações ácidas que fez em relação a... por você ter sido um pouco... digamos... Como eu diria? Anticalvinista?

Nesse endereço, você vai encontrar no que crêem mesmo os calvinistas sérios (não esses fatalistas doentes que de vez em quando vemos por aí). O texto é de um dos maiores teólogos calvinistas do Brasil na atualidade: Augustus Nicodemos (Você deve ter tido experiências agradáveis com ele, não?). No artigo dele, você vai encontrar, por exemplo (deixe-me refrescar sua memória), frases do tipo: “Creio que Deus predestinou tudo o que acontece, mas não sou determinista. O Deus que determinou todas as coisas é um Deus pessoal, inteligente, que traçou seus planos infalíveis levando em conta a responsabilidade moral de suas criaturas. Ele não é uma força impessoal, como o destino. Não creio que os atos da vontade e da liberdade humanas sejam mera ilusão e que nossa sensação de liberdade ao cometê-los seja uma farsa, como o determinismo sugere. Eu acredito que as nossas decisões e escolhas são bem reais e que fazem a diferença. Elas não são uma brincadeira de mau gosto da parte de Deus. Os hipercalvinistas são deterministas quando negam a responsabilidade humana ou pregam a passividade dos cristãos diante de um futuro inexorável. Por desconhecer essa distinção, muitos pensam que todos os calvinistas são deterministas e que eles vêem o homem como um mero autômato”.

Que tal outra?
“Creio que Deus é absolutamente soberano e onisciente sem que isso, contudo, anule a responsabilidade do homem diante dele. Para mim, isso é um mistério sem solução debaixo do sol. Não sei como Deus consegue ser soberano sem que a vontade de suas criaturas seja violentada. Apesar disto, convivo diariamente com essas duas verdades, pois vejo que estão reveladas lado a lado nas Escrituras, às vezes num mesmo capítulo e até num mesmo versículo!”

E que tal esta?
“Encaro a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana como sendo parte dos mistérios acerca do ser Deus, como a doutrina da Trindade e das duas naturezas de Cristo. A soberania de Deus e a responsabilidade humana têm que ser mantidas juntas num só corpo, sem mistura, sem confusão, sem fusão e sem diminuição de ambas”.

E esta?
“Creio que Deus predestinou desde a eternidade aqueles que irão se salvar e, ao mesmo tempo, oro pelos perdidos, evangelizo e contribuo para a obra missionária. Grandes missionários da história das missões eram calvinistas convictos. Calvinistas pregam sermões evangelísticos e instam para que os pecadores se arrependam e creiam. Se quiserem um bom exemplo, leiam O Spurgeon que Foi Esquecido, de Iain Murray, publicado pela PES. Nunca as minhas convicções sobre a predestinação me impediram de ir de porta em porta, oferecendo o Evangelho de Cristo a todos, sem exceção. Após minha conversão, e já calvinista, trabalhei como evangelista e plantador de igrejas durante vários anos, em Pernambuco”.

Entende agora qual é o real problema calvinista? Entende que é a dificuldade em conciliar os fatos bíblicos da soberania de Deus e da responsabilidade humana, claros à luz da Bíblia tanto para arminianos como para calvinistas, e não a negação da responsabilidade humana? Entende que achando que todo calvinista é fatalista você não só está equivocado como também não ajuda na discussão? Entende que não podemos chamar calvinistas de herege, pois sua visão é bíblica, mas apenas precisamos ajudar (e agindo como você age, não ajuda em nada) o irmão calvinista, se ele quiser, a entender melhor a mecânica da Salvação? Entende isso agora? Espero que sim.

Um abraço!

Silas Daniel disse...

Irmão Silvano, só mais um detalhe: tomei a liberdade de excluir definitivamente o seu comentário que o irmão já havia excluído, mas que ainda aparecia tomando espaço aqui. Para arejar mais a nossa janela de comentários.

Silas Daniel disse...

Aos interessados, a bibliografia dessa série de artigos sobre a Reforma Protestante é basicamente (com poucas variações) a mesma que apresento em minha resposta ao irmão Gilson Barbosa que aparece nos comentários à segunda postagem da série sobre os 490 anos da Reforma (datada de 20 de outubro).

Um abraço a todos!

Anônimo disse...

Caro pr Silas,

Continuo sempre grato por dispensar atenção aos meus comentários. Diante da sua insistência que eu considero os irmãos calvinistas hereges, reitero as minhas palavras: "Discorro sobre o tema abertamente e sem exercer patrulhamento teológico sobre esses meus amigos e irmãos. Portanto, não vejo um irmão calvinista como herege, como imagina o pastor".
No mais parece que houve, creio que não voluntariamente, uma digressão quanto a questão tratada, pois o que tentei afirmar é que não vejo como normal tratar o aspecto soteriológico como secundário, pois para mim é primário. Só isso.
Quanto aos textos do professor Augustus, a quem também considero excelente catedrático, discordei e discordarei toda vez que ele insinuar bobagens contra os pentecostais, aliás da última vez ele reconheceu (mérito dele) que havia exagerado na afirmação que eu contestava; quando escreveu que “Só tem uma coisa da qual os reformados têm mais medo do que parecer arminianos, que é parecer pentecostais. Aí, jogamos fora não somente a água suja da banheira, mas menino e tudo!”. ( http://tempora-mores.blogspot.com/2007/08/dez-motivos-pelos-quais-pastores.html )

“Você tem razão. Ela foi mal colocada. Eu deveria ter deixado claro que estava criticando uma atitude geral dos reformados com a qual não compartilho. Falei como se fosse um dos que pensa assim, e nesse ponto você está certo”. ( http://tempora-mores.blogspot.com/2007/08/pastores-e-igrejas-da-betesda-rompem.html )

Frequento o blog do reverendo Augustus quase que diariamente e conheço o post do reverendo - http://tempora-mores.blogspot.com/2006/02/mais-de-cinco-pontos-do-meu-calvinismo.html

Considerando aquilo que o pastor reproduz do texto do reverendo, assumo, respectivamente, a minha crença:

“Não creio que temos como saber até que ponto Deus predestinou as coisas e as pessoas. Creio que as passagens bíblicas que falam da intervenção humana levando Deus a "arrepender-se" - mudar de idéia? - não sejam mera ilusão ou antropomorfismo, e que a Bíblia está dizendo nessas passagens o que parece estar dizendo, por mais contraditório que possa parecer (1 Samuel 15:11, 1 Samuel 15:29). Creio que nossas decisões e escolhas são bem reais e que fazem diferença, mas na falta de expressão melhor chamo essas decisões de ‘livres e responsáveis’. Nem todos que não são calvinistas são necessariamente arminianos. Por desconhecer isso, muitos pensam que o calvinismo é a única alternativa.”;

“Creio que Deus é absolutamente soberano, que ele pode ser tão onisciente quanto sua soberania escolha ser, e que decidiu em sua soberania criar agentes independentes capazes de decisões tão livres quanto às suas - tendo sido feitos, pelo menos nesse sentido, à sua imagem. Não há para mim mistério algum nisso, pois creio que Deus é poderoso o bastante para manter o homem obscenamente livre (a ponto de ser livre para interferir, para nosso escândalo e perplexidade, no próprio propósito de Deus - conforme, digamos, Lucas 7:30) e *ao mesmo tempo* manter a sua soberania inatacada no sentido de ser capaz de garantir a eficácia de todos os resultados que prometeu. Convivo diariamente com essas duas verdades, pois vejo que estão reveladas lado a lado nas Escrituras, às vezes num mesmo capítulo e até num mesmo versículo. Como já disse em algum lugar, esse Deus que consegue garantir ao mesmo tempo a liberdade dos homens e a eficácia das suas promessas é, paradoxalmente, mais Todo-Poderoso que o Deus do calvinismo, o qual é necessariamente limitado pelas cadeias de sua soberania.”;

“Entendo que historicamente a esmagadora maioria dos cristãos orou e agiu como se as suas orações tivessem poder de intervenção ao ponto de serem capazes de fazer Deus alterar os seus planos. Alguns, corajosamente como Jesus, salientaram o "mas seja feita a tua vontade" mais do que o "se for possível". Encaro a relação entre a soberania de Deus e a liberdade humana como sendo parte dos mistérios acerca do ser Deus, mas não entendo que a liberdade humana torna Deus menos soberano ou vice-versa. A soberania de Deus e a liberdade humana têm que ser mantidas juntas num só corpo, sem mistura, sem confusão, sem fusão e sem diminuição de ambas.”;

“Creio que Deus deseja que todos se salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.”

Um abraço,
Paulo Silvano

Silas Daniel disse...

Caro pastor Silvano,

Não sou eu que insisto em dizer que o irmão afirma que os calvinistas são hereges. É o irmão que insiste em dizer que eles são hereges e, contraditoriamente, ao mesmo tempo, diz que não está dizendo isso. Se não, vejamos: "Discorro sobre o tema abertamente e sem exercer patrulhamento teológico sobre esses meus amigos e irmãos. Portanto, não vejo um irmão calvinista como herege, como imagina o pastor". E no mesmo texto: “Embora entenda que a cosmovisão calvinista produza um efeito catártico que facilita-nos a conviver com a tragédia humana, com evasivas simplistas do tipo ‘Deus quis assim’ ou ‘Foi o destino’, não consigo admitir, do ponto de vista estritamente teológico – se é que podemos assim considerar – que alguém rotulado 100% arminiano, não somente pastor, considere uma visão imperfeita sobre a mecânica da salvação um aspecto doutrinário secundário”.

Qual dessas posições é realmente a do irmão? A primeira ou a segunda?

E o que dizer desta outra afirmação do senhor?
“Basta olhar para a origem evangélica das lideranças dessa babel gospel para perceber que a maioria deles emerge do meio protestante tradicional. Levanta-se para revigorar o postulado oriundo do calvinismo que defende – como bem tratou Max Weber em a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo – que o sucesso na vida e a conseqüente acumulação de riqueza poderá ser um dos sinais de que a pessoa está entre os escolhidos de Deus”. Como já vimos, nem o calvinismo ensina isso, que é uma tremenda heresia, nem Weber disse que o calvinismo diz ou disse isso.

Quer que eu continue refrescando a sua memória?

Outra coisa, não me venha com essa de que eu estou com “digressões”. Além de ser uma mentira, trata-se de dupla ofensa para mim, porque se existem coisas que você não vai encontrar da minha parte aqui neste blog são digressão, evasiva, tergiversação ou o que popularmente se chama “enrolação”, porque simplesmente odeio essas coisas. Não fujo de nenhum assunto em debate algum aqui neste blog, seja com ateus raivosos ou com adeptos de modismos, quaisquer que sejam. Procuro ser o mais claro e explicativo possível sobre todos os assuntos e sobre todas as perguntas que me são feitas. Todos que entram neste blog são testemunhas da verdade do que estou afirmando aqui, inclusive o irmão. Se acontecer um dia de alguém me fazer uma pergunta neste blog para a qual não tenho condições de responder (o que é mais do que possível, posto que, como já disse um filósofo grego, “nascemos sem saber de nada e morremos sem saber de tudo”), serei absolutamente honesto, como sempre procurei ser em minha vida, dizendo: “Meu irmão, não tenho condições de responder à sua pergunta agora, mas prometo que vou estudar o assunto e depois te respondo”. Ou, se for o caso de sequer eu conhecer o assunto, direi: “Não conheço o assunto, sequer sei por onde começar a te responder, mas prometo ponderar sobre o tema e depois te dou uma posição”. E se acontecer de alguém mostrar-me que realmente estou errado em alguma coisa que afirmei, responderei, como já fiz algumas vezes nesses meus 30 anos de vida: “Obrigado por abrir meus olhos para esse erro. A partir de hoje, vou mudar minha posição e terei mais cuidado. Deus o abençoe!”

Outra coisa, você tenta suavizar a ofensa dizendo que aquilo que você chama de “digressão” pode não ter sido voluntária. Como assim? Além de você dizer que tergiversei, sugere que, de repente, fiquei fora de mim por alguns instantes e comecei a escrever idéias sem nexo? Por acaso entendi errado quando o senhor disse que considerava a mecânica da Salvação essencial para a Doutrina da Salvação, que é a mais importante doutrina bíblica e, por isso, como eu não considero a mecânica da Salvação essencial, estaria, portanto, para o senhor (que a considera essencial), desvalorizando a Doutrina da Salvação? Ou não é isso que significam estas palavras: “...não consigo admitir, do ponto de vista estritamente teológico – se é que podemos assim considerar – que alguém rotulado 100% arminiano, não somente pastor, considere uma visão imperfeita sobre a mecânica da salvação um aspecto doutrinário secundário”?

Na verdade, quem faz digressões tantas vezes é o irmão, e não é a primeira vez. Poderia citar aqui vários exemplos, mas prefiro (até para não alongar muito esta resposta) deter-me no mais recente: suas próprias palavras ao acusar-me de ter cometido digressão. Se não, vejamos. O senhor diz, corretamente, que não devemos considerar normal tratar o aspecto soteriológico das doutrinas bíblicas como secundário, pois ele é primário. E ainda acrescenta: “Só queria dizer isso”, sugerindo que eu é que entendi errado o que o senhor disse. Não, não entendi. O senhor me acusa claramente de ter dito que considero a Soteriologia uma doutrina secundária: “Não vejo como normal o louvável esforço para manter a boa vizinhança entre as diferentes vertentes teológicas relegando ao secundário a visão soteriológica, para mim aspecto primário na abordagem da missiologia e santidade, razão de ser da Igreja de Jesus”. Quem disse que eu estou tratando o aspecto soteriológico como secundário? Quem disse que eu afirmei tal coisa? Onde o senhor leu isso? Onde e quando este que vos fala, o qual o senhor chamou de “alguém rotulado 100% arminiano, não somente pastor” (insinuando que minto ao dizer que sou arminiano e que minha posição de não ver o calvinismo como pernicioso, bem diferente do senhor, não é uma atitude digna de um pastor), afirmou que a Doutrina da Salvação é uma doutrina secundária? Quem disse que estou colocando o aspecto soteriológico abaixo de qualquer outro aspecto da doutrina bíblica? Onde o senhor leu ou ouviu eu dizendo isso? Mais uma vez, o senhor, simultaneamente, mente e ofende.

Mas, digamos que o irmão tenha digitado a frase erradamente, digamos que não queria dizer que considero “o” (como você digitou) aspecto soteriológico das doutrinas bíblicas como algo secundário. Digamos que queria dizer que erro ao considerar “um” aspecto da Soteriologia Bíblica como secundário, no caso, a mecânica da Salvação. Meu irmão, se você afirmasse isso, você estaria cometendo um erro doutrinário. E enorme! Você estaria dizendo que o entendimento perfeito da mecânica da Salvação é essencial para a Salvação. Você estaria afirmando que o entendimento perfeito da mecânica da Salvação deve ser tomado como sendo a essência da Soteriologia, como sendo ponto fundamental da Doutrina da Salvação. Já parou para meditar nas implicações de uma afirmação dessas? Alguém que afirma que a Salvação consiste fundamentalmente no entendimento da mecânica da Salvação está dizendo, por essa lógica, que quem não entende a mecânica da Salvação perfeitamente é, portanto, um não-salvo ou, se diz ser salvo, um herege.

Mais à frente, o senhor diz que o aspecto soteriológico é importantíssimo para a missiologia e a santificação. Correto, se o senhor não está se referindo ao entendimento perfeito da mecânica da Salvação (julgando ser ela a essência da Doutrina da Salvação) como essencial para a missiologia e a santificação. A correta compreensão dessas duas importantes doutrinas bíblicas exige a compreensão do método da Salvação e, no caso específico da santificação, também da doutrina bíblica da ação do Espírito Santo na vida do crente, aplicando a obra de Cristo na vida dele. Quem disse a você que quem não entende perfeitamente a mecânica da Salvação não poderá ser santo nem desenvolver vocação missiológica (já que, conforme suas palavras, o entendimento da mecânica da Salvação é essencial para a Doutrina da Santificação e para a Missiologia)? Quem disse a você que calvinistas não se preocupam em ser santos nem em fazer missões?

Calvinistas não se preocupam com santificação nem com missões?

Cada vez mais fico surpreso com a sua visão estereotipada dos irmãos calvinistas. Confesso que às vezes me cansa ser neste blog um advogado dos irmãos calvinistas, mas tenho que sê-lo, porque não consigo ficar calado quando inverdades são ditas contra qualquer pessoa ou grupo. Eu seria terrivelmente omisso se ficasse calado diante desse tipo de coisa. Aliás, já notou quantas vezes tive que responder a inverdades que o irmão postou por aqui sobre os calvinistas? E depois o irmão ainda diz que não tem nada contra os calvinistas. Isso não é sintomático para você?

Se o irmão me chamasse para ser advogado do calvinismo, eu diria: “Impossível, meu irmão. Sou arminiano. Não posso defender algo que não creio que seja assim”. Agora, se algo errado é dito sobre os irmãos calvinistas ou sobre o que afirmam, sou forçado, pela minha consciência, a defendê-los. E nem precisa ser em relação a irmãos em Cristo. Se alguma inverdade é dita sobre qualquer grupo e sei que o que está sendo dito é mentira, não posso ficar calado. Só devo ter o cuidado para, inicialmente, não ser tão pesado nas minhas palavras na hora da defesa, porque a pessoa pode estar dizendo aquilo por um simples engano. Só sou mais contundente quando há uma insistência sistemática daquela pessoa nesse erro, como é o caso do irmão.

Nunca houve na História santos calvinistas? E os irmãos Bonar, autores de tantos hinos clássicos da história do protestantismo, e que eram conhecidos pela sua santidade? Nunca houve calvinistas missionários, evangelistas e desbravadores? O que o senhor tem a dizer sobre William Carey (século 19), chamado “o pai das missões modernas”? O que tem a dizer sobre o missionário escocês Alexander Duff (também século 19)? Se já estudou Missiologia, já deve ter ouvido falar desses dois grandes missionários da história da Igreja. Ou não ouviu? Mas, e a história da evangelização do Brasil? Já ouviu falar de Ashbel G. Simonton? E de Robert Kalley, o fundador da Escola Dominical no Brasil? “Não, calvinistas não fazem missões, calvinistas não evangelizam, calvinistas acham que evangelizar é perda de tempo e um ato ilógico. Todo calvinista é determinista e fatalista!” Você ainda alimenta esses estereótipos, que, além de serem estereótipos, são mofados e esclerosados?

Poderia parar por aqui e ir direto para o último ponto. Mas é que ocorreu-me de falar uma coisa agora. E nesse momento, vou ser um pouco mais ameno com o irmão. É que estive pensando nesse instante se o irmão não pensa dessa forma porque é como eu era antes. Deixe-me contar: até alguns anos atrás, eu pensava de uma forma parecida com a do irmão. Porém, logo descobri que minha visão do que era um calvinista genuíno era um tremendo estereótipo. Eu pensava que quase todo calvinista é fatalista e determinista, que só uma minoria deles é que não é radical, e chamava esta minoria de “calvinistas moderados”. Ledo engano. Logo descobri que os deterministas e fatalistas é que são distorções e os que eu chamava de “moderados” é que são a maioria e o padrão calvinistas, não só hoje, mas durante toda a História. Aliás, tive que estudar mais sobre a história protestante para entender isso. Portanto, percebi que não só eu, mas praticamente a maioria das pessoas, sejam elas crentes ou não, tem uma visão estereotipada do calvinismo, assim como muitos calvinistas hoje têm uma visão estereotipada dos arminianos. Ou você nunca ouviu algum calvinista chamar um arminiano de “pelagiano”? Há algo mais falso do que chamar um arminiano de pelagiano?

Como não há mais aquele contexto político da Idade Média e do início da Era Moderna , e como também o calvinismo não é mais maioria no meio evangélico (o que, se não fosse verdade, poderia ainda dar o ar de superioridade a alguns calvinistas, dar-lhes a idéia tentadora de “legitimidade por maioria” e fazê-los olharem com nariz empinado para os arminianos), muitos calvinistas se aproximaram dos arminianos e, assim, perceberam que estereotipavam os arminianos e estes, por sua vez, perceberam que faziam o mesmo em relação aos calvinistas. Arminianos, como eu, perceberam que, na verdade, o problema do calvinismo era outro, como já mostrei para o irmão no meu comentário anterior. E essa percepção não é um fenômeno tão recente assim, não é algo fruto dessa bobagem recente de ser “politicamente correto”. Muitos arminianos nas últimas décadas começaram a se aproximar e a entender mais a mentalidade e o real problema do genuíno calvinismo. E muitos calvinistas, por sua vez, entendendo melhor a posição arminiana, deixaram de taxar os arminianos de hereges, pois viram que estavam brigando com gente que, diferentemente do que pensavam, entendiam e pregavam a Doutrina da Salvação igual a eles, só divergindo em um aspecto secundário da Doutrina da Salvação: a mecânica da Salvação. O fato de, nos séculos anteriores, o contexto político atrapalhar qualquer debate mais democrático sobre o assunto, não permitiu que esse entendimento chegasse antes. Tanto é que, no século 18, na Inglaterra, sem os contextos políticos dos séculos 16 e 17 (como no caso do Sínodo de Dort), mesmo os calvinistas sendo maioria esmagadora na Inglaterra e em toda a Europa, o arminianismo pôde se expandir e começou a ser aceito em grande escala. No início, houve resistência, a ponto de os metodistas, em pleno avivamento, se dividirem entre metodistas calvinistas e metodistas arminianos (mas, em pouco tempo, o primeiro grupo foi diminuindo na mesma medida em que o segundo crescia). Se houvesse na Inglaterra do século 18 o mesmo contexto político dos séculos anteriores, o arminianismo teria sido sufocado. Mas não houve isso. Os tempos eram outros. No começo, houve forte resistência por meio de artigos publicados por calvinistas. Porém, os arminianos, agora com uma liberdade e um contexto político que Armínio e os outros em sua época não tiveram, passaram a responder com outros artigos de extrema qualidade e, no final, a maioria do povo tornou-se arminiana. Naturalmente. Foi a partir do século 18, com o Avivamento Wesleyano, que o arminiansimo deu a sua guinada até se tornar esmagadora maioria no meio evangélico.

Para ver como a compreensão sobre as posições arminianas e calvinistas tem corretamente mudado já há um bom tempo, basta lembrar, como exemplo mais recente, do reverendo Martin Lloyd-Jones, chamado de “O último dos puritanos” e que foi o mais famoso nome do calvinismo no século 20. Ele reconheceu publicamente que a luta entre calvinistas e arminianos era tola, porque a única diferença mesmo entre eles era em torno de um ponto doutrinário secundário. Lloyd-Jones afirmou isso em uma de suas ministrações em uma série de estudos ministrados em 1971, na Áustria, e que virou livro (“Que é um evangélico?”, Editora PES).

Leia o que disse Lloyd-Jones naquela famosa série de estudos:
“Devemos traçar uma distinção entre os pontos essenciais e os não essenciais. Deixem-me mencionar umas poucas coisas que coloco na categoria de não essenciais. Uma delas é a crença na eleição e na predestinação”. Na verdade, Lloyd-Jones se refere à interpretação calvinista da eleição e da predestinação, que são conceitos bíblicos que aparecem, por exemplo, em Efésios 1, e nos quais os arminianos crêem também, como não poderia ser diferente, mas interpretam mais perfeitamente, pois não vêem “um paradoxo misterioso perante o qual devemos emudecer” na relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana. Lloyd-Jones não precisou explicar ao seu auditório que se referia à interpretação calvinista da eleição e da predestinação, porque estava diante de um auditório totalmente calvinista, que entendia a eleição e a predestinação da mesma forma que ele. Conscientes disso, vejamos o restante das palavras de Lloyd-Jones: “Pois bem, eu sou calvinista; creio na eleição e na predestinação; contudo nem sonho em colocá-las sob o título de pontos não essenciais. Notem bem, eu condeno o pelagianismo; eu digo que o pelagianismo é uma negação da verdade das Escrituras quanto à Salvação. Isso cai fora. Mas eu estou pensando no arminianismo, em suas várias formas e, portanto, não coloco isso na categoria de pontos essenciais. Não, pela seguinte razão: que isto, para mim, é matéria de entendimento. Você não é salvo pelo seu preciso entendimento de como esta grande Salvação chega a você. O que você precisa ter claro na mente é que está perdido e condenado, sem esperança e sem amparo, e que nada pode salvá-lo, senão a graça de Deus em Jesus Cristo, e unicamente Ele, crucificado, levando sobre Si o castigo dos seus pecados, morrendo, ressurgindo, ascendendo ao Céu, enviando Seu Espírito, e a regeneração. Esses são os pontos essenciais. Agora, quando você vem e me pergunta: Exatamente como eu chego a crer nisso? Eu digo que é matéria de entendimento da mecânica da Salvação. E aqui, embora eu mesmo tenha idéias muito definidas e sólidas sobre o assunto, não me separarei do homem que não consegue aceitar e abraçar essas doutrinas da eleição e da predestinação da mesma forma que eu e que é arminiano, contanto que ele me diga que todos nós somos salvos pela graça e contanto que, como o calvinista concorda, como deve concordar, que Deus chama os homens, em toda parte, ao arrependimento. Contanto que ambos estejam dispostos a concordar acerca destas coisas, eu digo que não devemos romper a comunhão. Ponho assim, esses pontos na categoria de pontos não essenciais”.

Entendeu? Deixe-me ser ainda mais detalhista para o irmão.

Quando lemos sobre a história da luta dos calvinistas contra os arminianos em séculos remotos, vemos que os calvinistas taxavam os arminianos de serem hereges por, segundo eles, os arminianos estarem afetando o método da Salvação, estarem afetando a Doutrina da Salvação essencialmente, o que era uma tremenda mentira. Não só não estavam como o arminianismo ainda é mais coerente. Infelizmente, por causa de todo aquele contexto político, houve um “pré-conceito” e uma “pré-disposição” de condenar o arminianismo. Porém, séculos depois, em outros contextos e com diálogo, foi ficando mais claro para os calvinistas que tudo não passava de um estereótipo. Claro que sempre houve calvinistas mais resistentes (estes sempre existiram e sempre existirão mesmo), mas gradativamente foram diminuindo mais e mais. E entre os arminianos, por sua vez, passaram a coexistir os que continuaram a alimentar um estereótipo antigo em relação aos calvinistas (que consiste em, vingativamente, taxar os calvinistas, de forma geral, de estarem fazendo a mesma coisa que os calvinistas radicais e os calvinistas do passado diziam que os arminianos faziam: distorcer a Doutrina da Salvação) e outros arminianos que, ao contrário, entenderam corretamente do que se tratava a diferença: uma divergência em torno não do método da Salvação, mas em torno da mecânica da Salvação, que, à luz da Bíblia, não é uma doutrina prioritária para a Salvação, já que não é o ponto central nem da mensagem de Jesus nem da pregação dos apóstolos (Já notou que a doutrina acerca da mecânica da Salvação encontra sua base e sua maior parte de discussão nas epístolas e não nas pregações de Jesus nos Evangelhos ou nas pregações dos apóstolos no Livro de Atos?).

Assim como existem doutrinas bíblicas que são mais importantes do que outras, em cada doutrina bíblica existem pontos que são mais importantes do que outros. Essa compreensão da diferença entre quais sãos os pontos doutrinários primordiais e quais são os secundários decorre da leitura da própria Bíblia (como não poderia ser diferente). Basicamente, uma doutrina bíblica é fundamental quando, além de ser clara, ela é apresentada como fundamental na Bíblia (olha-se para a importância que a Bíblia dá ao assunto) e quando o entendimento equivocado dela acaba afetando o corpo das doutrinas bíblicas como um todo. Veja um exemplo de pontos fundamentais e secundários dentro de uma doutrina bíblica no caso da Doutrina das Últimas Coisas, mais conhecida como Escatologia Bíblica. Ora, na Escatologia Bíblica, são pontos fundamentais os fatos de que Jesus voltará, que Ele arrebatará a Sua Igreja, que haverá ressurreição dos justos (com corpo glorificado) e ressurreição dos ímpios, que haverá Tribunal de Cristo e que haverá Juízo Final. Entretanto, não são pontos fundamentais da Escatologia Bíblica a questão se o Arrebatamento da Igreja vai ser antes, durante ou depois da Grande Tribulação ou se as duas testemunhas de Apocalipse são Elias e Moisés, Elias e Enoque ou seja lá quem forem. Particularmente, entendo que a Bíblia diz que o Arrebatamento ocorrerá antes da Grande Tribulação, mas não posso e não devo considerar um irmão em Cristo herege apenas porque ele crê que o Arrebatamento vai ser no meio ou depois da Grande Tribulação.

Vejamos mais um exemplo: a Doutrina de Deus, uma doutrina bíblica importantíssima. Cito-a aqui também porque um aspecto dela, que quero destacar, ilustra bem a distinção de importância entre o método da Salvação e a mecânica da Salvação.

À luz da Bíblia, são fundamentais o fato da existência de Deus, os atributos morais e naturais de Deus, a triunidade divina e o fato de que o Deus do Antigo Testamento é o mesmo do Novo Testamento. Porém, não é essencial, por exemplo, um crente entender perfeitamente como é que Deus pode ser três personalidades distintas em um único ser ao mesmo tempo. É absolutamente essencial para o cristão aceitar essa verdade, que é bíblica e importantíssima até para o entendimento do método da Salvação, mas não é essencial entender como pode algum Ser ser três-em-um. Várias ilustrações e explicações já foram dadas na História, umas mais felizes do que outras, mas nenhuma pôde ser tão perfeita. Não se pode exigir de um crente que entenda como é que pode ser a Trindade, mas, sim, que essa triunidade, inexplicável dentro dos recursos humanos, existe e é real à luz da Bíblia. Isso porque, como falei, aceitar a Trindade tem a ver com entender o método da Salvação. Simplesmente, sem a doutrina bíblica da Trindade, a Doutrina da Salvação perde todo o sentido. Se não, vejamos. Se o Deus uno não é tripessoal, como conceber que o sacrifício de Cristo, que é Deus, foi uma oferta pela expiação de nossos pecados? Sabemos que uma oferta sacrifical é feita por uma pessoa a outra e em favor de uma terceira. O sacrifício de Cristo foi feito em nosso favor, mas a quem ele foi oferecido? A nós mesmos? Ao Diabo? Se foi a nós, há um sério problema. O sacrifício de Cristo já não foi feito em nosso favor para termos o perdão de nossos pecados? Somos pecadores, logo somos devedores de Cristo. Então, como podemos receber esse sacrifício, como se Cristo fosse o nosso devedor? Esse sacrifício não é oferecido a nós, mas, sim, por nós. E se foi ao Diabo, a outro sério problema. Estaríamos dizendo que devíamos ao Diabo, e isso não é verdade. Nossa dívida era para com Deus. Além do mais, estaríamos dizendo que Satanás extorquiu o Senhor, o que é um absurdo. Um exercício simples da razão mostra que todas as alternativas fora da perspectiva da Trindade são absurdas e esfacelam totalmente a Doutrina da Salvação. Todas são antibíblicas porque ignoram o claro ensino bíblico sobre a Trindade. A Bíblia é clara: Cristo morre na cruz como uma satisfação pelos nossos pecados recebida pelo Pai e cujo resultado é aplicado em nossas vidas pelo Espírito Santo.

Ora, assim como a aceitação de que Deus é triúno (três personalidades distintas formando um único Ser) é indispensável e fundamental para o crente, mas entender perfeitamente como é que pode três personalidades distintas formarem um único Ser já não é importante, da mesma forma, na Doutrina da Salvação, é essencial a compreensão do método da Salvação, mas não da mecânica da Salvação.

O método da Salvação é o aspecto fundamental da Doutrina da Salvação, pois, sem entendê-lo, ninguém sequer é salvo. Inclusive, é esse ponto doutrinário (o método da Salvação) que faz a Doutrina da Salvação ser a principal de todas as doutrinas bíblicas, o que a coloca acima de todas. Ela tem essa posição por causa da essencialidade do método da Salvação para todo o corpo das doutrinas bíblicas. Por isso, não posso e não devo considerar um calvinista genuíno herege, pois sua divergência é com a mecânica da Salvação. Isso é tão óbvio que ter de repeti-lo aqui seria realmente desnecessário, mas o fiz de propósito. Por quê? Porque é justamente baseado nesse fato que os adeptos do Teísmo Aberto tentam dizer que não são hereges: o Teísmo Aberto seria apenas uma terceira via de compreensão da mecânica da Salvação. Por que, então, o Teísmo Aberto é heresia? Ela não é apenas uma divergência em torno da mecânica da Salvação, e não em torno do método da Salvação, logo não deveria ser considerada apenas mais uma alternativa saudável?

Aliás, já notou como os adeptos do Teísmo Aberto uma hora dizem que a mecânica da Salvação não é um ponto doutrinário primordial justamente para apresentarem o Teísmo Aberto como se fosse uma terceira via saudável à mecânica da Salvação, mas, algumas vezes, tratam o calvinismo (que tem claramente um problema apenas em torno da mecânica da Salvação) como se fosse um problema em torno do método da Salvação, exatamente para taxar o calvinismo de heresia?

Por que o Teísmo Aberto é heresia, e o calvinismo e o arminianismo não são? Porque, diferentemente do calvinismo genuíno e do arminianismo genuíno, o TA tenta dar a sua interpretação quanto à questão da mecânica da Salvação de uma forma que afeta outras doutrinas bíblicas fundamentais: a definição de Deus, segundo a Bíblia. Mais especificamente, o ser de Deus; e mais especificamente ainda, seus atributos onipotência e onisciência. Por isso os proponentes do TA inventaram os termos esdrúxulos e auto-contraditórios “onisciência não exaustiva” e “onipotência não-plena”, numa tentativa desonesta de tornar o TA uma alternativa sadia. Como diriam os italianos: “Capiche?”

Quanto aos textos do reverendo Nicodemos, que bom que ele teve a hombridade de voltar atrás, mantendo equilíbrio. Ruim é quando alguém erra e não admite, não é mesmo?

Aliás, acho que seria interessante colocar todos os dizeres do pastor Nicodemos, quando em resposta ao comentário do senhor defendendo adeptos do Teísmo Aberto. Veja se não foi isso que o reverendo Nicodemos disse em 12 de agosto deste ano, nos comentários da postagem de 8 de agosto do tempora-mores.blogspot.com, intitulada “Pastores e igrejas da Betesda rompem com Teologia Relacional”:
“Caro Pastor Silvano, agradeço o tempo que o senhor passou freqüentando nosso blog e os comentários postados, já que entendi que essa postagem é a última. Obrigado por compartilhar a sua história de vida e de ministério. Já sei de tempo que os irmãos da Assembléia gostam de ler literatura reformada e fico satisfeito em saber que o irmão é um deles. Percebo que sua inquietação é com a frase ‘Só tem uma coisa da qual os reformados têm mais medo do que parecer arminianos, que é parecer pentecostais. Aí, jogamos fora não somente a água suja da banheira, mas menino e tudo!’ Você tem razão. Ela foi mal colocada. Eu deveria ter deixado claro que estava criticando uma atitude geral dos reformados com a qual não compartilho. Falei como se fosse um dos que pensa assim, e nesse ponto você está certo. Eu nunca tive medo de parecer pentecostal. Escrevi algumas obras que falam da nossa necessidade de buscar a plenitude do Espírito. Tenho sido chamado de pentecostal por reformados que discordam da minha posição quanto à interpretação de 1Co 13, sobre as cessação do dom de línguas. Não tenho problemas em convidar pecadores a aceitar a Cristo. Prego regularmente em igrejas da AD. E assim por diante. Todavia, não posso dizer que você está certo nas demais críticas e afirmações que me faz. O senhor errou no último comentário quando julgou minhas intenções, tomando o lugar de Deus. Erra de novo quando diz que eu comemoro o acontecido na Betesda. Erra outra vez quando diz que sou desafeto teológico de Gondim, como se houvesse algo pessoal da minha parte. Erra quando me imputa a intenção de queimar bruxas, entre elas Ed René e outros expoentes. Para evitar que o irmão continue errando mais, cumprirei a sua profecia de que esse foi seu último comentário aqui. De fato, foi mesmo”.

Outro detalhe: parece que seu problema não é só com calvinistas. Como vai a sua relação com meu amigo, o pastor assembleiano e arminiano Geremias do Couto? Por que será que o senhor foi limado do blog dele também? Não seria por algumas heresias e palavras acintosas?

Ah, sim! Obrigado por, dessa vez, no final, não fazer digressões, mas ir direto ao ponto, assumindo que não crê que os arrependimentos de Deus são antropomorfismo, o que significa dizer que, para o senhor, Deus erra; Deus se equivoca; Ele aprende com suas criaturas; tem humores instáveis e não sabe tanto das coisas (pois, se soubesse, não iria fazer coisas pelas quais se arrependeria depois). Essa é sua visão de Deus? Você crê que o Deus da Bíblia é assim? Você consegue ler 1 Samuel 15.11 e 1 Samuel 15.29, e ir contra o que diz a sua razão, só porque essa visão que o senhor tem de Deus parece-lhe mais atraente? Vale mais uma ideologia envernizada do que o que diz a Bíblia? Outra coisa: da próxima vez, seja um pouco mais original em vez de, em sua confissão de fé, citar frases de adeptos do Teísmo Aberto publicadas na Internet. Faltam-lhe palavras? Eles pensam pelo senhor? Eles determinam o que o senhor pensa? Seu entendimento está firmado na Palavra ou no que eles, contraditoriamente, dizem?

Lucas 7.30 diz que os fariseus interferiram no propósito de Deus? Essa é boa! Vem cá, o irmão lê o que escreve ou só é Ctrl+C e Ctrl+V?

E sobre a frase “esse Deus que consegue garantir ao mesmo tempo a liberdade dos homens e a eficácia das suas promessas é, paradoxalmente, mais Todo-Poderoso que o Deus do calvinismo, o qual é necessariamente limitado pelas cadeias de sua soberania” não é mais um exemplo do que é uma visão estereotipada do calvinismo? Será que o calvinismo não diz exatamente que o Deus Todo-Poderoso garante, ao mesmo tempo e paradoxalmente, “a liberdade dos homens e a eficácia das suas promessas”?

“Encaro a relação entre a soberania de Deus e a liberdade humana como sendo parte dos mistérios acerca do ser Deus, mas não entendo que a liberdade humana torna Deus menos soberano ou vice-versa. A soberania de Deus e a liberdade humana têm que ser mantidas juntas num só corpo, sem mistura, sem confusão, sem fusão e sem diminuição de ambas” – O que esse texto que o senhor reproduziu está contradizendo o pensamento arminiano? Agora, é uma auto-contradição no discurso do Teísmo Aberto, que diz que a liberdade humana não diminui o ser de Deus, mas diminui: vide o "arrependimento de Deus" tomado como literal e os conceitos auto-contraditórios de "onisciência não exaustiva" (se é onisciência, Salmos 139, é exaustiva) e "onipotência não-plena" (se é onipotência, Gênesis 17.1, então o poder é pleno).

E ao dizer “mas seja feita a tua vontade”, Jesus não estava demonstrando clara submissão (como sempre demonstrou) ao Pai tanto quanto ao dizer “se for possível”? Existe alguma contradição quanto à submissão de Jesus ao Pai entre as suas palavras “mas seja feita a tua vontade” e “se for possível”?

Aliás, sobre a questão da oração, já respondi em comentário antigo em resposta ao senhor, citando até uma entrevista minha a www.elnet.com.br sobre os erros do Teísmo Aberto. Lembra-se de 1João 5.14?

Outra coisa: pra que ficar reverberando isso aqui se já foi reverberado o suficiente no tempora-mores, com dezenas de comentários? Terei que repetir os comentários de lá? Quem quiser, leia-os lá.

O senhor crê que “Deus deseja que todos se salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade”? Eu também. Está na Bíblia: 1 Timóteo 2.4. O calvinista, pelo mesmo motivo, crê também, sendo que ele também crê na existência de um paradoxo entre a liberdade humana e a soberania de Deus. Eu, que sou arminiano, sinceramente, vejo harmonicamente as duas coisas, sem crise. “Capiche?”

Anônimo disse...

Caro pr Silas,
Inicialmente peço perdão. Reconheço que talvez tenha ofendido o irmão, atribuindo desvio no trato do tema em discussão.
Não preciso mais dizer que vc é muito generoso, não economizando tempo e espaço para me responder. Sinto ‘inveja’ de vc porque, modéstia à parte, acho que até tenho cabeça boa, mas a minha habilidade na digitação está para lá de pífia. Normalmente paro a minha secretária, uma irmã batista e crente, para digitar os textos e na medida do possível fazer com que o teclado acompanhe o tempo do meu pensamento.
Não é só, sou pastor. Faço parte da enorme legião de obreiros que tem atividade profissional e divide o tempo entre o provimento do sustento temporal e a atenção ao rebanho, como sabe, fato corriqueiro na seara assembleiana. Por isso reconheço que, principalmente por falta de tempo, o meu trabalho por excelência não é “teologar”. Gostaria que fosse, mas sei que teologia não é mero trabalho de montar guarda no paiol dos postulados sistematizados; é sobretudo o esforço dos que não têm todas as certezas para não pecar confundindo ortodoxia com dogmatismo, substrato do legalismo. Fazer teologia é empreender esforços na abertura de portas para “conhecer e prosseguir em conhecer o Senhor”. Conhecimento esse que indubitavelmente não se exauriu nas escrivaninhas dos teólogos da idade média. Foi o próprio Jesus quem afirmou que Ele o Pai trabalham até hoje e, portanto, qualquer esforço para manter Deus exclusivamente nas gavetinhas herméticas da sistematização teológica é esforço humano desumano. Aliás, como se vê não só os ‘hereges’ do teismo aberto pretendem ‘diminuir’ Deus – Eta pretensão hein! He, he, Ele deve estar morrendo de medo - a teologia piedosa do teismo fechado já o faz há muito.
Reconheço, pelo pouco contato facilitado por essa mídia, que o nobre pastor reúne, até por dever do ofício, melhores condições no trato das questões teológicas que quaisquer pastores como eu. Começo a crer que vou sempre perder, pelo menos em volume de texto, se insistir nesse visível bateu-levou.
Permita-me, sem necessariamente exigir mais do seu posicionamento, apenas esclarecer o seguinte:

1- A minha relação com o pastor e seu amigo, Geremias do Couto vai bem. Insisti em não interagir com ele – erro meu – talvez por medo. Ele por sua vez gentilmente deixou claro que mesmo não concordando as minhas posições permitiria que eu continuasse postando lá sem cerceamento. Verificando a última postagem que ele trocou comigo o pastor vai perceber que não fui ‘limado’ porque, segundo afirmou, isso não faz parte da história dele.Quem sabe em breve, se achar que devo, voltarei a postar lá no Manhã com a Bíblia.
Sinto-me livre para interagir na blogosfera, principalmente com os pentecostais, de quem tenho recebido carinho e apreço, inclusive de pastores como vc, que investem tempo precioso para me responderem. Freqüento quase diariamente os blogs reformados - o do Augustus Nicodemus e o da Norma Braga. Da Norma recebi gentil visita no Sinergismo, por ocasião do aniversário do meu filho. Portanto, sendo oportuno ou pelas razões que descrevi em comentário anterior continuarei postando nos blogs reformados, mesmo que não tornem publica a minha opinião.

2- Sinceramente, alguns textos das Escrituras como: Isaías 1: 19-20; Salmos 106: 23; Jeremias 3: 6- 7; Jeremias 3: 19-20; Jeremias 18: 7-11; Ezequiel 22: 29-30; Isaías 5: 3- 5; Jeremias 19: 4-5; Ezequiel 22: 29-30 e outros tantos, incluindo de Lucas 7: 30, não são de fácil hermenêutica. Não consigo aceitar – problema meu - que toda explicação para esses gargalos se refugie no simplismo que os remetem a bacia das figurações, da ilusão ou do antropomorfismo.

Cordialmente,
Paulo Silvano

Silas Daniel disse...

Caro pastor Silvano,

Não existe "Teísmo Fechado". O Teísmo é, por definição, aberto. Esse nome Teísmo "Aberto" é invenção recente, dos novos tempos, fruto dos ares pós-modernos. Será que os deístas acham os teístas "fechados" ou "abertos"? O Teísmo já é abertura em relação ao Deísmo (este, sim, fechado). O Teísmo Aberto é, sim, uma aberração, uma distorção do Teísmo, e que se auto-intitulou recentemente de "aberto" para colar no Teísmo clássico a idéia de "atraso", "coisa ultrapassada". Estamos numa época em que o legal é ser diferente, "avançado", com idéias radicais, supostamente "pra frente". Não é à toa que a maioria dos projetos de lei de hoje não objetiva criar limites, mas retirar limites. É a pós-modernidade.

É como a Graça. A Graça de Deus é "fechada" ou "aberta"? Você acha ela fechada? Imagino que não. Mas tem gente que acha, propondo uma graça mais aberta, uma distorção da Graça, uma graça que, de tão elástica, é irresponsável. Na década de 40, Bonhoeffer já falava dessa distorção da graça de Deus começando a ser gestada em seus dias, e apontou as diferenças entre a graça preciosa, nome que deu à Graça de Deus, bíblica, e a "graça barata", que já é tão comum em nossos dias.

A moda, hoje em dia, em época de pós-modernidade, é radicalizar, fluidificar absolutos, relativizar verdades (até mesmo a Verdade da Palavra de Deus), e taxar desonestamente os que não radicalizam (os que não relativizam valores) de "fechados", "herméticos", "engessados", "congelados", "empedernidos", "pedrados", etc, etc. Por isso essa aberração chamada Teísmo Aberto se intitula de "aberto", para taxar o Teísmo clássico de "ultrapassado". O certo seria se denominar "Teísmo Bizarro", "Teísmo Distorcido" (o que nunca vai acontecer, claro), porque é uma distorção daquele. Lembre-se que não foram os teístas clássicos que chamaram o Teísmo Aberto de Teísmo Aberto, mas foram os proponentes desta distorção do Teísmo clássico que se auto-denominaram "teístas abertos". No passado, quando a onda da pós-modernidade não existia, o que hoje chamamos Teísmo Aberto chamava-se "Teologia do Processo". Muda-se a moda, mudam-se as roupagens. Como os tempos agora são outros, além de seus adeptos preferirem o termo TA, ainda criaram o "Teologia Relacional", bem ao estilo pós-moderno também, e com o objetivo de taxaem os teístas clássicos de "ranzinzas", "sem amor", "frios". Nada mais falso. Nada mais na moda.

Os pós-modernos vivem de estereotipar para relativizar. Quer relativizar absolutos? Eis a fórmula: estereotipe o absoluto.

Sobre os meus textos longos, quero lembrá-lo que, pela graça de Deus, não tenho problema de escrevê-los mesmo, apesar de trabalhar de segunda à sexta das 8h às 18h, fazer faculdade de Direito todas as noites, dar atenção à minha família e viajar praticamente todo o final de semana para pregar em conferências, cruzadas, seminários, escolas bíblicas, congressos, etc. Além disso, como já disse a meus leitores esta semana, estou concluindo meu próximo livro. Tenho até a próxima semana para entregá-lo. Ou seja, para responder ao irmão hoje, tive de parar o meu trabalho. Meu "feriadão" vai ser trabalhando.

Entendo que as muitas atividades e preocupações com o rebanho o levem naturalmente a não ter tempo para "teologar". Nada mais justo. Não deve-se exigir de um pastor que seja um teólogo, no sentido de um homem dedicado - exclusiva ou principalmente - ao estudo teológico. A única coisa que deve-se exigir de um pastor é que não se deixe levar por heresias e modismos. Efésios 4 diz que Deus deu à Sua Igreja apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e doutores "para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo vento de doutrina". Não deve-se exigir desses homens que sejam teólogos, mas, sim, que sejam ortodoxos biblicamente.

Outra coisa: não devemos ser presos a teologias sistemáticas, mas, sim, à Teologia Bíblica. Se sou preso a uma teologia sistemática, se sou fiel ao dogmatismo, vou achar herege quem discorda do meu entendimento de que o Arrebatamento será antes da Grande Tribulação ou achar herege um irmão que não é arminiano como eu. Se a teologia sistemática de um determinado irmão diz diferente daquela a qual entendo que é melhor, taxaria esse irmão de herege. Sendo que minha teologia não é presa a sistematizações, mas à Bíblia. Não confundo dogmatismo com ortodoxia bíblica. Sistematizações são importantes, não devemos demonizá-las. Elas são uma forma didática de expor as doutrinas bíblicas, mas meu compromisso é sobretudo com a Bíblia, com o que ela diz para mim que é essencial. Por isso não posso aceitar o Teísmo Aberto, porque, à luz da Bíblia, é heresia. É por isso que cristãos calvinistas, arminianos, pentecostais ou tradicionais, pré-tribulacionistas, pós-tribulacionistas ou midi-tribulacionistas dizem a mesma coisa: Teísmo Aberto é heresia. Porque o Teísmo Aberto choca-se frontalmente com a Bíblia. E como todo cristão deve ter compromisso com a Bíblia, não pode emudecer diante do erro.

Como o senhor disse, "fazer teologia é empreender esforços na abertura de portas para 'conhecer e prosseguir em conhecer o Senhor'", é refletir sobre a Bíblia para extrair dela lições, orientações e luz para o nosso caminho, e não se aproximar da Bíblia para adaptar ela aos nossos gostos e idéias ou tentar fazer ela dizer o que não diz porque, se dissesse aquilo, se encaixaria com uma idéia atraente que temos sobre determinado assunto.

Sua mentalidade, meu irmão, é totalmente pós-moderna, estereotipadora. O senhor repete, como um papagaio profissional, todos aqueles discursos que já estamos cansados de ouvir dos teólogos liberais. O senhor acha que todos os que não vêem como o senhor, todos os que procuram ser fiéis à ortodoxia bíblica, encapsularam Deus, engavetaram Deus, colocaram ele em alguma camisa-de-força, delimitaram Deus. Nada mais falso. O senhor aceita passivamente todas essas mentiras e não pára para raciocinar que quem encapsula Deus à sua visão é quem taxa de hereges os que divergem no secundário. Quem defende os pontos bíblicos fundamentais não engavetou Deus; está sendo simplesmente bíblico. O senhor também não percebe que de Lutero e Calvino para cá, a reflexão teológica protestante não ficou encapsulada - vide o metodismo e o Movimento Pentecostal, só para citar os dois exemplos mais conhecidos dentre dezenas deles que poderia enumerar para o irmão. A única coisa que permaneceu da Reforma para cá é a defesa das doutrinas fundamentais da Bíblia, o restante foi alvo de reflexão teológica sadia e diversificada. E nesse bolo não está, obviamente, os teólogos liberais, porque o negócio deles sempre foi atacar as doutrinas bíblica fundamentais (autoridade da Bíblia, inspiração da Bíblia, inerrância da Bíblia, a concepção de Deus, o significado do sacrifício de Cristo, o sentido da Salvação, o método da Salvação, os milagres, etc).

Os hereges do Teísmo Aberto diminuem Deus descaradamente e dizem que não, como já mostrei para o irmão várias vezes em meus comentários (e não vou mostrá-lo de novo agora, porque, para isso, teria que aceitar a idéia de que o irmão apenas não entendeu ainda onde os teístas abertos erraram. Não tenho essa ilusão mais. O irmão prefere não querer enxergar e, quando as coisas chegam a esse ponto, não sou eu quem vai abrir seus olhos. O senhor só enxerga se quiser).

Sobre o que o irmão disse sobre o irmão Geremias do Couto, só tenho a dizer que não foi isso o que eu ouvi recentemente dele, e pessoalmente. E falo com ele quase toda semana pessoal ou telefonicamente.

Sobre a Norma, sinceramente não a conheço. Já visitei, como tantos fazem, o blog dela algumas vezes (blog muito interessante, por sinal). Quem me indicou o blog dela foi justamente o pastor Geremias do Couto, um admirador do blog da Norma. Lá, no blog dela, vi certo dia quando o senhor mandou notícias sobre o aniversário do seu filho e a Norma congratulou-se com você. Achei um gesto bonito de ambos depois de tantas rusgas nos blogs reformados. Parabéns a ambos. Como diz a Norma... :-)

Agora, imagino que seja desagradável para o senhor continuar mandando comentários para alguns blogs mesmo que esses comentários não sejam publicados, como o senhor mesmo confessa. Isso não o faz refletir um pouco?

Quantas vezes o senhor mandar comentários para cá dizendo que Teísmo Aberto não é heresia tantas vezes irá ler minha resposta de que É HERESIA. Já tive a paciência de responder a vários comentários seus, inclusive tendo que repetir as mesmas palavras tantas vezes, como se eu estivesse dialogando com alguém que não consegue entender o que escrevo, mesmo com tantos detalhes que apresento. Como já disse, se o senhor não quiser enxergar, não vou ser eu quem vai fazê-lo enxergar.

Sobre os textos citados: Isaías 1.19-20 (Claramente livre-arbítrio. O que há de errado aqui?); Salmos 106.23 (Em nada contradiz 1João 5.14. Aliás, o que o irmão acha de 1João 5.14? E já leu esse texto de Salmos 106.23 à luz de Ezequiel 22.30, que o senhor mesmo cita?); Jeremias 3.6-7 (Não entendo? Aqui temos claramente livre-arbítrio de novo. Por acaso o senhor está sugerindo que a existência do livre-arbítrio diminui a onipotência e a onisciência de Deus? Ah, claro que sim! O senhor é adepto do Teísmo Aberto, não é mesmo? Não é isso que diz a sua declaração de fé? Não é isso o que dizem seus mentores? Para o senhor, o livre-arbítrio não pode conviver com a onipotência - Gn 17.1 - e a onisciência - Sl 139 - de Deus sem que estas não sejam diminuídas); Jeremias 3.19-20 (Livre-arbítrio de novo...); Jeremias 18.7-11 (Livre-arbítrio de novo... - sobre o arrependimento de Deus já falamos no comentário acima); Isaías 5.3-5 (Livre-arbítrio de novo...); Jeremias 19.4-5 (Livre-arbítrio de novo...); Ezequiel 22. 29-30 (Engraçado como você cita Salmos 106.23 como argumento e cita a resposta a ele em seguida. Era só parar para prestar atenção na relação Salmos 106.23-Ezequiel 22.29,30-1João 5.14 e sua crise estaria resolvida). Você considera esses textos de difícil hermenêutica? O irmão tem alguma dificuldade de entendê-los? Por que eu e milhões de outras pessoas não temos. Que pena...

O senhor diz "Não consigo aceitar". Aí está o início da explicação de sua dificuldade. Simplesmente, o senhor não quer aceitar explicações tão óbvias. A simplicidade o incomoda. O senhor quer algo diferente, cinzento, incerto, por isso procura nos textos bíblicos algo que possa lhe sugerir um pouco de incerteza; porém, à luz de outros textos bíblicos, somem quaisquer dúvidas sobre aqueles textos bíblicos. A Bíblia se explica pela própria Bíblia.

O senhor não quer aceitar a conclusão lógica advinda de simplesmente comparar 1Samuel 15.11 e 1Samuel 15.39?
O senhor não quer aceitar que está escrito o que está escrito em 1João 5.14? Será que depois de ler Salmos 106.23, 1João 5.14 e Ezequiel 22.30, o senhor ainda tem problemas para entender? O Deus que só atende àquilo que está dentro da Sua vontade queria (essa era a Sua vontade) que tivesse alguém para se colocar na brecha para que Ele não tivesse de fazer o que Ele, por ser santo, não poderia deixar de fazer (pois Sua vontade também é dar uma resposta ao erro, a não ser que haja arrependimento, que é o que Deus deseja. Ou seja, a vontade de Deus é responder com dureza ao erro de quem não se arrependeu. Pior do que pecar é pecar e não se arrepender do seu pecado). Moisés entrou na brecha. Ora, Deus quer nos abençoar, mas a regra enunciada por Deus é "pedi e dar-se-vos-á" (Mt 7.7) Já leu 2Crônicas 7.14? Deus quer dar, mudar, libertar, curar, perdoar, transformar, retirar, conceder, mas para isso é preciso que alguém peça, fale, se arrependa, ore, se humilhe diante da Sua presença. Já leu o livro de Joel? Deus mandou pragas e seca a Jerusalém. Então, enviou seu profeta dizendo: "Rasguem seus corações, se arrependam, e vou retirar as pragas e a seca. Se não rasgaraem seus corações, se não se arrependerem, elas vão continuar".

Como já disseram vários cientistas sociais, na pós-modernidade a alta erudição é vista como sinônimo de incerteza. É chique ser cheio de incerteza. É charmoso ter incertezas. Quanto mais incertezas você tiver e quanto mais relativizações você fizer, mais charmosamente erudito você parecerá. Ao ponto de quem tem certezas ser taxado de desonesto. Só é honesto quem não tem certezas (mesmo que estas sejam abalizadas claramente na Bíblia). Diferentemente dessa onda, continuamos, como tantos outros servos de Deus, guardando o bom depósito, ficando firmes naquilo que a Palavra nos ensina.

"Eu sei em quem tenho crido!"

Pastor Geremias Couto disse...

Caro Silas Daniel:

Acompanhei com interesse o seu debate com o pr. Paulo Silvano. Não me manifestei anteriormente para deixar que a troca de idéias entre ambos fluísse com liberdade, sem qualquer interferência minha que, talvez, pudesse ser tomada pelo próprio pr. Paulo Silvano como algo de caráter pessoal.

No entanto, eis que sou surpreendido com a citação do meu nome pelo pr. Paulo Silvano sem que houvesse, em qualquer parte dos posts, a mais leve insinuação a meu respeito. Pela forma como se referiu a mim, deu a entender nas entrelinhas que no passado tenha havido alguma rusga entre nós, mas que agora "a nossa relação vai bem".

Tal afirmação me obriga a esclarecer alguns pontos para que não pairem dúvidas a meu respeito naqueles que freqüentam este blog e para que os fatos sejam colocados nos seus devidos lugares.

Passo a expor:

1. Em nenhum momento tive qualquer entrevero pessoal com o pr. Paulo Silvano ou com qualquer outra pessoa que me dá a honra de freqüentar o meu blog, pois entendo que a circulação de idéias, mesmo no campo teológico, embora não concorde com muitas delas, é um direito de todos, principalmente quando se trata de um espaço como os blogs.

2. Quando o pr. Paulo Silvano se reporta a mim para dizer que sua relação comigo vai bem, quis ele certamente referir-se a uma troca de comentários entre nós há alguns meses, no meu blog, por razões muito parecidas com a que ocorreu, agora, entre ele e o pastor Silas Daniel. O pano de fundo foi o mesmo: o Calvinismo.

3. O pr. Paulo Silvano questionou então o fato de eu, pastor assembleiano, ter afirmado ser "quase um calvinista" em postagem no blog do rev. Augustus Nicodemus, sem entender não só o sentido fraterno da frase proferida a um amigo dos círculos reformados, mas também a verdadeira conotação dela quanto ao fato de muitos arminianos deixarem de se apropriar de muitas verdades do Calvinismo, mas que são essencialmente bíblicas, simplesmente por medo de ficarem parecidos com os calvinistas.

4. Em razão de o pr. Paulo Silvano identificar-se como assembleiano e demonstrar certa apreensão com a frase(embora acredite não haver nenhum pecado em ser ao mesmo tempo assembleiano e calvinista) tive o cuidado de esclarecer-lhe o sentido da minha afirmação e fiquei no aguardo de sua resposta aceitando os meus esclarecimentos ou contra-argumentando os pontos abordados.

5. Eis que, de repente, ao invés de analisar a minha resposta, o pr. Paulo Silvano extrai um parágrafo de outra postagem do prof. Augustus Nicodemus e posta no meu blog como se fosse o grande achado para provar que ele, prof. Augustus Nicodemus, nutria preconceitos contra os pentecostais.

6. Disse então ao pr. Paulo Silvano que não fazia sentido trazer a discussão do blog do prof. Augustus Nicodemus para o meu blog, já que o assunto estava sendo tratado lá, não nos meus comentários. E deixei claro que lhe daria a resposta lá, por questão de ética, no blog do prof. Augustus Nicodemus, decisão com a qual ele prontamente concordou.

7. Fiz então minha postagem no blog do prof. Augustus Nicodemus, discordando do pr. Paulo Silvano e concordando com todas as afirmações do prof. Augustus Nicodemus por achá-las coerentes com o propósito sobre o qual discorreu e em virtude de não perceber, por mais que procurasse, qualquer preconceito dele contra os pentecostais.

8. Pensei que o debate terminaria ali. No entanto, logo depois o pr. Paulo Silvano fez nova postagem em meu blog, onde deixou transparecer certo ressentimento por eu ter-lhe respondido no blog do prof. Augustus Nicodemus, como se ele não soubesse antecipadamente, como de fato ficou sabendo antes, da minha decisão de postar lá, e não no meu blog.

9. Depois de expor suas considerações, o pr. Paulo Silvano deixou registrado que não mais postaria em meu blog, alegando para isso o compromisso com as suas responsabilidades pastorais e o "peso de sua responsabilidade" em lidar com o futuro eterno das pessoas.

10. Diante disso, refutei ponto por ponto as suas afirmações, estritamente no campo das idéias, para, ao final, dizer-lhe que lamentava a sua decisão de não mais postar em meu blog e que as portas permaneceriam abertas, como estão, desde que seus comentários fossem respeitosos, como eram, exigência que faço indistintamente a todos que me dão a honra de freqüentar o meu blog, que não aceita, inclusive, comentários anônimos.

Passo às conclusões:

1. A alusão que o pr. Paulo Silvano faz ao fato de lhe ter mantido as portas abertas é correta, mas a pretensa afirmação minha por ele apresentada de que não iria "limá-lo" por esta atitude não condizer com a minha história está fora de contexto.

2. Essa afirmaçào foi feita no contexto em que ele pressupôs a minha postagem no blog do prof. Augustus Nicodemus como se fosse fruto de outros interesses. Aí, sim, disse-lhe com todas as letras que a isso não responderia por não condizer com a minha história, já que sempre procurei mover-me à luz de convicções e não em busca de qualquer vantagem.

3. Lembro-me também de ter afirmado ao pr. Paulo Silvano de que, entre alinhar-me aos reformados ou aos defensores dos modismos neopentecostais e do teísmo aberto, ficaria com os primeiros, sem nenhuma sombra de dúvida.

4. Vale lembrar que à época desconhecia o fulcro teológico do pr. Paulo Silvano até porque não conhecia o seu blog e ele ainda não deixara clara a sua posição. Assim, a minha afirmação sobre não alinhar-me com o teísmo aberto foi uma espécie de antevisão do posicionamento do pr. Paulo Silvano (a qual eu respeito, mas com a qual decididamente não concordo), eis que posteriormente no seu blog, valendo-se de textos de outros autores, ele deixou implícita a sua crença no Teísmo Aberto, a qual agora reafirma abertamente, aqui no blog do pastor Silas Daniel, empregando também texto de outro autor, sem se dar ao trabalho de pensar por si mesmo.

5. Percebi durante todo esse tempo que o pr. Paulo Silvano nos quis usar para criar um falso conflito entre arminianos e calvinistas, pois tanto no meu blog, como no do prof. Augustus Nicodemus, no da Norma Braga e, agora, no do pastor Silas Daniel, ele fez questão de fisgar os calvinistas como hereges, fato ao qual não preciso aduzir nenhum comentário, pois o pastor Silas Daniel demonstrou a incoerência dessa posição de forma magistral e bíblica.

6. Quem sabe, não queria o pr. Paulo Silvano encontrar alguma brecha entre arminianos e calvinistas que lhe permitisse fazer a defesa de sua crença no Teísmo Aberto? Não logrando êxito, porque arminianos e calvinistas podem divergir quanto à mecânica da salvação, mas são visceralmente contrários a qualquer forma de Teísmo Aberto ou que outro nome tenha, preferiu então afastar-se do meu blog, como ele próprio afirmou, e do blog do prof. Augustus Nicodemus, segundo as próprias palavras do pr. Paulo Silvano. Enquanto, no blog do pastor Silas Daniel...

7. Aqui, depois de réplicas e tréplicas, adotou outra tangente: a de que não tem tempo de "teologar", já que se ocupa de outras tarefas, como se o pastor Silas Daniel, eu e tantos outros que aqui estamos fôssemos pessoas desocupadas.

8. Ora, ora, profeta, somos pessoas assoberbadas, com múltiplas ocupações, que usamos os blogs apenas como mais uma ferramenta para servir à Igreja do Senhor. Ainda ontem cheguei de Cacoal, RO, da 12 Conferência de Escola Dominical, após 24 horas entre carros, aeroportos e vôos, depois de ter participado em São Paulo e no Rio de Janeiro, dias 29 e 31 de outubro, das reuniões de lançamento do projeto Minha Esperança - Brasil, da Associacão Billy Graham, do qual tenho a honra de ser o Coordenador Nacional. E em ambos os encontros estivemos reunidos, arminianos e calvinistas, sob a mesma bandeira da proclamação das boas novas. Poderia estar dormindo agora, mas é uma hora da madrugada e aqui estou, cumprindo com uma das tarefas que mais gosto - escrever - para ainda hoje, às sete horas da manhã, estar de pé e continuar em minhas tarefas ministeriais. Ou seja, não estamos aqui para 'brincar" de teologia ou como passatempo.

9. Admira-me, potanto, que o pr. Paulo Silvano alegue possível medo como a razão para afastar-se do meu blog. Não, não foi medo, mas, sim, a falta de espaço para nos jogar contra os nossos irmãos calvinistas. Por não ter alcançado o seu objetivo, distanciou-se.

10. De tudo isso ficam duas coisas positivas: a) a firme defesa que fizemos dos postulados bíblicos da soberania divina em nossos blogs(sem adjetivações), e b)a atitude do pr. Paulo Silvano de finalmente assumir-se como teísta aberto, aqui neste blog, aliado às teses defendidas no Brasil, entre outros, por Ricardo Gondim (com quem tive o privilégio de conviver na época em que fizemos parte da Cruzada Boas Novas, do pastor Bernhard Jonhson), Paulo Brabo e Ed René Kivitz.

11. Assim, nada mais justo, no embate das idéias e sobretudo do labor teológico, saber de que lado estamos: o pr. Paulo Silvano no campo dos teístas abertos e nós no campo dos que afirmam a soberania divina, que compreende os atributos exclusivos de Deus como Onipotência, Onisciência e Onipresença, sem qualquer relativização pós-modernista que torne Deus menor do que a Bíblia o revela.

12. Nossos blogs continuam abertos ao pr. Paulo Silvano (o do pastor Silas Daniel certamente tambem), mas as suas idéias terão sempre a mais firme resistência de nossa parte todas as vezes em que ele direta ou subliminarmente pôr em dúvida aquilo que cremos ou tentar oombater o neopentecostalismo com a desconstrução do pentecostalismo clássico, como fez em um ou dois casos, em outros blogs, sempre abrigando-se em textos alheios, como, aliás, o faz em seu próprio blog, o que, reconheço, lhe é de pleno direito já que a fonte é sempre citada.

Peço finalmente desculpas ao pastor Silas Daniel, amigo pessoal, pela longa postagem, mas acredito que isso permitiu definir bem as nossas posições, deixando claro que não há aqui nada de caráter pessoal contra quem quer que seja (afinal, tenho amigos até ateus), inclusive o pr. Paulo Silvano, que, segundo me parece, pertence aos círculos da Betesda, o que já deixarei corrigido caso eu esteja errado.

Abraços!

Pastor Geremias Couto disse...

Caro Silas:

Um adendo ao meu cometário:

Como citei Billy Graham, gostaria de acrescentar o seguinte:

Ele é de tradição batista; sua esposa, Ruth Graham, de saudosa memória, nunca deixou de ser presbiteriana.

Silas Daniel disse...

Pastor e amigo Geremias,

Li seu importante e oportuno comentário já faz alguns dias, mas, infelizmente, devido a problemas com a internet, primeiro no trabalho e depois em casa, acabei não podendo registrar minhas palavras com a agilidade de sempre.

Antes de tudo, desculpe ter o seu nome evocado neste blog em meio a esse contexto de calor do debate entre eu e o pastor Silvano. Seja como for, isso acabou provocando algo positivo: esse minucioso e oportuno esclarecimento da parte do irmão.

Além de agradecer pelos esclarecimentos, assino embaixo da reflexão que o irmão fez sobre essa história toda, com destaque para o seguinte ponto: depois de todo esse debate, ficou finalmente clara a posição do pastor Silvano, que até então sempre se manifestava de uma forma indiretamente favorável ao Teísmo Aberto. Definitiva e claramente, ele revelou seu posicionamento. E é bem melhor assim, quando a gente sabe realmente as posições da pessoa com quem estamos dialogando. Nunca gostei dessa posição disse-mas-não-disse, cinzenta e camuflada que ele adotava.

Enfim, aproveito ainda para corroborar o ponto 12 de suas conclusões, reafirmando aquilo que disse ao pastor Silvano no meu último comentário: todas as vezes que ele quiser postar comentários aqui, poderá fazê-lo, mas se insistir em heresias como o Teísmo Aberto ou insinuar inverdades sobre os irmãos calvinistas, o pentecostalismo clássico ou seja lá que tema ou grupo for, também lerá, quantas vezes forem necessárias, minhas respostas denunciando que o Teísmo Aberto é heresia e desmascarando insinuações desonestas. Como o irmão bem frisou, não podemos ficar passíveis diante de posicionamentos desse tipo.

Mais uma vez, obrigado, pastor Geremias, pela sua iniciativa.

Abraços!

Eliseu Antonio Gomes disse...

Olá!

Gostaria de informar a todos que este artigo está concorrendo como uma das melhores postagens de 2007, lá no site União de Blogueiros Evangélicos.

Para votar nele, basto ser um blogueiro (a) associado (a).

Vejam mais: http://belverede.blogspot.com/2008/01/ube-melhores-postagens-de-2007-top-10.html

Abraço.